Foi aprovada no Senado Federal a redação final do Projeto de Lei nº 4253/2020, que trata do novo regime licitatório e contratual da Administração Pública. O projeto vai ser submetido para sanção do Presidente da República e publicação.
As entidades que integram o Sistema S estarão subordinadas à nova Lei?
A norma contida no art. 1º da nova Lei expressamente dispõe que “estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange: I – os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; II – os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública.
As entidades do Sistema S não integram a Administração Pública, direta ou indireta, e também não são entes controlados direta ou indiretamente pela Administração Pública.
A este propósito, confira-se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão proferido no RE 789.874:
Os serviços sociais autônomos integrantes do denominado Sistema “S”, vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados basicamente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a Administração Pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significado social. Tanto a Constituição Federal de 1988, como a correspondente legislação de regência (como a Lei 8.706/93, que criou o Serviço Social do Trabalho – SEST) asseguram autonomia administrativa a essas entidades, sujeitas, formalmente, apenas ao controle finalístico, pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos.
Como não integram a Administração Pública, não se submeterão às normas da Lei nova, como não se submetiam às normas da Lei nº 8666/93. Sobre o tema já se pronunciou o Tribunal de Contas da União:
É aplicável a declaração de inidoneidade (art. 46 da Lei 8.443/1992) na ocorrência de fraude em licitações promovidas por entidades do Sistema S, pois, embora não se submetam à Lei 8.666/1993, a obrigatoriedade de licitar dos serviços sociais autônomos decorre da necessidade de observância aos princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e da economicidade, entre outros, assegurando-se, por consequência, igualdade de condições a todos particulares interessados na contratação.
Acórdão 1280/2018-TCU-Plenário
Contudo, as entidades do Sistema S tem o dever jurídico de licitar. Este dever decorre de sua peculiar natureza jurídica, e do fato de administrarem “recursos públicos[1] de natureza tributária, advindos de contribuições parafiscais e destinadas ao atendimento de fins de interesse público”[2].
As licitações e contratações das entidades do Sistema S são regidas pelos seus regulamentos internos. Sabe-se que há interpretações no sentido de que a Lei nº 8666/93 – e, portanto, por analogia, a futura lei de licitações – tem aplicação subsidiária para o Sistema S. O Tribunal de Contas da União tem precedente neste sentido:
Não há restrição a que licitantes ofereçam representações ao TCU, com fundamento no art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993, em face de licitações conduzidas no âmbito do Sistema S. Apesar de as entidades integrantes do Sistema se submeterem apenas subsidiariamente aos ditames da Lei 10.520/2002, da Lei 8.666/1993 e demais legislação correlata, devem respeitar os princípios gerais que regem a contratação pública.
(Acórdão 1635/2018-TCU-Plenário)
Defender que a Lei nº 8666/03 – e por analogia, a futura lei de licitações – tem aplicação subsidiária para o Sistema S implica reconhecer que, no caso de lacuna ou omissão dos Regulamentos Internos a observância da Lei Geral de Licitações é compulsória.
Não parece a interpretação mais correta. Prefere-se aquela manifestada pelo Supremo Tribunal Federal antes referida, que aponta que a Lei nº 8666/93 não tem aplicação para o Sistema S.
Tal não significa, entretanto, que não possam se valer de normas contidas em leis destinadas à Administração Pública, no caso de omissão ou lacuna normativa do regulamento interno, como referência.
Com efeito, há técnicas jurídicas contidas em leis ou normas infralegais destinadas à Administração Pública que podem ser adotadas, independentemente de previsão expressa nos regulamentos internos.
O projeto de lei aprovado no Senado Federal, neste sentido, contempla inúmeros institutos jurídicos que podem ser aproveitados, como referência e incorporados à gestão administrativa ou inseridos como norma nos instrumentos convocatórios e nos instrumentos contratuais, ou, mediante edição de normas internas como portarias ou resoluções no âmbito de cada uma das entidades.
Por exemplo, é possível adotar, tendo como referência a nova lei, e como instrumento de gestão contratual, o denominado estudo técnico preliminar, que “é documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação” (art. 6º XX do Projeto de Lei).
O estudo técnico preliminar deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público; II – demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração; III – requisitos da contratação; IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala; V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar; VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação; VII – descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso; VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação; IX – demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis; X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual; XI – contratações correlatas e/ou interdependentes; XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável; XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.
O documento trata de análises e providências iniciais, que podem ser realizadas e adotadas pelas entidades do Sistema S, de modo a evitar erros e antecipar riscos que poderiam comprometer a integridade da licitação e do futuro contrato.
Para incorporar o estudo técnico preliminar na etapa preparatória das licitações a entidade não precisa de autorização legal, e pode utilizar as normas da nova lei de licitações como uma referência.
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