TUMULTO NA SESSÃO DO PREGÃO. O QUE O PREGOEIRO PODE/DEVE FAZER?

Diferentemente do que ocorre nas demais modalidades de licitação, a fase externa do pregão não é conduzida por um órgão colegiado, mas sim por uma autoridade singular – o pregoeiro.

E no desempenho desse mister, o pregoeiro é auxiliado por sua equipe de apoio, a qual, como seu próprio nome sugere, possui apenas a competência de prestar assistência ao pregoeiro na condução dos trabalhos, sem, no entanto, proferir qualquer ato decisório, de atribuição exclusiva daquele (pregoeiro).[1]

Nos termos da Lei 10.520/2002, que instituiu, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o pregão como modalidade de licitação para a aquisição de bens e serviços comuns, o pregoeiro deve ser designado pela autoridade competente, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, e sua atribuição “inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor” (art. 3º, IV).

No campo infralegal, o Decreto 3.555/2000, que trata do pregão presencial, e o Decreto 5.450/2005, que dispõe sobre o pregão eletrônico, elencam as atividades de responsabilidade do pregoeiro da seguinte maneira, respectivamente:

“Art. 9º As atribuições do pregoeiro incluem:
I – o credenciamento dos interessados;
II – o recebimento dos envelopes das propostas de preços e da documentação de habilitação;
III – a abertura dos envelopes das propostas de preços, o seu exame e a classificação dos proponentes;
IV – a condução dos procedimentos relativos aos lances e à escolha da proposta ou do lance de menor preço;
V – a adjudicação da proposta de menor preço;
VI – a elaboração de ata;
VII – a condução dos trabalhos da equipe de apoio;
VIII – o recebimento, o exame e a decisão sobre recursos; e
IX – o encaminhamento do processo devidamente instruído, após a adjudicação, à autoridade superior, visando a homologação e a contratação.”

“Art. 11. Caberá ao pregoeiro, em especial:
I – coordenar o processo licitatório;
II – receber, examinar e decidir as impugnações e consultas ao edital, apoiado pelo setor responsável pela sua elaboração;
III – conduzir a sessão pública na internet;
IV – verificar a conformidade da proposta com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório;
V – dirigir a etapa de lances;
VI – verificar e julgar as condições de habilitação;
VII – receber, examinar e decidir os recursos, encaminhando à autoridade competente quando mantiver sua decisão;
VIII – indicar o vencedor do certame;
IX – adjudicar o objeto, quando não houver recurso;
X – conduzir os trabalhos da equipe de apoio; e
XI – encaminhar o processo devidamente instruído à autoridade superior e propor a homologação.”

Como se observa, diversas são as atribuições do pregoeiro na condução da fase externa da licitação, as quais devem ser corretamente desempenhadas de modo que o processo se desenrole de maneira regular e eficaz, para atingir sua principal finalidade, qual seja a de selecionar a proposta mais vantajosa à Administração.

Por essa razão, inclusive, é que devem ser nomeadas para o desempenho dessa importante função pessoas capacitadas e que possuam certas qualidades, como bem expõe Marçal Justen Filho:

“Lembre-se que a atividade de pregoeiro exige algumas habilidades próprias e específicas. A condução do certame, especialmente na fase de lances, demanda personalidade extrovertida, conhecimento jurídico e técnico razoáveis, raciocínio ágil e espírito esclarecido. O pregoeiro não desempenha mera função passiva (de abertura de propostas, exame de documentos etc.), mas lhe cabe inclusive fomentar a competição – o que significa desenvoltura e ausência de timidez. Nem todas as pessoas físicas dispõem de tais características, que se configuram como uma questão de personalidade muito mais do que de treinamento. Constituir-se-á, então, dever da autoridade superior de verificar se o agente preenche esses requisitos para promover sua indicação como pregoeiro.”[2]

A postura do pregoeiro associada a estas características pessoais é essencial para assegurar o bom andamento dos trabalhos, especialmente no caso de pregão presencial, no qual a competição instalada na fase de lances, com a presença física dos licitantes, pode acirrar os ânimos e gerar situações imprevisíveis.

E aí vem a pergunta: havendo, por exemplo, tumulto durante a sessão, o que pode ou deve fazer o pregoeiro?

Enquanto autoridade competente para a condução da fase externa do pregão e das suas sessões públicas de julgamento o pregoeiro possui poder de polícia para manter e garantir a ordem durante o processamento da licitação.

