Nos últimos anos, no âmbito da Administração Pública, é possível observar uma série de medidas que foram tomadas a fim de desburocratizar e simplificar os processos administrativos, tanto para facilitar o acesso aos serviços públicos pelos cidadãos como para economizar recursos públicos. Tais medidas acabam por concretizar o princípio da eficiência, alçado pela Emenda Constitucional nº 19/1998 como um dos princípios gerais da Administração Pública[1], os quais, inclusive, as Entidades do Sistema S devem observar[2].
Segundo explica Hely Lopes Meirelles, “o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”[3] (grifou-se)
Já para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e, em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”[4] (grifou-se)
Portanto, o princípio da eficiência estabelece a necessidade de os gestores da coisa pública obterem resultados positivos no desempenho da atividade administrativa, reduzindo os custos e satisfazendo as necessidades básicas dos administrados. Nesse contexto, destaca-se a Lei nº 13.726/2018, que trata da racionalização de atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação:
“Art. 1º Esta Lei racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação.
Art. 2º (VETADO).
Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de:
I – reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento;
II – autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade;
III – juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo próprio agente administrativo;
IV – apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público;
V – apresentação de título de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura;
VI – apresentação de autorização com firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.
§ 1º É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação de outro documento válido.
§ 2º Quando, por motivo não imputável ao solicitante, não for possível obter diretamente do órgão ou entidade responsável documento comprobatório de regularidade, os fatos poderão ser comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa, ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.
§ 3º Os órgãos e entidades integrantes de Poder da União, de Estado, do Distrito Federal ou de Município não poderão exigir do cidadão a apresentação de certidão ou documento expedido por outro órgão ou entidade do mesmo Poder, ressalvadas as seguintes hipóteses:
I – certidão de antecedentes criminais;
II – informações sobre pessoa jurídica;
III – outras expressamente previstas em lei.
Art. 4º (VETADO).
Art. 5º Os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão criar grupos setoriais de trabalho com os seguintes objetivos:
I – identificar, nas respectivas áreas, dispositivos legais ou regulamentares que prevejam exigências descabidas ou exageradas ou procedimentos desnecessários ou redundantes;
II – sugerir medidas legais ou regulamentares que visem a eliminar o excesso de burocracia.
Art. 6º Ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico, devendo a circunstância ser registrada quando necessário.
Art. 7º É instituído o Selo de Desburocratização e Simplificação, destinado a reconhecer e a estimular projetos, programas e práticas que simplifiquem o funcionamento da administração pública e melhorem o atendimento aos usuários dos serviços públicos.
Parágrafo único. O Selo será concedido na forma de regulamento por comissão formada por representantes da Administração Pública e da sociedade civil, observados os seguintes critérios:
I – a racionalização de processos e procedimentos administrativos;
II – a eliminação de formalidades desnecessárias ou desproporcionais para as finalidades almejadas;
III – os ganhos sociais oriundos da medida de desburocratização;
IV – a redução do tempo de espera no atendimento dos serviços públicos;
V – a adoção de soluções tecnológicas ou organizacionais que possam ser replicadas em outras esferas da administração pública.
Art. 8º A participação do servidor no desenvolvimento e na execução de projetos e programas que resultem na desburocratização do serviço público será registrada em seus assentamentos funcionais.
Art. 9º Os órgãos ou entidades estatais que receberem o Selo de Desburocratização e Simplificação serão inscritos em Cadastro Nacional de Desburocratização.
Parágrafo único. Serão premiados, anualmente, 2 (dois) órgãos ou entidades, em cada unidade federativa, selecionados com base nos critérios estabelecidos por esta Lei.
Art. 10. (VETADO).” (grifou-se)
Sobre o tema, oportunos os apontamentos feitos pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná[5]:
“Desde a entrada em vigor da Lei nº 13.726/2018, está proibida a exigência, por parte de órgãos e entidades públicas, de documentos com firma reconhecida e de cópias autenticadas. Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) orienta seus jurisdicionados a respeitarem a norma quando da definição de regras para a entrega de documentação em procedimentos licitatórios.
Segundo o referido diploma legal, o reconhecimento da autenticidade de firmas deve ser feito pelo próprio agente administrativo que recebe o documento. Para tanto, o servidor pode estar presente diante do ato da assinatura ou confrontá-la com aquela que consta no documento de identidade do signatário.
