OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO: REQUISITOS PARA O AFASTAMENTO DAS REGRAS DE LICITAÇÃO COM ESTEIO NO MARCO NORMATIVO DAS EMPRESAS ESTATAIS

Introdução

A celebração de parcerias estratégicas por empresas estatais possui fundamentos constitucionais e legais, os quais podem ser invocados desde que sejam cumpridos alguns requisitos.

Contudo, de início, cabe salientar que, com amparo na previsão constitucional emanada no § 1º do artigo 173 da Constituição Federal, foi estabelecido, por intermédio da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, o estatuto jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista, de forma que suas disposições abrangem desde a governança até contratação pública, contratos e mecanismos de controle interno.

O conteúdo relativo aos procedimentos licitatórios é tratado de maneira pormenorizada no Capítulo I do Título II da Lei das Estatais. Dessa forma, inaugurou-se um novo regime comum de licitações, cujos regramentos, mais adequados às empresas estatais, estabelecem os critérios de exigência e os casos de dispensa, de inexigibilidade e de inaplicabilidade de licitações próprios das empresas públicas e sociedades de economia mista.

De maneira geral, o novo regramento estabeleceu regras relativas ao procedimento licitatório menos complexas que aquelas previstas pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo, portanto, mais adequadas à realidade que procurou disciplinar, notadamente o alargamento das competências das empresas estatais e da importância das políticas públicas que executam.

Como regra principal, o caput do artigo 28 da Lei nº 13.303/2016, prevê que as aquisições de bens e serviços pelas empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão ser precedidas de procedimento licitatório nos termos da citada lei.

Ainda que a Lei das Estatais não tenha apresentado maiores inovações quanto aos casos de dispensa e inexigibilidade de licitações, instituiu duas situações que permitem a “desobrigação” em promover processo licitatório, cujo regramento autoriza que, atendidos uma série de requisitos, as empresas públicas possam não promover procedimentos licitatórios, nos estritos termos do artigo 28, § 3º, incisos I e II.

Ao que nos interessa, uma das hipóteses relacionadas à inaplicabilidade de licitação relaciona-se a uma “oportunidade de negócio”, vejamos:

Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30.
[…]

§ 3º São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações:

I – comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais;
II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.
§ 4º Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do § 3º a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente. (Grifos nossos)

Assim, a Lei em exame criou uma exceção onde o princípio da licitação ou competição não se aplica, na medida em que o ente público deve considerar elementos de avaliação subjetiva não aferíveis em um certame ou processo de seleção, elementos que trataremos no presente artigo.

A caracterização da oportunidade de negócio

Tratando acerca das finalidades do instituto da oportunidade de negócios, previsto no art. 28, §3º da Lei nº 13.303/2016, Alexandre Santos de Aragão ressalta seu papel essencial no incremento da capacidade competitiva ou concorrencial das estatais no mercado:

O dispositivo visa a dar à estatal agilidade em sua atuação no mercado, já que muitas formalidades na realização de oportunidades de negócio podem fazer que ela as perca, seja para concorrentes, seja até mesmo para empresas de outro setor, já que do inciso II não consta a exigência de que se relacionem com o seu objeto social. O Estatuto das Estatais em boa hora com o § 3º diminui a assimetria concorrencial das estatais em relação às suas congêneres privadas.[1]

Aqui, o tema deve ser encarado sobre a ótica da gestão da empresa e da seleção a partir de critérios técnicos empresariais. Toda vez que o negócio a ser estruturado não constituir a aquisição pura e simples de bens e serviços, a seleção do parceiro deve se pautar pela lógica da inaplicabilidade de licitação.

Nessa toada foi o entendimento do Tribunal de Contas da União – TCUno Acórdão 581/2020 da Segunda Câmara:
Os contratos de franquia postal não são mais regidos, mesmo que de forma subsidiária, pela Lei 8.666/1993, mas pela Lei 13.303/2016, que autoriza as empresas públicas, como é o caso da ECT, a dispensar a exigência de licitação para aproveitar oportunidades de negócio, incluídas a formação de parcerias e outras formas contratuais.

