A Formalização dos Contratos Administrativos sob a Ótica da Lei 14.133/2021

Este artigo examina a evolução da formalização dos contratos administrativos no Brasil, com ênfase nas inovações introduzidas pela Lei nº 14.133/2021. A análise evidencia os avanços relacionados à estruturação contratual, com destaque para os requisitos de identificação, transparência e mecanismos de gestão e compliance. A partir de um comparativo com legislações anteriores, como as Leis nº 8.666/93, nº 10.520/2002 e nº 12.462/2011, busca-se compreender como os novos dispositivos aprimoram a segurança jurídica e a eficiência na Administração Pública, ao mesmo tempo em que atendem às exigências de governança contemporânea. Ressalta-se, ainda, que muitos dos avanços consagrados na Lei nº 14.133/2021 encontram precedentes na Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), a qual desempenhou um papel relevante na modernização das contratações no Brasil.

1. Introdução

A formalização dos contratos administrativos é um elemento essencial para assegurar a legalidade, a eficiência e a clareza nos vínculos estabelecidos entre a Administração Pública e os contratados. Essa etapa do processo contratual define os direitos e as obrigações das partes, além de estabelecer as condições para execução, fiscalização e eventual revisão dos contratos.

Historicamente, as legislações brasileiras que regulamentaram a contratação pública estabeleceram parâmetros básicos de formalização, com foco na segurança jurídica e no controle dos recursos públicos. No entanto, essas normas demonstraram limitações quanto ao detalhamento das cláusulas contratuais e à adoção de práticas modernas de governança. A Lei nº 14.133/2021, ao revogar as Leis nº 8.666/93 e nº 10.520/2002, trouxe mudanças significativas ao integrar novos requisitos de formalização que visam não apenas assegurar a legalidade, mas também promover transparência, eficiência e gestão de riscos.

Este artigo analisa os aspectos técnicos da formalização dos contratos administrativos, destacando os avanços trazidos pela Lei nº 14.133/2021 e sua relevância para a modernização das contratações públicas.

2. Formalização dos Contratos Administrativos: Parâmetros Iniciais

Nas legislações anteriores, os contratos administrativos eram regulamentados por dispositivos que, embora pioneiros para a época, apresentavam limitações quanto ao detalhamento de aspectos como compliance e gestão de riscos. Essas normas priorizavam a padronização e a garantia de segurança jurídica básica, mas não incorporavam mecanismos mais avançados capazes de atender às crescentes demandas por transparência, eficiência e controle que a Administração Pública contemporânea exige. Essa lacuna reforçava a necessidade de uma modernização, consolidada com a promulgação da Lei nº 14.133/2021, que trouxe diretrizes mais robustas e detalhadas para a formalização contratual.

Lei nº 8.666/93

A Lei nº 8.666/93, conhecida como a Lei de Licitações e Contratos, determinava que os contratos deviam ser formalizados por escrito e conter cláusulas mínimas, como definição do objeto, prazos, condições de pagamento, sanções e hipóteses de rescisão (Art. 55). Essa estrutura básica buscava padronizar os contratos e garantir segurança jurídica. Contudo, a ausência de mecanismos como matriz de riscos e a gestão contratual deixava lacunas na prevenção e mitigação de conflitos.

Lei nº 10.520/2002

A Lei do Pregão (nº 10.520/2002) introduziu maior agilidade ao processo licitatório para bens e serviços comuns, mas não alterou os parâmetros de formalização dos contratos. A formalização continuava a remeter aos dispositivos da Lei nº 8.666/93, mantendo o caráter geral e menos detalhado.

Lei nº 12.462/2011

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), instituído pela Lei nº 12.462/2011, trouxe flexibilidade para situações especiais, como grandes eventos e obras de infraestrutura. No entanto, mesmo com a simplificação dos procedimentos, a formalização contratual permaneceu limitada em termos de detalhamento e transparência, não exigindo instrumentos como matriz de riscos ou modelos de gestão.

Essas legislações, apesar de terem estabelecido as bases para a contratação pública no Brasil, evidenciavam a necessidade de modernização, especialmente diante das demandas crescentes por eficiência, controle e governança no setor público.

3. Avanços na Formalização dos Contratos com a Lei nº 14.133/2021

A Lei nº 14.133/2021 trouxe uma abordagem mais técnica e detalhada para a formalização dos contratos administrativos, introduzindo dispositivos que reforçam a clareza, a segurança jurídica e a eficiência na execução dos contratos.