O mesmo vale para a autenticação de cópias de documentos. O ato deve ser realizado pelo servidor, ao compará-las com os originais. Também não pode mais ser exigida a juntada de documento pessoal do usuário. Este poderá ser substituído por uma cópia autenticada por um servidor do órgão ou entidade responsável pelo processo.
Deixou ainda de ser lícita a exigência de apresentação de certidão de nascimento, a qual pode ser substituída por outros documentos de identificação, e de título de eleitor – exceto para votar ou registrar candidatura.
Por fim, os jurisdicionados estão proibidos de exigir a entrega de certidão ou documento expedido por outro órgão ou entidade que integre o mesmo Poder, exceto quando se tratar de certidão de antecedentes criminais, informações sobre pessoa jurídica e outros documentos expressamente previstos em lei.”[6]
Seguindo na mesma linha, a Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 – estabelece o seguinte:
“Art. 12. No processo licitatório, observar-se-á o seguinte:
I – os documentos serão produzidos por escrito, com data e local de sua realização e assinatura dos responsáveis;
II – os valores, os preços e os custos utilizados terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 52 desta Lei;
III – o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo;
IV – a prova de autenticidade de cópia de documento público ou particular poderá ser feita perante agente da Administração, mediante apresentação de original ou de declaração de autenticidade por advogado, sob sua responsabilidade pessoal;
V – o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade, salvo imposição legal;
VI – os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico;
VII – a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias. (Regulamento)
§ 1º O plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput deste artigo deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos.
§ 2º É permitida a identificação e assinatura digital por pessoa física ou jurídica em meio eletrônico, mediante certificado digital emitido em âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
(…)
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
I – poderá ser exigida dos licitantes a declaração de que atendem aos requisitos de habilitação, e o declarante responderá pela veracidade das informações prestadas, na forma da lei;
II – será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento;
III – serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso, somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado;
IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
(…)
Art. 70. A documentação referida neste Capítulo poderá ser:
I – apresentada em original, por cópia ou por qualquer outro meio expressamente admitido pela Administração;
II – substituída por registro cadastral emitido por órgão ou entidade pública, desde que previsto no edital e que o registro tenha sido feito em obediência ao disposto nesta Lei;
III – dispensada, total ou parcialmente, nas contratações para entrega imediata, nas contratações em valores inferiores a 1/4 (um quarto) do limite para dispensa de licitação para compras em geral e nas contratações de produto para pesquisa e desenvolvimento até o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). (Vide Decreto nº 10.922, de 2021) (Vigência)
Parágrafo único. As empresas estrangeiras que não funcionem no País deverão apresentar documentos equivalentes, na forma de regulamento emitido pelo Poder Executivo federal.
(…)
Art. 155. O licitante ou o contratado será responsabilizado administrativamente pelas seguintes infrações:
(…)
VIII – apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato;” (grifou-se)
Observa-se, portanto, uma tendência nos processos administrativos e licitatórios de simplificação e redução de formalidades que não são essenciais para o cumprimento de suas finalidades. Sendo assim, crível que as entidades do Sistema “S” sigam na mesma linha, deixando de exigir certos requisitos que apenas burocratizam suas licitações, a exemplo do reconhecimento de firma em documentos[7]–[8], cuja autenticidade das assinaturas pode ser conferida pelos próprios membros da Comissão de Licitação frente aos demais documentos apresentados pelos licitantes (como o contrato social da empresa e documentos de identificação daqueles que assinam as declarações solicitadas). Inclusive, podem ser aceitas, também, as assinaturas eletrônicas que se utilizam de certificados digitais, nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
Também devem ser dispensadas cópias autenticadas em cartório, podendo ser aceitas as cópias simples de documentos, não sendo possível dispensar, no entanto, a apresentação dos originais para que a Comissão de Licitação possa conferir a integridade das cópias apresentadas.