Destarte, a oportunidade de negócio, entendida como parceria, é a busca por se atingir um resultado comum esperado. Não basta, contudo, que o instrumento que regule a relação seja nominado como termo de parceria ou como acordo de cooperação técnica, por exemplo, pois é necessário que os seus objetivos demonstrem que há um agregamento de recursos para a busca de determinado resultado comum[2].

Portanto, a parceria é, e deve fielmente refletir, a união de esforços para o atingimento de um objetivo em comum, direta ou indiretamente, ainda que existam alguns caracteres similares à outra forma de vínculo, motivo pelo qual Ronny Charles e Dawison Barcelos admitem que:

As oportunidades de negócio se prestarão a viabilizar parcerias com agentes privados para a consecução de objetos ou de objetivos que, isoladamente, a empresa estatal não teria capacidade de obter ou desenvolver, ou, se empreendesse por conta própria, haveria consequências que violariam, de maneira desarrazoada, o princípio da busca pela vantagem competitiva.[3]

Em outras palavras, a escolha do parceiro que efetivamente entabulará o relacionamento com a empresa estatal deverá estar alicerçada na demonstração fática de que tal comunhão de esforços tenha características particulares e extraordinárias, atestadas por intermédio de critérios objetivos pré-estabelecidos.

Assim, o conceito de oportunidade de negócios trazido pela Lei das Estatais pauta-se na inviabilidade do procedimento competitivo, de maneira que o sucesso da parceria pretendida dependerá das características específicas do parceiro, a exemplo de quando o parceiro escolhido seja um agente notoriamente distinto em relação à atividade que desenvolve no mercado.

A natureza diferenciada da oportunidade de negócio também foi reconhecida pelo Plenário do TCU no Acórdão 3230/2020, onde a Corte assentou que “ao celebrar esse tipo de contrato de sociedade, a estatal não está contratando a realização de uma obra ou de determinado serviço, mas, sim, se associando a um terceiro para com ele dividir as obrigações, riscos e lucros de um negócio, em proporções predefinidas.”

Como consequência da impossibilidade de se estabelecer tratamento diferenciado – nem mais benéfico, tampouco prejudicial – para as empresas estatais como forma de evitar distorções concorrenciais em seu mercado de atuação, a legislação impõe, como expressão do princípio da isonomia, que estas empresas atuem em regime equivalente ao adotado pelas demais empresas privadas, situação que, por óbvio, não afasta a aplicação dos princípios que orientam a atuação da Administração Pública.

Sobre parcerias de empresas estatais e o setor privado, Floriano de Azevedo Marques Neto e Juliana Bonacorsi de Palma elucidam que:

De um modo geral, as empresas estatais brasileiras buscam desenvolver parcerias com o empresariado privado tendo em vista duas grandes motivações: (i) viabilizar alternativas de investimento que viabilizem as utilidades públicas ou que permitam a adoção de novas estratégias negociais e (ii) capacitar a empresa estatal e, por decorrência, aprimorar o serviço por ela prestado mediante aproximação com instrumentos de eficiência típicos do setor privado. Obviamente, nem sempre as duas motivações estarão concomitantemente presentes quando do estabelecimento de parcerias envolvendo as empresas estatais e em outras oportunidades ainda existirão outras variáveis explicativas do vínculo de associação. No entanto, tendo em vista o funcionamento geral das empresas estatais, esses dois elementos são os mais recorrentes.[4]

Vejam-se também as lições de Marçal Justen Filho sobre o afastamento de licitação para esse tipo de parceria:

12.2 A seleção de parceiros em relações de cooperação

A segunda hipótese de inaplicabilidade de licitação se refere aos casos de seleção de parceiro para empreendimentos associativos, nas hipóteses em que atributos pessoais apresentem relevância. […]