3.1 Identificação e Clareza

O Art. 89 estabelece que todo contrato deve identificar claramente as partes, seus representantes legais, os atos autorizativos e o número do processo licitatório ou de contratação direta. Essa exigência evita ambiguidades e consolida um padrão técnico de formalização, garantindo que todas as informações necessárias sejam acessíveis.

3.2 Cláusulas Obrigatórias

A nova legislação ampliou significativamente o escopo das cláusulas obrigatórias (Art. 92). Entre as inovações, destacam-se:

– A inclusão de uma matriz de riscos, quando aplicável, para delimitar as responsabilidades das partes.

– A obrigatoriedade de cláusulas específicas sobre proteção ao trabalho, como a erradicação de práticas análogas à escravidão, conforme regulamentação posterior (Decreto nº 12.174/2024).

Essas cláusulas tornam os contratos mais claros e adaptáveis às realidades de cada objeto, promovendo maior segurança jurídica.

3.3 Modelos de Gestão e Compliance

A Lei nº 14.133/2021 eleva os padrões de gestão contratual ao exigir que os contratos administrativos incluam modelos de gestão e obrigações de compliance, conforme disposto no Art. 92, XVIII. Esses requisitos ampliam a responsabilidade das partes e introduzem práticas de governança que reforçam a transparência, a eficiência e a previsibilidade na execução dos contratos.

Gestão Contratual e Compliance

Os modelos de gestão estabelecidos pela Lei nº 14.133/2021 preservam, conforme já previsto nas legislações anteriores, a exigência de verificação contínua da regularidade fiscal e trabalhista dos contratados, assegurando a conformidade com as normas legais durante toda a execução do contrato. Além disso, a nova legislação reforça a obrigatoriedade do cumprimento de políticas de inclusão social, como a reserva de cargos para pessoas com deficiência, reabilitados da Previdência Social e aprendizes, promovendo maior equidade e responsabilidade social nas contratações públicas.

A implementação de sistemas de compliance, por sua vez, representa um avanço significativo na estruturação dos contratos. Esse mecanismo não apenas fiscaliza o cumprimento das normas contratuais, mas também promove a integridade no relacionamento entre contratante e contratado, mitigando riscos de inadimplência, irregularidades e desvios éticos.

A Matriz de Riscos como Ferramenta de Formalização

Uma das inovações mais relevantes da Lei nº 14.133/2021 é a introdução da matriz de alocação de riscos, regulamentada no Art. 103. Este instrumento atribui responsabilidades específicas para os riscos previstos ou presumíveis no contrato, delimitando de forma clara quais encargos cabem ao setor público, ao contratado ou serão compartilhados.

Critérios Técnicos de Alocação

A matriz de riscos baseia-se em critérios objetivos que consideram:

– A natureza do risco: Classificação detalhada dos riscos segundo suas características e impacto potencial na execução contratual.

– O beneficiário das prestações: Identificação do setor que se beneficia diretamente do objeto do contrato, determinando sua responsabilidade pela mitigação do risco.

– A capacidade de gerenciamento: Avaliação da aptidão técnica, operacional e financeira de cada parte para lidar com os riscos atribuídos.

Essa sistemática permite uma alocação racional e eficiente dos riscos, assegurando que cada parte seja responsabilizada de acordo com sua capacidade de gestão, prevenindo sobrecargas indevidas.

Previsibilidade e Planejamento Orçamentário

Outro ponto crucial da matriz é a obrigatoriedade de quantificar os riscos alocados para fins de projeção de custos (§ 3º). Essa medida garante que o impacto financeiro dos riscos seja antecipadamente considerado no valor estimado da contratação, prevenindo desequilíbrios econômicos e reforçando o planejamento financeiro da Administração.

A Matriz de Riscos e o Equilíbrio Econômico-Financeiro

A matriz de alocação de riscos é fundamental para manter o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato (§ 4º). Ela funciona como referência para a solução de pleitos relacionados a eventos supervenientes, garantindo previsibilidade e segurança às partes.

No entanto, o § 5º define limites claros para a reavaliação do equilíbrio econômico-financeiro. Apenas em casos excepcionais, como alterações unilaterais da Administração (Art. 124, inciso I) ou mudanças na carga tributária diretamente relacionadas ao contrato, é permitido o pleito de restabelecimento do equilíbrio. Essa delimitação evita disputas desnecessárias, ao mesmo tempo em que protege as partes contra eventos imprevisíveis.

