Nos dois trabalhos anteriores sobre o tema em apreço, vimos como deve se dar o tratamento dos dados coletados a partir da fonte resultado de outras licitações e também como deve ser realizada a pesquisa nos contratos de prestação de serviço com o uso de planilhas de composição de custo.
No primeiro, tivemos a oportunidade de observar que o fundamental é que os dados obtidos naquela fonte de consulta sejam alvo de análise crítica do agente responsávela, a fim de possibilitar a averiguação do resultado do certame, estabelecendo quais das propostas classificadas ao final possuem condições de aproveitamento. Recordamos que foi advertido, que casos haverá em que o próprio preço vencedor deverá ser descartado (nos casos de proposta inexequível).
No segundo, cuidamos de explicitar que a correta metodologia para apuração do valor de referência para balizar a contratação de serviços com base em planilha de composição de custo, seria a de evitar o encaminhamento das ditas planilhas em branco para serem preenchidas pelas empresas do ramo, visto que desse modo, a Administração não teria como verificar a adequabilidade das informações com o mercado; que a estimativa do preço médio referente aos itens que compõe os custos diretos (mão de obra e encargos, insumos, equipamentos, uniformes, EPIs, tributos incidentes sobre o serviço etc) deve ser feita diretamente pelo analista da Administração com base na investigação do mercado de acordo com cada ramo pertinente. E que, para esse desiderato, a comparação com as planilhas de custo adotadas em outros contratos em vigor do próprio órgão e de outros órgãos e entidades são extremamente úteis.
Nos contratos que utilizam mão de obra dedicada — os chamados contratos de terceirização — o principal componente de custo, tanto do ponto de vista financeiro, como sob o olhar gerencial, é o salário que deverá ser pago ao empregado. Isto porque, a um só tempo, tal componente corresponde (na esmagadora maioria dos contratos) ao principal elemento de custo, como também, pela sua enorme influência na seleção dos ocupantes dos postos de serviço de acordo com o perfil profissiográfico desejado, e, via de consequência, na qualidade final do serviço oferecido.
Considerando o especial relevo que esse item da planilha de custo apresenta, o presente trabalho tem a finalidade de melhor orientar os órgãos e entidades do Poder Público, quando do planejamento das contratações de serviços terceirizados, a fim de que possam adequar a sua necessidade com a realidade do mercado, buscando a eficácia da contratação. Senão vejamos.
Não é novidade o fato de que, a despeito da obediência ao dever geral de licitar e da busca pela proposta mais vantajosa para contrato de seu interesse, os órgãos e entidades do Poder Público não estão forçados a contratar aquilo que for o de menor custo. A vantagem da proposta está aliada, antes do custo final, à qualidade do produto que se pretende contratar. Esta é a essência do princípio da economicidade como orientador do instituto jurídico da licitação pública: o dever de o agente melhor aproveitar os recursos financeiros, promovendo contratações que aliem a qualidade necessária e custo adequado a fim de obter a melhor relação custo x benefício para a Administração.
O problema a ser aqui enfrentado, no campo da análise de mercado para balizamento econômico da contratação de serviços que empregam mão de obra em regime de dedicação exclusiva, está ligado à qualidade dos serviços que se pretende alcançar pelo tomador do serviço, in casu, a Administração Pública.
É que em tais contratos, a principal ferramenta utilizada é a própria mão de obra (quando não é a única). É a atuação dos empregados postos à disposição do tomador dos serviços que determinará o nível de qualidade e desempenho da sua execução. Por exemplo, em um contrato de telefonia ou de hepl desk, o elemento que define a qualidade da prestação do serviço é o atendimento ao usuário por parte do colaborador terceirizado. Será a sua cordialidade, empatia, paciência, dedicação em solucionar o problema ou fazer o correto encaminhamento mesmo diante de poucas informações, que determinará o nível qualitativo da execução. Tanto é assim, que nos ajustes que possuem cláusula de ANS — Acordos de Nível de Serviços — os indicadores de desempenho são baseados em índices de satisfação do usuário, nos quais, estes, responderão ao respectivo formulário a partir da sua particular percepção sobre o atendimento recebido considerando, ente outros, os atributos acima listados.
Bem, se é o atuar do empregado terceirizado o ponto central da medição da qualidade do serviço contratado, é o nível de entusiasmo, motivação e satisfação com o posto que ocupa que determinará sua maior ou menor dedicação e esforço no desenvolvimento de suas rotinas. Quanto mais se sentir satisfeito com o seu trabalho, maior será o comprometimento e dedicação com os quais irá atuar.
Vários fatores contribuem para que o indivíduo sinta satisfação com a empresa em que trabalha, como por exemplo, estar em um ambiente organizacional favorável, em que a equipe interage de forma colaborativa; um atrativo pacote de benefícios oferecidos, possibilidade de progressão na carreira; incentivo à capacitação e atualização constante. Mas, de todos os elementos retentores de talento, por óbvio que é o salário a ser pago a esse colaborador um dos principais elementos motivadores do indivíduo. Tal afirmação é feita à unanimidade por especialistas em Gestão de Pessoas e de Carreiras. Para Perossi[1], é mister “desenvolver, estruturar, implementar e manter uma política salarial que possa contribuir para a atração, a retenção e a motivação das pessoas é um grande desafio para os gestores de Recursos Humanos.”
