Por Danielle Regina Wobeto de Araujo[1]
Acórdão 4370/2023 – 1ª Câmara – Min. Rel. Jhonatan de Jesus. 06.06.2023.
O Acórdão do TCU que exploraremos neste texto decorre de uma Representação feita por uma das licitantes que se sentiu prejudicada em virtude da irregular atuação do agente responsável por conduzir um pregão eletrônico, cuja finalidade era a contratação de serviço continuado de vigilância patrimonial. Segundo a empresa, o pregoeiro desclassificou algumas licitantes sob fundamento de que haveria inconsistências em suas planilhas de custos, sem, contudo, identificá-las, dificultando, dessa maneira, a correção e o aproveitamento das propostas. Em suma, as alegações contidas na Representação são as indicadas abaixo:
“a) há suspeitas de fraude no certame em questão, consistindo no possível direcionamento do resultado e superfaturamento, com lesão potencial da ordem de R$ (…) para o total dos 60 meses da contratação;
b) o pregoeiro do certame, Sr. (..), já foi multado pelo TCU em R$ (…) no âmbito do TC Processo 028.842/2017-0, por práticas similares às aqui identificadas;
c) a empresa vencedora do certame já foi beneficiária de outras conduções da mesma equipe/pregoeiro, onde o processo foi conduzido da mesma forma, com as mesmas ilegalidades;
d) a empresa Ikaros Serviços de Segurança Ltda participou do processo licitatório e tentou de todas as formas se manifestar durante a sessão, o que não foi permitido pelo pregoeiro, que fechava o chat do Comprasnet e não deixava a empresa fazer questionamentos;
e) a empresa vencedora não teve a coragem de tocar nos itens do recurso que demonstravam a possível existência de fraude e o pregoeiro, demonstrando absurda coragem ou certeza de impunidade, negou a intenção de recurso sem a devida motivação e manteve a decisão;”. (destacamos)[2]
A Unidade Técnica deu procedência parcial à Representação e propôs que ao pregoeiro seja aplicada multa e declarada a sua inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, pois sua conduta dificultou a retificação das propostas e resultou na desclassificação de seis licitantes, transgredido, desse modo, a jurisprudência do TCU.
A partir da documentação dos autos e da proposta encaminha pelo setor técnico, cujo teor destacou que a atual irregularidade se mostra bastante similar com outra já investigada pelo TCU (PE 1/2017), resolveu o Ministro Relator fazer um resgate do histórico funcional do pregoeiro. Verificou, então, que tal pesquisa já tinha sido desenvolvida e relatada no Acordão 1412/21, da qual se apropriou e a empregou para fins de comparação da condução dos pregões eletrônicos e embasamento do seu voto.
Efetivamente, o pregoeiro foi apenado com multa em 2017, pois solicitou aos licitantes, em prazo exíguo e de forma extremamente genérica, as correções necessárias em planilhas de formação de preços dada as inconsistências identificadas. Por conta dessa equivocada condução do certame, e por não prestar esclarecimentos solicitados por uma das licitantes, segundo o TCU, “o poder público distanciou-se da postura colaborativa exigida pela boa-fé objetiva, violou os deveres de transparência e de publicidade, bem como desrespeitou os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa”.[3]
Também ficou comprovado que o edital estipulava o prazo de 60 minutos para que a licitante com menor proposta enviasse e adequasse sua planilha, se fosse o caso. No momento do certame, contudo, o pregoeiro, reduziu o prazo pela metade, concedendo apenas 30 minutos. Por conseguinte, mesmo que não tivesse ocorrido violação ao edital, pontuou o Ministro Relator, o tempo concedido se mostrou desproporcional, pois “(…) em face da indefinição das inconsistências, seria necessária a revisão minuciosa da planilha de formação de preços e inclusive dos cálculos”.[4]
Resumindo, o TCU decidiu que ao pregoeiro fosse aplicada a penalidade de multa, visto que a conduta no Pregão eletrônico (PE 01/2017) impediu “a busca da proposta mais vantajosa para a administração, não observ[ou] a necessária segregação de funções entre o pregoeiro e a autoridade revisora, viol[ou] os deveres de publicidade e de transparência e desrespeit{ou] o princípio da vinculação ao instrumento convocatório (que não exigia a categoria dos limpadores de vidros e que fixava prazo para correção diferente do que foi concedido) e da proporcionalidade”.[5]
No caso em apreço (PE 2/2022), contudo, o pregoeiro citou os princípios da isonomia, da igualdade e da impessoalidade e informou que na solicitação de correção seriam “indicados os itens, submódulos e/ou módulos da planilha onde os erros se encontram, sem informar o que está errado, cabendo somente ao licitante envolvido revisá-los com base no edital e seus anexos e na legislação pertinente”.[6] Observamos, então, que o pregoeiro atuou na fase do julgamento da proposta nos termos da lei, em que pese bastante genérica sua orientação e com potencial restritivo para a competição, consoante se infere do voto:
(…), nessa etapa da licitação, em que o resultado provisório já é de domínio público, os princípios invocados pelo pregoeiro não obstam a precisa divulgação das falhas observadas pelo órgão nas planilhas de formação de custos. A indicação clara e objetiva das inconsistências, desde que realizada de forma indistinta em relação a todos os licitantes, além de não caracterizar violação aos referidos princípios, favorece a transparência e, ao explicitar os motivos que levaram às desclassificações, viabiliza o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa. Acrescento que a postura colaborativa do órgão nessa fase do certame facilitaria a correção de erros sanáveis e abriria a possibilidade de aproveitamento de propostas pela Administração, conferindo efetividade aos princípios da economicidade e da seleção da proposta mais vantajosa.
