O art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, citado a título de parâmetro diante da omissão que se identifica nos Regulamentos das Entidades[1], estatui que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”.
O dispositivo legal em apreço tem por finalidade propiciar o prévio controle de legalidadedos atos a serem praticados pela Entidade no curso dos processos de contratação pública, possibilitando, inclusive, o saneamento de eventuais irregularidades porventura existentes.
Em face disso, é que se justifica a existência de um órgão técnico, devidamente aparelhado e integrado por pessoas qualificadas, para proceder ao exame de compatibilidade da gestão administrativa com o sistema jurídico. Esse órgão é a assessoria jurídica, que, dependendo da organização administrativa, pode receber outros nomes, tais como: procuradoria ou consultoria.
Conforme pontua Marçal Justen Filho, “a manifestação da assessoria jurídica envolve um controle jurídico da validade dos atos jurídicos já praticados e daqueles previstos para o futuro.”[2] (grifou-se)
Como regra geral, entende-se que todo ato ou procedimento a ser submetido à autoridade superior deve ser previamente analisado pela assessoria jurídica, a fim de que esta se manifeste, mediante a emissão de parecer, acerca de sua legalidade.
Nesse ponto, é preciso destacar que a finalidade da assessoria jurídica é instrumentalizar as decisões da autoridade superior, prestando-lhe o suporte jurídico necessário para que estas (decisões) sejam tomadas dentro da estrita legalidade. Ou seja, deve-se dar ao administrador público, muitas vezes leigo em questões jurídicas, o embasamento legal para tomar as suas decisões acertadamente.
Verifica-se, destarte, que tem a assessoria jurídica a importante função de verificar os aspectos legais dos atos postos sob sua apreciação de modo a evitar a descoberta tardia de vícios ou nulidades constantes no processo que podem gerar prejuízos ao interesse público e questionamentos por parte dos órgãos de controle.
Marçal Justen Filho destaca:
“A fiscalização pela assessoria jurídica não se configura como uma solenidade bastante em si. Não se trata de um ato administrativo destinado a satisfazer, diretamente e por si só, as necessidades administrativas. O parecer jurídico é um ato de controle da legalidade e conveniência da atividade administrativa licitatória e contratual. (…).
Em primeiro lugar, trata-se de impedir que uma atuação defeituosa seja consumada. O assessor jurídico tem o dever de identificar os defeitos de legalidade, avaliar o cumprimento das exigências formais (…). Desse modo, o parecer confirmará a presença dos requisitos de validade ou identificará a sua ausência, permitindo que a autoridade competente adote a decisão mais conforme com a ordem jurídica.
Por outro lado, a necessidade de manifestação da assessoria jurídica desincentivará a prática de atos irregulares, precipitados, não satisfatórios. (…).”[3] (grifou-se)
E no que se refere às minutas de editais de licitação, o parágrafo único, do art. 38 da Lei 8.666/93, já citado, é taxativo quando impõe que tais documentos devem passar pelo crivo da assessoria jurídica, que além de analisá-los deve também aprová-los, ressaltando, então, que a atividade desenvolvida por esse setor técnico especializado não se restringe a mera revisão de atos.
Caso a assessoria jurídica identifique eventual falha no edital, deve devolver o processo ao setor que o elaborou, para saneamento da falha, consoante jurisprudência do TCU:
“3. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica, em razão do disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993. Caso o órgão jurídico restitua o processo com exame preliminar, faz-se necessário o seu retorno, após o saneamento das pendências apontadas, para emissão de parecer jurídico conclusivo. (…) Acórdão 521/2013-Plenário, TC 009.570/2012-8, relator Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, 13.3.2013.[4](grifo nosso)
Infere-se, do julgado acima colacionado, que após apontar falhas no edital, a assessoria jurídica deve encaminhar o processo ao setor responsável pelo saneamento, impondo-se nova análise do jurídico após a correção das cláusulas, para parecer final. Mas é importante lembrar que a função do órgão jurídico é alertar o ordenador de despesa acerca de eventuais vícios e/ou divergências sobre as cláusulas inseridas nesse documento, porém, o assessor não tem poder decisório, cabendo à autoridade superior (definida em normativo interno da Entidade) decidir se acata ou não a orientação do jurídico.
Dessa feita, como a decisão se acata ou não a orientação do jurídico é da autoridade competente, é possível que esta decida pela continuidade do processo, mesmo com as ressalvas do jurídico, situação que exige justificativa expressa no processo[5]. Mais uma vez colaciona-se decisão do TCU sobre o tema:
4. A falta de implementação do encaminhamento apontado no parecer jurídico de que tratam o inciso VI e o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 demanda a explicitação, por escrito, dos motivos que embasam a solução adotada e sujeita o gestor às consequências de tal ato, caso se confirmem as irregularidades apontadas pelo órgão jurídico. (…) Acórdão 521/2013-Plenário, TC 009.570/2012-8, relator Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, 13.3.2013”.[6] (grifo nosso)
Por fim, cumpre frisar que o fato de o assessor jurídico não ter poder decisório não afasta a sua responsabilidade por eventuais falhas no edital, caso fique comprovado que não agiu com a diligência necessária, ou seja, que deixou de alertar a autoridade competente sobre os riscos inerentes à contratação, como se verifica do julgado a seguir:
2. O parecerista jurídico pode ser responsabilizado solidariamente com o gestor quando, por dolo, culpa ou erro grosseiro, induz o administrador público à prática de ato grave irregular ou ilegal. (…) Acórdão 362/2018 Plenário, Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Augusto Nardes.