12.2.2 A associação de recursos e de capacitações

A obtenção de um resultado de sucesso, nas hipóteses de parcerias com terceiros, depende, nesses casos, da escolha de parceiro adequado. Isso envolve não apenas a titularidade de recursos econômicos, mas também a presença de outros requisitos, inclusive a expertise e o domínio das técnicas pertinentes ao objeto a ser executado em conjunto. Em muitos casos, o sucesso da associação pressupõe níveis comuns de experiência, práticas empresariais similares, situações de mercado específicas. […]

12.2.4 As parcerias

O dispositivo alude à formação e à extinção de parcerias e outras formas associativas. A expressão “parceria” deve ser interpretada de modo amplo, para abarcar as soluções organizacionais de atuação conjugada, de cunho cooperativo, ainda que versando sobre objeto delimitado e com duração temporária.[5]

Nesse cenário, tem-se, portanto, o estabelecimento de hipótese de afastamento das regras licitatórias com aplicação específica para as empresas estatais, de forma a desobrigar, a administração, da realização de procedimento competitivo para a celebração de parcerias relacionadas à atividade finalística das empresas estatais, desde que observado, no entanto, o preenchimento de seus requisitos particulares e específicos.

A respeito do tema, o Plenário do TCU, ao proferir o Acórdão nº 2488/2018, definiu os requisitos para a contratação direta sob o fundamento da oportunidade de negócios, sendo eles:

  1. Avença obrigatoriamente relacionada com o desempenho de atribuições inerentes aos respectivos objetos sociais das empresas envolvidas;
  2. Configuração de oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do artigo 28, § 4º, da Lei das Estatais;
  3. Demonstração da vantagem comercial para a estatal;
  4. Comprovação, pelo administrador público, de que o parceiro escolhido apresenta condições que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado;
  5. Demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo, servindo a esse propósito, por exemplo, a pertinência e a compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementariedade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes.

Ademais dos elementos traçados pelo Acórdão supra referido, para Mirela Ziliotto e Rodrigo Pironti, “a parceria em função de uma oportunidade de negócio depende, senão, da configuração inequívoca de possível estabelecimento de relacionamento comercial”[6].

Assim, aparceria estratégica, a ser celebrada com lastro na oportunidade de negócio, não deve ter como requisito único a existência de recursos econômicos atrelados à avença, mas também há que ser considerada a expertise do parceiro, os níveis comuns de experiência, as situações de mercado específicas e demais peculiaridades que se apresentarem no caso concreto.

No entanto, é mister se atentar para a ressalva realizada pelo Plenário do TCU no Acórdão 1744/2021:

As diversas possibilidades e arranjos contratuais, a exemplo do compartilhamento de
riscos e da adoção de remuneração variável, previstos na Lei 13.303/2016, não são atributos diferenciadores de formação de parcerias que possam ser caracterizadas como oportunidade de negócios, a dispensar o procedimento licitatório. Do contrário, estaria aberta a vereda para um sem número de contratações diretas, baseadas exclusivamente na livre convenção entre as partes.

Como bem salientou a Unidade Técnica, a escolha de parceiro que, por suas características singulares, esteja vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo, deve ter caráter perene, maior nível de comprometimento e identidade de interesses societários entre os parceiros.

Nesse viés, Marçal Justen Filho ensina:

A inaplicabilidade da licitação prevista no inc. II do § 3º do art. 28 depende da existência de características especiais diferenciadoras.

A definição do parceiro mais adequado não pode ser promovida, em muitos casos, por meio de um procedimento seletivo formal. A realização de licitação é uma solução imprestável, porque não se trata de selecionar a proposta mais vantajosa. Usualmente, existem interesses comuns, que excluem a realização de uma proposta formal específica.