A respeito, destaca-se a lição de Marçal Justen Filho:

“A dinamicidade do pregão comum pode dar oportunidade a eventos imprevisíveis – diferentemente do que se passa no pregão eletrônico (em que somente podem ocorrer os eventos permitidos pela programação). Todos eles deverão ser solucionados de imediato. O ato convocatório deverá disciplinar os problemas previsíveis. No entanto, sempre podem surgir ocorrências não previstas. Tais situações deverão ser enfrentadas e solucionadas pelo pregoeiro. Está ele investido de poder de polícia para condução dos trabalhos, o que significa dispor de competência para regular a conduta dos sujeitos presentes na evolução dos eventos. O exercício desse poder de polícia não envolve peculiaridades distintas daquelas que se verificam usualmente, no curso da licitação.
Por isso. o pregoeiro dispõe de poderes para impor silêncio, determinar que os participantes cessem práticas aptas a impedir o bom andamento dos trabalhos e assim por diante. É titular da competência para advertir os presentes, inclusive para alertá-los acerca do risco de sanções mais severas. Pode impor, inclusive a retirada compulsória de sujeitos que perturbem o certame. Seria possível desclassificar um licitante em virtude de conduta inadequada? A resposta é positiva, mas a competência é norteada pelo princípio da proporcionalidade. Não se admite que uma questão irrelevante ou de pequena monta acarrete sanção de gravidade desproporcional. A desclassificação do licitante poderá ocorrer quando ele praticar um ato de grande gravidade. É o caso, por exemplo, da prática de conduta tipificada como crime. Suponha-se que o licitante promova agressão física contra outrem, no recinto em que se promove o certame. O crime consumado ou tentado deve acarretar não apenas a imediata prisão do sujeito, mas também sua desclassificação do certame. No mínimo, poderá determinar-se a retirada compulsória do sujeito. Suponha-se que o indivíduo produza algazarra, impeça o livre exercício das competências alheias e assim por diante. Num primeiro momento, a solução pode ser a mera advertência. Mantida ou renovada a conduta inadequada, cabe desclassificar o licitante. Ademais disso, deverá oficiar-se à autoridade competente para instauração de inquérito policial destinado a apurar a ocorrência de crime. Lembre-se que a conduta de perturbar o certame licitatório é tipificada como crime no art. 93 da Lei n° 8.666. Poderá haver, inclusive, a prisão em flagrante.
Daí não se segue a ausência de limites ao poder de polícia do pregoeiro. É evidente que, tal como se passa com toda a autoridade estatal, o pregoeiro está subordinado a limites fornecidos basicamente pelo princípio da proporcionalidade. Aplicam-se, nesse ponto, os princípios e regras que disciplinam o poder de polícia da autoridade administrativa. Ou seja, o poder de polícia em que se encontra investido o pregoeiro não apresenta natureza jurídica autônoma e diferenciada.”[3] (grifou-se)

Por sua vez, Ivan Barbosa Rigolin expõe:

“II – O poder de policiar o desenvolvimento do pregão é indissociavelmente imanente a todas as funções do pregoeiro, na medida em cada uma de suas atribuições implica a responsabilidade de atingir o resultado jurídico e operacional pretendido na lei, ou que dele se espera na forma da lei. Se assim é, toda eventual turbação das atividades do pregoeiro exige que ele intervenha policialescamente de modo a fazer retornar o trabalho à plena regularidade institucional.
(…)
VI – Vistas sumariamente, e por intuição derivada da prática, as atribuições do pregoeiro – e não é possível estender muito o tema, porque como se viu nada consta muito precisamente na lei nem em regulamentos -, sempre é conveniente reiterar que cada atribuição implica a responsabilidade pelo seu correto exercício, a qual poderá ser cobrada ou exigida, seja administrativamente, seja e judicialmente, em ações civis ou ocasionalmente mesmo criminais, em caso de cometimento de crime contra a Administração, conforme prevê o Código Penal, arts. 312 a 361, nos quais se incluem os crimes de responsabilidade fiscal.
E não pesa lembrar além disso que cada atribuição implica o poder de polícia do pregoeiro sobre o comportamento dos licitantes, consistente em lhes exigir conduta conforme as regras legais e administrativas, ao lado das de urbanidade e respeito– e vai aí grande margem de subjetividade e de arbítrio, que não significa arbitrariedade.
Em suma e para todo efeito o poder de polícia confere ao pregoeiro a capacidade de manter ou de recolocar o procedimento em termos regulares, seja em natural andamento, seja em caso de qualquer turbação, valendo-se para isso da equipe de apoio e mesmo, se preciso como não tem sido comum, de força policial.
O poder de polícia implica o dever do pregoeiro de relatar em ata qualquer ocorrência excepcional ou inusitada ocorrida no pregão, comunicando-a em ata às autoridades superiores para que tomem as providências que entendam devidas, até mesmo judiciais se necessário, sob pena de se ver caracterizada a omissão do pregoeiro na comunicação de irregularidade contra a Administração, com risco de se caracterizar acumpliciamento ou condescendência.
É natural que ao pregoeiro caiba requisitar força policial em qualquer tentativa ou ameaça de perturbação à ordem na sessão pública, assim como se ameaçada a sua segurança pessoal, no mesmo senso em que lhe é lícito recusar prosseguir o certame sem essa providência, de tudo se lavrando ata. Cumpre-lhe sempre colaborar com a polícia judiciária no esclarecimento de ocorrências criminais que tenha presenciado no pregão, uma vez que, sendo servidor, estatutário ou celetista, está sujeito a todo tempo ao regime disciplinar do respectivo estatuto de servidores ou ao, mais genérico e disperso, da CLT. Sua conduta como pregoeiro pode eventualmente constituir ou configurar falta funcional, apta a ensejar processo administrativo disciplinar punível até mesmo com demissão, sem prejuízo de eventuais ações criminais ou civis de caráter indenizatório.
Vire essa boca para lá!, alguém de pronto haverá de objetar, porém algum outro, acaso com maior dose de razão, recordará que os amigos verdadeiros são os que previnem as lágrimas, não os que as enxugam após a tragédia se consumar”.[4] (grifou-se)

Das lições doutrinárias acima destacadas, conclui-se que o pregoeiro, no exercício de suas funções, tem o poder-dever de determinar as providências cabíveis (até mesmo requisitar força policial, se necessário) para garantir que o certame prossiga sem percalços. Assim, em casos de tumulto, pode-deve o pregoeiro suspender a sessão, para que os ânimos de acalmem, advertindo quem estiver perturbando a sessão para que cesse o comportamento inadequado, sob pena de ser retirado do recinto, ser desclassificado do certame ou, ainda, ser denunciado pela prática (ou tentativa) do crime previsto no art. 93 da Lei 8.666[5].

Logo, em casos de tumulto ou qualquer outra situação que impeça o normal andamento do processo, cabe ao pregoeiro, no exercício do seu poder de polícia, tomar as providências necessárias para regularizar a situação durante o curso da própria sessão, a fim de evitar a ocorrência de danos ou prejuízos à Administração.

A omissão do pregoeiro nesse aspecto pode configurar atuação irregular e falta funcional, o que enseja a instauração de processo administrativo específico para apuração de sua conduta e aplicação de sanções disciplinares, conforme o caso.

Por essa razão, senhores pregoeiros, muita calma, atenção e presença de espírito nesse hora! Vocês são as autoridades competentes durante a condução das sessões públicas de julgamento dos pregões. Podem e devem tomar as medidas cabíveis para garantir a ordem e o bom andamento dos trabalhos, tudo, é claro, com razoabilidade, proporcionalidade e pautados nos procedimentos legais admitidos.


[1]“[VOTO] 25.Em função da gravidade das irregularidades constatadas, que geraram prejuízo à Infraero, considero, também, deva ser aplicada multa aos responsáveis por tais irregularidades. (…) Apesar de ter sido feita audiência dos membros da equipe de apoio da pregoeira, entendo não ser o caso de apená-los, uma vez que eles não têm funções de natureza decisória.” TCU. Acórdão 64/2004. Segunda Câmara.
[2]JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão. Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Dialética, 2013, p. 97.
[3]JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão. Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Dialética, 2013, p. 102-103.
[4]RIGOLIN, Ivan Barbosa. Responsabilidade do pregoeiro. Disponível em <http://www.acopesp.org.br/artigos/Dr.%20Ivan%20Barbosa%20Rigolin/artigo%20165.pdf>. Acesso em 11.08.2017.
[5]“Art. 93.  Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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