Ainda, comparando a condução do pregão eletrônico de 2017 (PE 01/2017) com o em exame (PE 2/2022), o Ministro Relator constatou que o pregoeiro indicou os códigos dos módulos/submódulos inconsistentes, cujas descrições podem ser identificadas nas próprias planilhas dos licitantes e que se encontram disponíveis no Portal de Compras (Comprasnet). Logo, mais um a vez a condução do pregão atual se diferencia do anterior, pois neste as mensagens não traziam informações mínimas sobre as incorreções identificadas pelo órgão. Já quanto à fixação do prazo para os licitantes realizarem a correção das planilhas, no pregão em análise foi respeitado o tempo de 1 hora previsto para a correção da planilha de custo. Na prática, segundo o Ministro Relator, foram concedidos prazos que variaram entre 1h31min e 2h59min, logo o prazo foi superior aos exíguos 30 minutos concedidos no PE 1/2017.
Enfim, cotejando as condutas do pregoeiro em pregões eletrônicos ocorridos em momento diferentes entendeu o TCU que houve, em verdade, uma evolução na sua postura no que se refere à indicação das impropriedades das planilhas como também no que se relaciona com a fixação de prazo para correção: “Nesse contexto, observo que, logo no início da etapa de julgamento, preocupou-se em expor aos licitantes os procedimentos que adotaria na avaliação das propostas”[7]. Apesar de no Pregão ocorrido em 2017 a sanção ter sido motivada também por outras irregularidades cometidas na etapa de julgamento das propostas, não ocorreu no Pregão em exame “a) afronta ao princípio da segregação de funções; b) adoção de critério de eliminação não previsto no instrumento convocatório; e c) concessão de prazo para retificação de planilhas inferior ao previsto no edital.”[8]
Diante do exposto, concluiu o TCU que embora o “pregoeiro tenha falhado quanto à indicação clara e objetiva das inconsistências verificadas nas planilhas dos licitantes”, pois “sem a clara descrição das inconsistências identificadas na etapa de julgamento das propostas, por dificultar a retificação e o aproveitamento daquelas sanáveis, não se alinha aos princípios que regem as contratações públicas, notadamente os da transparência, da economicidade e da seleção da proposta mais vantajosa”, o pregão em apreço foi conduzido nos termos legais se comparado com o anterior. Por conta disso, entendeu o Ministro Relator ser desproporcional a sanção sugerida pela Unidade Técnica, dando, então, provimento parcial às razões de justificativa apresentadas pelo pregoeiro. [9]
Em síntese, no Acórdão em análise firmou o TCU o entendimento que:
(i) nada obsta que o pregoeiro na condução de pregões eletrônicos indique de modo claro e objetivo as inconsistências das propostas, desde que feita indistintamente em relação a todos os licitantes, pois assim se concretiza a transparência. Também não há obstáculo que impeça o pregoeiro de especificar os motivos que levaram às desclassificações, ao contrário, agindo, dessa maneira, confere-se efetividade ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
(ii) não deve o pregoeiro promover a simples indicação dos módulos/submódulos das planilhas de composição de custos, sem a clara descrição das inconsistências identificadas na etapa de julgamento das propostas, pois dificulta a retificação e o aproveitamento daquelas planilhas sanáveis. Se assim proceder estará o pregoeiro conduzindo o certame à margem dos princípios que regem as contratações públicas, particularmente, os princípios da transparência, da economicidade e da seleção da proposta mais vantajosa.
[1] Doutora, com período de sanduíche na Scuola Normale Superiore di Pisa (SNS), e mestre pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Possui estágio pós-doutoral em Direito na UFPR. Possui pós-graduação em Direitos Fundamentais pela Universidade de Burgos da Espanha e em Teoria do Direito e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Professora e pesquisadora em História do Direito e Direito Público. Consultora jurídica com mais de 10 anos de experiência e atuação na área de licitações e contratos administrativos. Colaboradora da Revista RJML de Licitações e Contratos e da Consultoria Jurídica da JML.
[2] Ac. 4370/2023. 1ª Câmara.
[3] Acordão 1412/21.
[4] Acordão 1412/21.
[5] Acordão 1412/21.
[6] Ac. 4370/2023. 1ª Câmara.
[7] Ac. 4370/2023. 1ª Câmara.
[8] Ac. 4370/2023. 1ª Câmara.
[9] Ac. 4370/2023. 1ª Câmara.