A identificação do parceiro adequado envolve, então, um processo de conversação, a discussão de projetos comuns, a verificação de habilidades e das virtudes apresentadas pelos potenciais parceiros e a identificação de pontos negativos. Ao final, a escolha será resultado de uma ponderação sobre aspectos positivos e negativos […].

Sob certo ângulo, a hipótese examinada aproxima-se muito ao conceito amplo de inviabilidade de competição. A questão, no caso ora examinado, não se relaciona à ausência de uma pluralidade de alternativas de contratações. Pode até haver uma pluralidade de sujeitos potencialmente interessados em contratar com a estatal. Podem existir diversas modelagens econômicas e jurídicas para formalizar o relacionamento entre a estatal e um sujeito privado.
No entanto, o ponto fundamental reside em que a solução satisfatória – aquela que propicia o atendimento às necessidades da estatal e permite obter o melhor resultado possível – depende de imposições unilaterais, de escolhas fundadas em critérios variáveis em vista das circunstâncias e da identificação de padrões de identidade entre os interesses de um particular e da própria estatal.

Então, selecionar um parceiro para empreendimentos futuros não é uma decisão que possa ser subordinada a um procedimento licitatório. Sob esse prisma, poderia aludir-se à inviabilidade de competição. Mas a Lei das Estatais reputou que essa hipótese apresentava tamanha peculiaridade que poderia ser enquadrada num conceito próprio e diferenciado, consistente na ausência de cabimento de licitação.[7]

O mesmo renomado doutrinador, em participação no evento “Diálogo Público: A Nova Lei das Estatais – Interpretação e Aplicação do Art. 28 da Lei 13.303/2016”, promovido pelo Tribunal de Contas da União, em 05/06/2018[8], assim se posicionou:

Sobre contratações de parceria e suas peculiaridades, observo que o art. 28, inciso II, tem a seguinte redação: a escolha do parceiro esteja associada as suas características particulares.

Características particulares do parceiro vai ser o objeto singular da Lei 13.303, ou seja, o próprio Tribunal de Contas vai a cada instante dizer qual é a característica particular, ou seja, qual é o traço que individualiza a situação concreta desse sujeito para poder executar um determinado e específico objeto.

Destarte, compete ao gestor da empresa estatal, dentro da discricionariedade que o dispositivo legal lhe delegou, motivar adequadamente (i) escolha de parceiro associada a características particulares; (ii) oportunidade de negócio definida e específica; (iii) justificativa da inviabilidade de procedimento competitivo; e iv) demonstração da vantajosidade que se pretende alcançar com a contratação direta, da qual deve constar a avaliação econômico-financeira da oportunidade de negócio.

Quanto à demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo,cumpre reproduzir o entendimento do Col. Plenário do TCU, proferido no Acórdão nº 2488/2018, da relatoria do Ministro Benjamin Zymler:

A Lei 13.303/2016 submeteu a contratação associativa a um regime distinto da inviabilidade de competição propriamente dita, sendo, portanto, “possível afastar a licitação com fulcro em fatores que variam nos casos concretos. Assim, por exemplo, a pertinência e compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementariedade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes devem ser sopesadas”. No caso vertente, acrescentou o relator, “a Telebras entendeu que a experiência da parceira com o atendimento a clientes finais que moram em pequenas localidades era um diferencial relevante a favor dessa empresa”. Outrossim, o relator salientou que a existência de possíveis concorrentes não necessariamente implicaria a necessidade de ser realizado processo competitivo, haja vista que, conforme evidenciado em seu voto, “a escolha do parceiro pode decorrer de avaliações subjetivas, que devem estar embasadas em critérios bem definidos”.[9] (sem destaques no original)

Nesse mesmo sentido é o Acórdão nº 585/2019, também do Plenário do TCU:

221. No entanto, sobre esse ponto, entende-se que, nesse caso concreto, a existência de outras companhias, de per si, não é elemento suficiente para exigir um procedimento licitatório, pois as características particulares da empresa escolhida, que fundamentaram a sua seleção, tornam singular o objeto pactuado, sendo justificável a impossibilidade da licitação.

