Possibilidade de designação de servidores comissionados como Agentes de Contratação sob a Nova Lei de Licitações: Análise do acórdão nº 2528/24 do TCE/PR

Resumo:

O presente artigo visa analisar a consulta formulada ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), que resultou no Acórdão nº 2528/24, sobre a possibilidade de servidores comissionados exercerem a função de agente de contratação prevista na Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). A decisão do Tribunal explora os limites e exceções à designação de servidores comissionados, bem como os requisitos que devem ser observados para sua efetivação.

1. Introdução

A Lei nº 14.133/2021 trouxe inovações significativas ao regime jurídico das licitações e contratos administrativos no Brasil, incluindo a criação da figura do agente de contratação, responsável pela coordenação dos processos licitatórios. Tal inovação gerou dúvidas, especialmente quanto à possibilidade de servidores comissionados exercerem essa função, notadamente em contextos de escassez de servidores efetivos qualificados.

2. Contextualização da Consulta

A consulta foi formulada pela Câmara Municipal de Paranaguá, por meio de seu Presidente, Sr. Fábio dos Santos, questionando se, frente à escassez de servidores efetivos e à impossibilidade de novas nomeações, em virtude da Lei Eleitoral, seria possível designar, excepcionalmente, servidores comissionados como agentes de contratação.

3. A Função do Agente de Contratação na Nova Lei de Licitações

O agente de contratação é conceituado no art. 6º, LX[1], e no art. 8º[2] da Lei nº. 14.133/2021, como a pessoa designada pela autoridade competente, escolhida entre servidores efetivos ou empregados públicos do quadro permanente da Administração Pública, com a incumbência de tomar decisões, acompanhar o andamento do processo licitatório e assegurar o bom desenvolvimento do certame até a homologação.

Portanto, nos termos do art. 8º o agente de contratação deve ser obrigatoriamente um servidor efetivo ou empregado público pertencente ao quadro permanente da Administração Pública. Embora a leitura do art. 7º, I[3], possa, em um primeiro momento, sugerir a possibilidade de nomeação de servidores que não integrem o quadro permanente para tal função, é importante destacar que o referido artigo não se aplica diretamente à função de agente de contratação, ainda que seus requisitos, especialmente os previstos nos incisos II e III[4], também sejam pertinentes a essa figura.

No nosso entender, a flexibilidade mencionada no art. 7º aplica-se a outros agentes públicos que, juntamente com o agente de contratação, são responsáveis pela execução da Lei de Licitações, como os membros da comissão de contratação, gestores e fiscais de contratos, entre outros. De acordo com Filho[5], “agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública como prepostos do Estado. São integrantes dos órgãos públicos, cuja vontade é imputada à pessoa jurídica. Compõem, portanto, a trilogia fundamental que dá o perfil da Administração: órgãos, agentes e funções.” Assim, todos os servidores se enquadram nesse conceito, o que justifica a identificação pela Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC). No entanto, apenas servidores efetivos ou pertencentes ao quadro permanente podem ser designados como agentes de contratação.

Essa imposição legal está diretamente vinculada ao grau de responsabilidade atribuído ao agente, que responde individualmente pelas decisões que toma, exceto nos casos em que possa ser comprovadamente induzido a erro pela equipe de apoio. A função de agente de contratação, por sua natureza decisória e singular, exige essa diferenciação em relação aos demais agentes públicos envolvidos nos processos licitatórios.

Quanto aos demais agentes, é importante destacar que a interpretação da palavra “preferencialmente”, presente no inciso I do artigo 7º da Lei nº 14.133/2021, deve ser feita com cautela. Embora o termo possa sugerir livre escolha por parte do gestor, a discricionariedade administrativa deve sempre ser exercida sob o crivo do interesse público e dos princípios que regem a administração pública. Surge, então, a pergunta: se a escolha não é totalmente livre, por que o legislador não estabeleceu uma obrigação ao invés de utilizar o termo “preferencial”?

A resposta pode ser encontrada na explicação do professor Afonso Rodrigues Queiró, citado por Bandeira de Mello[6], ao afirmar que a lei se refere a fatos e situações pertinentes ao mundo natural ou cultural, e às relações de causalidade ou valor. Os conceitos utilizados pela lei, portanto, estão ligados a essas realidades. Assim, é compreensível que o legislador tenha concedido ao gestor a discricionariedade na escolha dos demais agentes públicos responsáveis pela execução da lei, pois somente o gestor, conhecendo a estrutura funcional de sua entidade e complexidade, pode escolher a melhor forma de cumprir os ditames legais e justificar, quando necessário, a impossibilidade de fazê-lo com plena exatidão.

Nesse sentido, Fagundes[7] destaca: “É tal a complexidade das atividades administrativas do Estado, que o controle do seu exercício se apresenta como um dos maiores desafios jurídicos e políticos, tanto na sua estruturação quanto na sua execução. Embora as leis busquem delimitar com precisão os limites de atuação das autoridades administrativas, é inevitável que se lhes atribua um campo de ação livre, indispensável ao pleno exercício da função confiada.” Isso justifica a necessidade de discricionariedade, ainda que limitada e justificada, para a tomada de decisões que melhor atendam ao interesse público dentro de um cenário específico.

Por fim, destaca-se que “a possibilidade de indicação de servidores comissionados para a função de agente de contratação deve ser restrita aos comissionados que são estranhos aos quadros da Administração Pública, não se aplicando aos servidores efetivos que exercem cargos comissionados,” conforme aponta Oliveira[8].

