Em 23 de setembro de 2020, o Decreto 10.024, que regulamenta o pregão eletrônico e o uso da dispensa eletrônica no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, completou um ano. A despeito de ter realizado alterações substanciais no processamento desta modalidade e, mesmo reconhecendo que as inovações em sua maioria foram benéficas, algumas inquietações ainda se apresentam no dia a dia dos pregoeiros e de todos que militam na área. Dentre elas, podemos citar a identificação do licitante antes da etapa de lances, por mero lapso da empresa no momento do cadastro da proposta. Tal situação teria o condão de ensejar a desclassificação da oferta?
O sigilo da proposta consta no art. 3º, § 3º, da Lei 8.666/93, aplicável subsidiariamente ao pregão por força do disposto no art. 9º, da Lei 10.520/02, e visa assegurar a concretização dos princípios da moralidade, competitividade, julgamento objeto e impessoalidade, minimizando os riscos de conluio e fraudes no certame.
Seguindo essa lógica é que o Decreto 10.024/19, em que pese exigir o cadastro prévio da proposta no sistema e o envio da documentação em anexo, com o intuito de assegurar o sigilo de informações que poderiam ter o condão de identificar a empresa antes da fase de lances, deixou claro no art. 26:
“Art. 26. Após a divulgação do edital no sítio eletrônico, os licitantes encaminharão, exclusivamente por meio do sistema, concomitantemente com os documentos de habilitação exigidos no edital, proposta com a descrição do objeto ofertado e o preço, até a data e o horário estabelecidos para abertura da sessão pública.
(…)
§ 3º. O envio da proposta, acompanhada dos documentos de habilitação exigidos no edital, nos termos do disposto no caput, ocorrerá por meio de chave de acesso e senha.
(…)
§ 8º. Os documentos que compõem a proposta e a habilitação do licitante melhor classificado somente serão disponibilizados para avaliação do pregoeiro e para acesso público após o encerramento do envio de lances”. (grifou-se)
Nesse sentido, a fim de evitar a identificação do licitante antes da fase de lances, já que o anonimato até o encerramento da etapa de disputa é da essência do pregão eletrônico, o próprio sistema do COMPRASNET foi adaptado para permitir ao licitante cadastrar informações como marca, fabricante, etc., em campos próprios que só ficarão disponíveis para visualização do pregoeiro após a fase de lances.
Ocorre que, por lapso ou mesmo desconhecimento por parte das empresas, tem sido recorrente o registro no sistema de informações que acabam identificando o licitante no momento da aceitabilidade das propostas, hipótese em que, em nosso sentir, deve acarretar a desclassificação do licitante.
Com efeito, sabe-se que a jurisprudência majoritária das Cortes de Contas tem reconhecido o princípio do formalismo moderado e, seria possível vislumbrar que a identificação do licitante antes da etapa de lances não teria o condão de ferir o anonimato porque na fase de disputa o pregoeiro não consegue interferir. Mas, é preciso ponderar que a identificação do licitante pode levar o pregoeiro, ao menos em tese, a flexibilizar eventuais exigências ao realizar a aceitabilidade do objeto, no intuito de classificar a proposta para a fase de lances, hipótese que afronta os princípios aplicáveis à licitação e pode levar ao favorecimento indevido.
Por tais razões, em nosso entender, a identificação da empresa antes da fase de lances deve acarretar sua desclassificação, impondo-se ao edital definir a questão, alertando os licitantes a respeito.
O princípio do formalismo moderado e a possibilidade de saneamento de falhas devem ser sopesados com os princípios aplicáveis à licitação, já que a linha entre regularização de falhas e favorecimento indevido é bastante tênue, sendo importante levar em conta que a licitação não é para amadores, razão pela qual o licitante deve ser diligente quanto ao cumprimento das exigências disciplinadas em edital.
E, você, o que pensa a respeito?