222. Demonstrada as particularidades da empresa Azul, conforme entendimento exposto nos parágrafos 149 a 154, e demonstrada a vinculação com a oportunidade de negócio, avaliada nos parágrafos 155 a 215, entende-se, nesse caso, que a ECT estaria dispensada do procedimento licitatório, pois a parceria a ser celebrada com essa empresa seria única, com características que não poderiam ser oferecidas pelas outras companhias“. (sem destaques no original)

Por sua vez, a I Jornada de Direito Administrativo, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), realizada entre os dias 3 e 7 de agosto de 2020, aprovou o Enunciado nº 27 e o Enunciado nº 30, que orientam no sentido de que a inviabilidade de competição para fins da oportunidade de negócio deve ser entendida como impossibilidade de comparação objetiva de propostas.

Dispõem os aludidos Enunciados:

Enunciado nº 27 “A contratação para celebração de oportunidade de negócios, conforme prevista pelo art. 28, § 3º, II, e § 4º da Lei n. 13.303/2016 deverá ser avaliada de acordo com as práticas do setor de atuação da empresa estatal. A menção à inviabilidade de competição para concretização da oportunidade de negócios deve ser entendida como impossibilidade de comparação objetiva, no caso das propostas de parceria e de reestruturação societária e como desnecessidade de procedimento competitivo, quando a oportunidade puder ser ofertada a todos os interessados.”(sem destaques no original)

Enunciado nº 30 “A “inviabilidade de procedimento competitivo” prevista no art. 28, § 3º, inc. II, da Lei n. 13.303/2016 não significa que, para a configuração de uma oportunidade de negócio, somente poderá haver um interessado em estabelecer uma parceria com a empresa estatal. É possível que, mesmo diante de mais de um interessado, esteja configurada a inviabilidade de procedimento competitivo.” (sem destaques no original)
A abalizada doutrina de Marçal Justen Filho ainda elucida:

Sob certo ângulo, a hipótese examinada aproxima-se muito ao conceito amplo de inviabilidade de competição. A questão, no caso ora examinado, não se relaciona à ausência de uma pluralidade de alternativas de contratações. Pode até haver uma pluralidade de sujeitos potencialmente interessados em contratar com a estatal. Podem existir diversas modelagens econômicas e jurídicas para formalizar o relacionamento entre a estatal e um sujeito privado. No entanto, o ponto fundamental reside em que a solução satisfatória – aquela que propicia o atendimento às necessidades da estatal e permite obter o melhor resultado possível – depende de imposições unilaterais, de escolhas fundadas em critérios variáveis em vista das circunstâncias e da identificação de padrões de identidade entre os interesses de um particular e da própria estatal.[10]

Ao passar dos anos, o Tribunal de Contas da União foi, a cada análise de caso concreto, apresentando a moldura sob a qual a oportunidade de negócio deveria se desenvolver, mas, além de requisitos formais, o TCU ainda apresentou trâmites internos necessários e cuidados referentes ao gerenciamento de riscos, como a necessidade de, nos termos do Acórdão 3230/2020 do Plenário:

Manifestação do Conselho de Administração antes da escolha do parceiro e conclusão do negócio, em homenagem às boas práticas de governança corporativa, aos princípios da administração pública e aos preceitos da Lei 13.303/2016 e do Decreto 8.945/2016, devendo estar explícito, nos documentos relativos à aprovação da parceria pelo Conselho, o alinhamento com o plano de negócios da estatal.

O Acórdão 2597/2021 do Plenário do TCU fez uma análise sob o viés do gerenciamento de riscos, apontando, dentre outros riscos no procedimento que visa a celebração de parceria, a ausência de ampla divulgação da oportunidade de negócio para formação de parceria estratégica; a ausência de participação da alta administração em etapas essenciais do processo de formação de parcerias estratégicas e a ausência de metodologia institucional que trate os riscos inerentes à formação de parcerias, apontando, ainda, sobre a necessidade de haver normatização interna específica sobre o procedimento para celebração de parceria.

