Sabe-se que em 11 de março foi declarada pela Organização Mundial da Saúde a pandemia gerada pela propagação global da COVID-19, e, que, após isso, o estado de calamidade foi decretado no país, através do Decreto Legislativo nº 6/2020, em 20 de março de 2020.
Em vias de se buscar minimizar os impactos da calamidade pública na sociedade, vários foram os normativos editados, dentre eles, a Medida Provisória 927/2020, cujo conteúdo era dispor sobre medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública, como forma de contribuir com a manutenção dos empregos.
Não obstante a isso, embora tenha sido objeto de apreciação nas casas do Congresso Nacional, inclusive sendo convertido após votação dos deputados em Projeto de Lei de Conversão nº 18/2020, sob a relatoria do senador Irajá, em razão da falta de entendimento entre as lideranças a votação acabou sendo retirada de pauta pelo Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que justificou que quando há ingerência entre as lideranças, fica praticamente impossível votar algo de tamanha complexidade em sistema remoto[1].
O artigo 3º, da referida Medida Provisória apresentava, dentre outras, algumas medidas que poderiam ser adotadas pelos empregadores:
“Art. 3º. Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:
I – o teletrabalho;
II – a antecipação de férias individuais;
III – a concessão de férias coletivas;
IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados; (Vide ADI nº 6380)
V – o banco de horas;
VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação; e
VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.”
Porém, por não ter sido votado em tempo hábil, conforme preconizado pelo artigo 62, §3º[2], da Constituição Federal, qual seja, 60 dias, que foram prorrogados por mais 60 dias, a MP 927/2020 perdeu a eficácia no dia 19 de julho de 2020[3].
Com isso, surge a dúvida e insegurança daqueles que adotaram as medidas da MP 927/2020, sobre como ficam os atos e seus efeitos após o encerramento vigência.
Dessa forma, cumpre destacar que, conforme disciplinado no mencionado parágrafo terceiro, do artigo 62 da Constituição Federal, após o encerramento da vigência de uma Medida Provisória deve o Congresso Nacional disciplinar, por meio de Decreto Legislativo, sobre os efeitos jurídicos que da medida decorreram.
Caso não seja editado o mencionado Decreto Legislativo em até 60 dias, conforme determina o parágrafo 11, do artigo 62 da Constituição Federal, as relações jurídicas que se originaram da MP 927/2020 continuam regidas pela redação desta.
Contudo, cabe frisar que sendo editado, o decreto não alcança os atos jurídicos perfeitos[4], e sim, aqueles que eventualmente podem acabar se mantendo ao longo do tempo, como se infere da decisão do Supremo Tribubal Federal, vejamos:
“O § 11 do art. 62 da Constituição visa garantir segurança jurídica àqueles que praticaram atos embasados na medida provisória rejeitada ou não apreciada, mas isso não pode se dar ao extremo de se permitir a sobreposição da vontade do Chefe do Poder Executivo sob a do Poder Legislativo, em situações, por exemplo, em que a preservação dos efeitos da medida provisória equivalha à manutenção de sua vigência. Interpretação diversa ofenderia a cláusula pétrea constante do art. 2º da Constituição, que preconiza a separação entre os Poderes. Quanto aos pedidos de licença para exploração de CLIA não examinados na vigência da Medida Provisória n. 320/2006, não havia relação jurídica constituída que tornasse possível a invocação do § 11 do art. 62 da Constituição para justificar a aplicação da medida provisória rejeitada após o término de sua vigência. Interpretação contrária postergaria indevidamente a eficácia de medida provisória já rejeitada pelo Congresso Nacional, ofendendo não apenas o § 11 do art. 62 da Constituição, mas também o princípio da separação dos Poderes.
[ADPF 216, rel. min. Cármem Lúcia, j. 14-3-2018, P, DJE de 23-3-2020.]”(grifo nosso)
Portanto, tendo em vista que ainda não foi editado o Decreto Legislativo, conforme se verifica do painel de tramitação do Congresso Nacional[5], compete a sociedade aguardar o prazo de 60 dias após o encerramento da vigência (20/07/2020 – 17/09/2020) para saber como serão direcionadas as relações jurídicas originadas da MP 927/2020 que eventualmente continuam produzindo efeitos mesmo após o encerramento de sua vigência, desde que praticadas enquanto o texto ainda era válido, podendo o decreto modular os efeitos para a manutenção ou encerramento desses efeitos. E caso não seja editado o referido decreto, como dito, serão mantidas as relações jurídicas oriundas da MP 927/2020, pela inteligência do artigo 62, §11[6], da Constituição Federal.
(…)
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
(…)
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (grifo nosso)