Em havendo dúvidas sobre a autenticidade dos documentos ou das assinaturas neles constantes, deve a Entidade realizar as devidas diligências. A respeito, cita-se a seguinte decisão do Tribunal de Contas da União:
“13. Com efeito, no que se refere à inabilitação da empresa representante, considero que a licitante foi irregularmente desclassificada em razão do envio de documentos sem a devida autenticação em cartório ou pelo órgão promotor do certame, apesar de ter comparecido à sessão munida dos originais, que foram recusados com a alegação de que a Lei 8.666/1993 delega poderes à comissão de licitação para autenticação de documentos, mas tal procedimento deveria ocorrer um momento anterior a abertura dos documentos de habilitação (peça 1, fl. 48).
14. Tal procedimento contrariou o art. 32 da Lei 8.666/93, o qual prevê que ‘os documentos necessários à habilitação poderão ser apresentados em original, por qualquer processo de cópia autenticada por cartório competente ou por servidor da administração ou publicação em órgão da imprensa oficial’. O referido dispositivo também não permite nenhuma restrição temporal para que a comissão de licitação se recuse a autenticar os documentos.
15. Ainda que se entendesse haver embasamento legal para o procedimento adotado pela comissão de licitação, não haveria por que, em atenção ao princípio da seleção da proposta mais vantajosa, previsto no art. 3º da Lei 8.666/1993 e em consonância com o que prescreve o art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993, não realizar a autenticação dos documentos na própria sessão de entrega e abertura das propostas. Conduta diversa configura formalismo exacerbado, o que pode levar à restrição indevida do caráter competitivo da licitação e à seleção de proposta que não seja a mais vantajosa.
16. Ao contrário, os agentes públicos nomeados para compor a referida comissão de licitação deveriam ter se pautado no princípio do formalismo moderado, que prescreve que as formalidades exigidas não podem ser utilizadas como um fim em si mesmo, tampouco podem ser exigidas quando dispensáveis. O formalismo no procedimento licitatório não significa que se possa desclassificar propostas eivadas de simples omissões ou defeitos irrelevantes.
17. Nesse sentido, a jurisprudência do TCU é pacífica, a exemplo do enunciado do Acórdão 357/2015-Plenário:
1. O intuito basilar dos regramentos que orientam as aquisições pela Administração Pública é a contratação da proposta que lhe seja mais vantajosa, obedecidos os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
2. No curso de procedimentos licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados.
18. O STF também já se manifestou em questão semelhante (RMS nº 23.714/DF, 1ª T, em 5/9/2000), tendo entendido que:
Licitação: irregularidade formal na proposta vencedora que, por sua irrelevância não gera nulidade […] Se a irregularidade praticada pela licitante vencedora a ela não trouxe vantagem, nem implicou em desvantagem para as demais participantes, não resultando assim em ofensa à igualdade; se o vício apontado não interfere no julgamento objetivo da proposta, e se não se vislumbra ofensa aos demais princípios exigíveis na atuação da Administração Pública, correta é a adjudicação do objeto da licitação à licitante que ofereceu a proposta mais vantajosa, em prestígio do interesse público, escopo da atividade administrativa.
19. Se houvesse alguma dúvida quanto à autenticidade dos documentos apresentados para comprovar a habilitação das empresas em disputa, os responsáveis pela condução do certame deveriam promover diligências para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que serviriam de base para a tomada de decisão da Administração (art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993), e não desclassificar sumariamente a participante da licitação.’”[9]
E caso reste confirmado que o licitante apresentou documentação falsa ou adulterada, deve ser aberto processo administrativo específico para a aplicação de penalidades, sendo salutar constar previsão a respeito no edital da licitação.
(…).” (grifou-se)
[7] Em verdade, antes mesmo da entrada em vigor dessas medidas legais de desburocratização, o TCU já orientava no sentido de se evitar a exigência de reconhecimento de firma em documentos, que apenas poderia ser feita em caso de dúvida quanto à autenticidade da assinatura e se houver prévia previsão editalícia, sob pena de comprometimento da competitividade da licitação. Nessa linha, os Acórdãos 604 e 1301 de 2015, ambos do Plenário. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça ao decidir o seguinte:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE RECONHECIMENTO DE FIRMA EM CERTAME LICITATÓRIO.
1. A ausência de reconhecimento de firma é mera irregularidade formal, passível de ser suprida em certame licitatório, em face dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
2. Recurso especial improvido.” STJ. REsp 542.333/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJ 7/11/2005, p. 191.