A necessidade de submeter a celebração da parceria às instâncias de governança e controle já havia sido apontada por Stroppa e Bragagnoli, quando assentaram que:

[…] para a utilização desse mecanismo de contratação, as estatais devem, imprescindivelmente, prever em seus regulamentos internos questões atinentes à governança em prol da implementação do instituto aqui referido, que autoriza o afastamento da realização do procedimento licitatório, estabelecendo parâmetros para a justificativa das operações, além de um sistema de gestão e monitoramento de riscos, elemento existente em qualquer negócio.

Não é despiciendo, ainda, trazer à baila uma reflexão sobre a necessidade de a empresa estatal, para celebração de parceria, realizar procedimento competitivo ou algum procedimento com natureza de chamamento público, inclusive porque é um elemento que vem sendo apontado como indispensável pelo TCU, a exemplo do já citado Acórdão 1744/2021 do Plenário, que considerou afronta principiológica a não há previsão de etapa de chamamento público para que eventuais interessados possam manifestar a intensão de participar no processo competitivo.[11]
Sobre o tema, Mirela Ziliotto e Rodrigo Pironti concluem:

A contratação dispensada nos casos de existência de “oportunidade de negócio” é determinada pelas peculiaridades do parceiro privado e a natureza diferenciada do objeto, que permitem que a contratação seja realizada sem que seja observado o processo natural da licitação e, por consequência, nenhuma outra forma de disputa simplificada ou “chamamento público”.[12]

Nessa esteira, Isadora Cohen e Mariana Avelar ponderam, assertivamente, que a publicidade garantida por chamamento público não deve ser um requisito essencial, mas incidental:

Parece razoável supor que a empresa estatal não esteja dispensada de procedimentalizar a celebração de parcerias com enfoque em oportunidades de negócios, indicando os fundamentos, a vantajosidade, as características do parceiro que justificam sua posição no mercado e outros aspectos necessários à motivação da contratação.

Contudo, partilhamos do entendimento no sentido de que a incidência do dever de publicidade nas oportunidades de negócio é diversa daquela aplicável às licitações e contratos das estatais. Ainda que em muitas circunstâncias seja possível dar ampla transparência às negociações, com eventual abertura de chamamento público para celebração da parceria, nem sempre tais procedimentos serão possíveis ou, mesmo, desejáveis.[13]

Sobre a regulamentação do tema, já existem empresas estatais muito bem organizadas internamente, seja no regulamento interno de licitações e contratos, seja em norma específica sobre o tema, apresentando fluxo próprio para a instrução do procedimento com vistas à celebração de parceria lastreada em oportunidade de negócio. Cita-se, como exemplo, a Caixa Econômica Federal[14],  Companhia de Água e Esgoto do Ceará – Cagece[15], Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp[16] e Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto – CODERP[17], todas com regulamentação de oportunidade de negócio inserida no regulamento interno de licitações e contratos, além da Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais – Prodemge[18], que tem regulamento interno específico apenas para disciplinar a oportunidade de negócio.
Conforme se percebe, a celebração de parcerias estratégicas fundamentadas em oportunidades de negócio é um caminho aberto e ainda inegavelmente inexplorado pelas as empresas públicas e sociedades de economia mista, sendo necessário que o trilhem em busca da sua maior vantagem competitiva, cumprindo, assim, sua função social de atendimento ao interesse público que fundamentou a sua criação.