Compreendidos todos os conceitos que envolvem os agentes públicos responsáveis pela execução da Lei nº 14.133/2021, passamos agora à apresentação da decisão do Acórdão nº 2528/24 propriamente dito.

4. A Decisão do TCE/PR

No Acórdão nº 2528/24, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná reafirmou que a função de agente de contratação deve, em regra, ser exercida por servidores efetivos. No entanto, o Tribunal também admitiu, em caráter excepcional, a possibilidade de que servidores comissionados desempenhem essa função, desde que a Administração justifique adequadamente a ausência de servidores efetivos qualificados e que a designação tenha caráter temporário.

Esse entendimento foi expresso no voto do Relator, Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares, que foi acompanhado por unanimidade pelos demais conselheiros do Pleno:

“1) Em regra, a função de agente de contratação não poderá ser ocupada por servidor de provimento de cargo em comissão, pois, por expressa previsão legal (artigo 8º da Lei nº 14.133/21), deve ser exercida por ocupantes de cargo efetivo ou empregados públicos; 

2) Excepcionalmente, é possível admitir o exercício de tal função por ocupante de cargo comissionado, quando não houver servidores efetivos disponíveis para a função, desde que apresentadas as devidas justificativas e de maneira temporária, conforme previsto no Acórdão nº 3561/23 – Tribunal Pleno – TCE/PR.”[9]

A decisão do TCE/PR baseou-se em precedentes, principalmente no Acórdão nº 3561/23, que já havia consolidado o entendimento de que, em caráter excepcional e temporário, servidores comissionados podem atuar como agentes de contratação, desde que atendam aos requisitos legais e que a designação seja justificada.

No Acórdão nº 3561/23[10], o Conselheiro José Durval Mattos do Amaral, acompanhado por unanimidade pelos demais conselheiros do Pleno, proferiu o seguinte voto:

“(i) As funções atribuídas aos agentes públicos pela Lei nº 14.133/21 poderão ser exercidas por servidores comissionados? A Nova Lei de Licitações estabelece, como regra, que os agentes públicos designados para o desempenho das funções essenciais devem ser, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos. Caso o município não consiga atender a essa exigência, de forma justificada e fundamentada, poderá designar temporariamente servidores comissionados qualificados para a função. O mesmo entendimento aplica-se ao art. 8º, em relação aos agentes de contratação, à comissão de contratação e aos pregoeiros integrantes do órgão de contratação.”

“(ii) Em tais casos, os servidores comissionados poderão receber gratificação mediante lei autorizativa? Não, não é possível acumular a remuneração de cargo comissionado com gratificação por função de confiança ou outras gratificações instituídas em razão de condições excepcionais de serviço, conforme entendimento já consolidado por esta Corte no Prejulgado nº 25.”

6. Conclusão

A Nova Lei de Licitações estabelece como princípio a preferência pela designação de servidores efetivos para exercer funções essenciais no processo de contratação, sendo essa uma exigência mandatória para a figura do agente de contratação. Todavia, o Tribunal de Contas do Paraná reconheceu que, em situações excepcionais, é possível designar servidores comissionados – isto é, aqueles que não pertencem ao quadro permanente da administração –, desde que a designação seja temporária e devidamente justificada. Essa flexibilização visa assegurar a continuidade dos processos licitatórios, sem comprometer os princípios de legalidade e eficiência administrativa.

Bibliografia:

Filho, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 35 ed. Atlas, São Paulo. 2021.

Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. Malheiros, São Paulo. 2008.

Fagundes, Miguel Seabra. Ob. Cit., p. 126, nota 16. O Controle dos atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7 ed. Forense, Rio de Janeiro. 2005.

Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Agentes de Contratação Na Nova Lei de Licitações. Disponível em: https://zenite.blog.br/agentes-de-contratacao-na-nova-lei-de-licitacoes/. Acesso em Set 24.

Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão nº 3561/23, Relator: Conselheiro José Durval Mattos do Amaral, Pleno, julgamento em 09/11/23. Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/acordao-2528-2024-do-tribunal-pleno/356504/area/10. Acesso em Set 24.

Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão nº 3561/23, Relator: Conselheiro José Durval Mattos do Amaral, Pleno, julgamento em 09/11/23. Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/acordao-3561-2023-do-tribunal-pleno/351786/area/10. Acesso em Set 24.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em Set 24.


[1] Art. 6º, LX – agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm  . Acesso em Set 24.

[2] Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm . Acesso em Set 24.

[3] Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos: I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm  . Acesso em Set 24.

[4] Art. 7º, II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm  . Acesso em Set 24.

[5] Filho, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 35 ed. Atlas, São Paulo. 2021, p. 19.

[6] Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. Malheiros, São Paulo. 2008. p. 956.

[7] Fagundes, Miguel Seabra. Ob. Cit., p. 126, nota 16. O Controle dos atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7 ed. Forense, Rio de Janeiro. 2005.

[8] Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Agentes de Contratação Na Nova Lei de Licitações. Disponível em: https://zenite.blog.br/agentes-de-contratacao-na-nova-lei-de-licitacoes/. Acesso em Set 24.

[9]Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão nº 3561/23, Relator: Conselheiro José Durval Mattos do Amaral, Pleno, julgamento em 09/11/23. Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/acordao-2528-2024-do-tribunal-pleno/356504/area/10. Acesso em Set 24.

[10] Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Acórdão nº 3561/23, Relator: Conselheiro José Durval Mattos do Amaral, Pleno, julgamento em 09/11/23. Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/conteudo/acordao-3561-2023-do-tribunal-pleno/351786/area/10. Acesso em Set 24.

Roberta Luanda Ambrósio

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