Em recente Acórdão 1993/21 do Plenário, que examinou a compra de produtos para fins de enfrentamento da COVID-19, o TCU decidiu pela responsabilização dos agentes, visto que seus atos se caracterizaram como erro grosseiro, previsto 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Antes de discorrer sobre aludido conceito, sublinhou o TCU que “a responsabilidade dos jurisdicionados perante o TCU é de natureza subjetiva, caracterizada mediante a presença de simples culpa stricto sensu, sendo desnecessária a caracterização de conduta dolosa ou má-fé do gestor para que este seja instado a ressarcir os prejuízos que tenha causado ao erário (Acórdão 9004/2018-TCU-Primeira Câmara, 635/2017-Plenário, 2781/2016-Plenário, dentre outros).
Com base na premissa acima e tendo em vista que a LINDB alcança diretamente a atividade jurisdicional da Corte de Contas, em especial a atividade de aplicação de sanções administrativas e de correção de atos irregulares, o conceito de erro que importa para o TCU para fins de sancionamento é aquele que pode ser extraído dos dispositivos do Código Civil, conforme consta no Acórdão 2391/2018, Plenário, que serviu de fundamento.
“(…) o erro, sem nenhum tipo de qualificação quanto à sua gravidade, é aquele “que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio” (grifos acrescidos). Se ele for substancial, nos termos do art. 139, torna anulável o negócio jurídico. Se não, pode ser convalidado.”
Usando o preceito legal como parâmetro “o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio”. Já o erro grosseiro é aquele que “poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio”. Por outras palavras, “o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave.”
Na tentativa de aclarar o conceito legal adotado, resolveu ainda o TCU elaborar o quadro abaixo reproduzido:
Gradação do erro | Pessoa que seria capaz de perceber o erro | Efeito sobre a validade do negócio jurídico (se substancial) |
Erro grosseiro | Com diligência abaixo do normal | Anulável |
Erro (sem qualificação) | Com diligência normal | Anulável |
Erro leve |
Com diligência extraordinária – acima do normal |
Não anulável |
O conceito legal, segundo o TCU, ainda pode ser conjugado com o doutrinário de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “culpa grave é caracterizada por uma conduta em que há uma imprudência ou imperícia extraordinária e inescusável, que consiste na omissão de um grau mínimo e elementar de diligência que todos observam” (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas, p. 169), como também o de Pontes de Miranda, segundo o qual a culpa grave é “a culpa crassa, magna, nímia, que tanto pode haver no ato positivo como no negativo, a culpa que denuncia descaso, temeridade, falta de cuidados indispensáveis”. (PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, t. XXIII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 72).
Levando em conta que restou demonstrado nos autos que o agente “a) firmou um contrato incompleto, sem a assinatura da contratada; b) ratificou a dispensa de licitação, sem justificativa para a contratação por valores superiores ao de mercado; c) ratificou a dispensa de licitação e concordou com o termo de referência, que não dispunha de elementos básicos; e d) anuiu, na condição de ordenador de despesa, com o pagamento antecipado da aquisição”, considerou o TCU todas essas condutas se caracterizaram como erro grosseiro, estipulado no art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por se distanciarem daquela conduta que seria esperada do administrador médio, avaliada no caso concreto. Por conta disso e demais fatores foi aplicada a sanção de multa e o agente restou inabilitado para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública (Acórdão 1993/21, do Plenário).
Por fim, nunca é demais recordar que a dosimetria da pena no âmbito do TCU tem como parâmetros “o nível de gravidade dos ilícitos apurados, com a valoração das circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas, e a aplicação da sanção guarda relação com a materialidade dos fatos e a culpabilidade do responsável”. Está sedimentado na jurisprudência da Corte que, o “Tribunal não realiza dosimetria objetiva da multa, comum à aplicação de normas do Direito Penal, e não há rol de agravantes e atenuantes legalmente reconhecido.” (Ac. 1946/21, Plenário, Min. Jorge Miranda).