Flexibilidade e Adaptação

A Lei permite que a matriz de riscos adote métodos amplamente utilizados no setor público e privado (§ 6º). Isso garante flexibilidade e possibilita a adoção de práticas customizadas para cada contrato, adaptando-se às especificidades de diferentes setores e objetos de contratação. Ministérios e secretarias podem ainda regulamentar procedimentos adicionais, criando parâmetros mais detalhados para a identificação e quantificação dos riscos.

A introdução dos modelos de gestão e da matriz de riscos pela Lei nº 14.133/2021 representa um marco na evolução da formalização dos contratos administrativos no Brasil. Ao exigir práticas de compliance e detalhar a alocação de riscos, a legislação fortalece a segurança jurídica, reduz a incerteza e promove uma gestão mais eficaz e ética dos recursos públicos.

4. Transparência e Publicidade

Um dos pilares da formalização na Lei nº 14.133/2021 é a obrigatoriedade de divulgar os contratos administrativos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), como condição indispensável para sua eficácia (Art. 94). Essa exigência amplia a acessibilidade às informações públicas e confere maior transparência ao processo contratual.

Os prazos para divulgação são:

– 20 dias úteis para contratos oriundos de licitação.

– 10 dias úteis para contratações diretas.

Para contratos de obras, é obrigatória a publicação de dados detalhados, como os quantitativos e preços unitários contratados, no prazo de 25 dias úteis após a assinatura, e os quantitativos executados e preços praticados, até 45 dias úteis após a conclusão.

5. Exceções na Formalização: Contratos Verbais

Embora a regra geral seja a formalização escrita, o §2º do Art. 95 permite exceções para pequenas compras e serviços de pronto pagamento, com valor máximo de R$ 11.981,20, atualizado pelo Decreto nº 11.871/2023. Essa medida simplifica operações de baixo impacto financeiro, mantendo a obrigatoriedade de formalização para contratos de maior complexidade.

6. Sigilo nos Contratos Administrativos

O Art. 91, §1º, permite a manutenção do sigilo em contratos administrativos e seus aditamentos em casos em que isso seja imprescindível para a segurança da sociedade ou do Estado. Essa previsão é excepcional e deve ser fundamentada, alinhando-se à Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Assim, o sigilo só pode ser aplicado quando a publicidade representar riscos concretos à segurança pública ou à estratégia governamental.

7. Conclusão

A Lei nº 14.133/2021 marca uma evolução significativa na formalização dos contratos administrativos, modernizando aspectos fundamentais para garantir eficiência, segurança jurídica e transparência nos processos de contratação pública. Ao longo deste artigo, foi possível identificar como os dispositivos da nova legislação ampliam as responsabilidades das partes contratantes, promovem a governança e adaptam as normas às demandas contemporâneas da Administração Pública.

Entre as inovações, destacam-se os requisitos de identificação clara e detalhada dos contratos, a ampliação das cláusulas obrigatórias, a introdução de modelos de gestão e compliance, e o estabelecimento da matriz de alocação de riscos. Esses avanços não apenas asseguram maior previsibilidade e eficiência, mas também mitigam potenciais conflitos, ao distribuir encargos com base em critérios técnicos e na capacidade de gestão de cada parte. A matriz de riscos, em particular, torna-se uma ferramenta estratégica ao quantificar reflexos financeiros e preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Adicionalmente, a obrigatoriedade de divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) consolida um novo patamar de transparência, tornando os contratos administrativos mais acessíveis e monitoráveis pela sociedade. Essa medida reforça a accountability e fortalece a confiança nos processos de contratação pública.

Por outro lado, a flexibilização para contratos verbais em situações de pronto pagamento e as disposições sobre sigilo em casos excepcionais oferecem à Administração Pública instrumentos adaptáveis a realidades específicas, sempre condicionados ao interesse público e à segurança da sociedade.

Portanto, a Lei nº 14.133/2021 não apenas refina as bases estabelecidas por legislações anteriores, como a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/2002, mas também inaugura um novo paradigma de formalização contratual. Ao integrar práticas modernas de governança, gestão de riscos e compliance, a legislação fortalece o papel da contratação pública como ferramenta estratégica para o desenvolvimento e a eficiência do setor público brasileiro. Assim, a formalização dos contratos administrativos transcende sua função jurídica, consolidando-se como um mecanismo essencial para a boa gestão dos recursos públicos e a prestação de serviços de qualidade à sociedade.

Bibliografia:

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BRASIL. Decreto nº 12.174, de 29 de março de 2024. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/d12174.htm

Acesso em 14 nov 24.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023.

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