Dada a necessidade de uma instrução robusta, visando a perfeita adequação do caso concreto à parceria estratégica para os fins legais, o instituto da oportunidade de negócio ainda é incipiente na realidade das empresas estatais, sendo necessária uma gestão arrojada e engajada, que perceba o potencial inovador do instituto, voltado às melhores práticas empresariais para as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Conclusão

Ainda que a oportunidade de negócio, como bem pontuado por Cohen e Avelar (2020), não seja propriamente uma inovação da Lei nº 13.303/2016, a Lei das Estatais “conferiu efeitos jurídicos a algumas práticas de mercado comuns em organizações empresariais públicas e privadas”, reconhecimento essa prática como “é essencial para modernização da atuação das empresas estatais”.

Assim, a formação de parcerias estratégicas abrangem um amplo leque de possibilidades – que não se esgotam no texto legal – abarcando reestruturações e operações societárias, programas de desinvestimento, a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, tudo com vistas a uma atuação diferenciada da empresa estatal perante o mercado que atua e ao público que atende.

Destarte, quanto maiores forem as cautelas adotadas e as justificativas apresentadas, nos termos apresentados no presente artigo, com vistas a melhor instrumentalizar os procedimentos em relação à oportunidade de negócio, tendo em vista a escolha de não realizar uma licitação, maiores serão as chances de se garantir uma melhor qualidade do processo decisório, mitigando-se o risco de uso de discricionariedade desarrazoada por parte dos gestores, salvaguardando a decisão da alta administração de uma empresa estatal, possibilitando que possa ser atestada, celebrada e executada com a qualidade esperada pela própria estatal, pelo parceiro escolhido e pela sociedade.
 
 


[1]ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018 [livro eletrônico].
[2]SAMPAIO, Alexandre Santos. A não incidência da licitação nas empresas estatais: O Embate entre a Liberdade Empresarial e a Licitação Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p.83.
[3]BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Licitações e contratos nas empresas estatais: regime licitatório e contratual da Lei 13.303/2016. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 124.
[4]MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Empresas estatais e parcerias institucionais. Rio de Janeiro: RDA – Revista de direito administrativo, v. 272, p. 59-92, maio/ago. 2016.
[5]JUSTEN FILHO, Marçal. A contratação sem licitação nas empresas estatais. In: Estatuto Jurídico das Empresas Estatais: Lei 13.303/2016. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 303.
[6]Disponível em:
[7]JUSTEN FILHO, Marçal. A contratação …, p. 302-306.
[8]Imagens acessíveis no sítio eletrônico: https://youtu.be/4i-OOLmpSWw. Acesso em: 25/02/2021
[9]Acórdão 2488/2018 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.
[10]JUSTEN FILHO, Marçal. A contratação …, p. 302-306.
[11]STROPPA, Christianne de Carvalho; BRAGAGNOLI, Renila Lacerda. A oportunidade de negócio como alternativa à desestatização das empresas estatais de saneamento básico. In: O Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico. Augusto Nevez Dal Pozzo, coordenação. 1 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 473.
[12]Disponível em:
[13]COHEN, Isadora; AVELAR, Mariana. Oportunidade de negócios para estatais. Como compreender as parcerias estratégicas? Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/oportunidade-de-negocios-para-estatais-23102020 Acesso 02 de mar de 2022.
[14]Disponível em https://www.caixa.gov.br/Downloads/caixa-cartoes/Regulamento_de_Licitacoes_e_Contratos_da_Caixa.pdf.
[15]Disponível em https://www.cagece.com.br/wp-content/uploads/2022/02/REGULAMENTO_DE_LICITACOES_E_CONTRATOS_FINAL_2021_Revisao1.pdf
[16]Disponível em http://sabesp-info18.sabesp.com.br/licita/Publica.nsf/3.1.V/BCF113951B4FE97B832582BB006D5F65/$File/RegulamentoInternoLicitacaoContratacaoSABESPRev2.pdf
[17]Disponível em https://www.coderp.sp.gov.br/portal/pdf/coderp1202104.pdf
[18]Disponível emhttps://www.prodemge.gov.br/governanca/regulamentos

Renila Lacerda Bragagnoli

Cynthia Póvoa de Aragão

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