Segundo Chiavenato,[2] atualmente no Brasil vem-se tornando fator indispensável para o sucesso das organizações, a forma como deve ser gerido, internamente, o capital humano, constatando em geral a necessidade de se estruturar um Plano de Cargos e Salários, que promovesse a igualdade interna, estimando-se salários adequados a cada cargo, de acordo com as funções e responsabilidades, assim como o desenvolvimento de uma política salarial mais justa.
Ora, se a qualidade do serviço terceirizado depende umbilicalmente da motivação do empregado terceirizado em executar suas funções e rotinas, e a motivação desse empregado está intimamente ligada ao padrão remuneratório que ele percebe, a conclusão lógica é que, o salário a ser pago ao empregado terceirizado é o principal condutor do nível de qualidade e desempenho dos serviços.
Claro está, o fato de que o profissional remunerado à míngua atua sem a necessária motivação, e, consequentemente, a organização que o emprega, tende a ver essa mão de obra migrar para outra que melhor lhe remunere. Nem se diga que pelo fato de o País estar atravessando por uma crise econômica com elevados índices de desemprego, não seria árdua a tarefa de preencher postos de trabalho, pois, mesmo que o posto de trabalho esteja preenchido, além da atuação desmotivada, o empregado estaria disposto a pular para outra vaga melhor remunerada tão logo surgisse uma oportunidade. Para dar apenas um exemplo, cito conversa que tive recentemente com uma gerente de uma grande empresa fluminense da área de terceirização, em que narra a enorme dificuldade de contratar técnicos de refrigeração nos meses mais quentes do ano, porquanto o rendimento que tais profissionais auferem nessa época com trabalhos autônomos (instalação e manutenção de aparelhos de ar condicionado) supera muito os valores pagos de acordo com os pisos salariais estabelecidos em pactos laborais.
Nos contratos de terceirização de serviços, em especial na Administração Pública, o efeito disso é catastrófico.
A uma, porque não se consegue obter uma execução com bom nível qualitativo. E não estamos falando em inexecução ou falha na execução, mas baixo nível de qualidade do serviço executado. No serviço terceirizado de condução de elevadores, o ascensorista desmotivado com seu posto de trabalho, apertará os botões do elevador e conduzirá a cabine para cima e para baixo, todavia, sem sorriso no rosto, sem simpatia, sem dar um “bom dia”. Não houve falha na execução; mas execução com baixo nível de qualidade.
A duas, porque o contrato, com essa característica, se encontraria em constante desmobilização e mobilização. O empregado inicia suas atividades laborais, e a primeira oportunidade, pede demissão (ou, pior, a provoca para receber a indenização) e vai para outra vaga. Significa que mal tomou conhecimento e se habituou com as suas tarefas, o que permite que as execute em tempo mais breve e com menor índice de falhas, a empresa prestadora do serviço tem de colocar outro em seu lugar, que levará o mesmo tempo para se habituar com as atividades e rotinas. Em um Seminário de Gestão de Contratos realizado em 2016 em Brasília, uma das participantes, Gestora de um Contrato de mensageria em uma Agência Reguladora revela que ao logo de quase 60 meses da duração do referido contrato, não conseguiu ficar com o mesmo mensageiro por mais de 6 meses.
A três, finalmente, porque na Administração Pública, os contratos encontram sérias limitações a alterações. Assim, verificado que os salários do profissionais não estão sendo suficientes para reter a mão de obra junto ao contrato, não seria possível modificá-los, exigindo a realização de uma nova licitação, com todos os percalços que já são bastantes conhecidos.
E o que temos visto é que na grande maioria dos contratos de serviços terceirizados, os editais se ocupam apenas e tão somente verificar se a empresa proponente respeitou o piso mínimo da categoria profissional, conforme estabelecido em pacto laboral ou por lei. Ora, se o contrato for calcado no piso mínimo, significa dizer que a remuneração, não raro, estará aquém do nível superior de desempenho e qualidade que deve ser buscado pelo Gestor Público no alcance da eficiência da atividade estatal.
É demasiadamente importante destacar que o piso mínimo é o valor abaixo do qual as empresas vinculadas ao respectivo pacto normativo de trabalho estarão impedidas de praticar. Não é o teto salarial. As empresas não estarão obstadas de pagar salários maiores do que aqueles estabelecidos, estando livres para praticarem as suas políticas salariais conforme sua conveniência. Significa dizer, ao mesmo tempo, que os órgãos público não estão, nem jamais estiveram, impedidos de pagar, nos contratos de terceirização, salários acima do piso mínimo da respectiva categoria profissional.
A essa altura, poder-se-ia contraditar o posicionamento ora adotado, considerando a vedação contida expressamente no art. 40, X, da Lei no. 8.666/1993:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(…)
X – o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)(Grifei)
De fato, o Tribunal de Contas da União, adotava a posição de que a fixação de valores mínimos para os salários dos trabalhadores utilizados na contratação de serviços terceirizados afrontaria a vedação normativa acima transcrita, isto é, que ao dispor sobre o valor mínimo a ser pago a título de salário, o edital estaria por estabelecer preço mínimo.
Tal noção foi revista por meio do Acórdão nº 256/2005 – Plenário, a cuja relatoria coube o Min. Marcos Vilaça, passando a admitir a possibilidade de assentamento no edital de piso salarial nos contratos de serviços terceirizados, sob o argumento de que tal exigência não afrontaria o caráter competitivo, na medida em que tal estipulação alcançaria indistintamente todos os interessados no certame. Também não violaria a vedação legal à fixação de preços mínimos, dado que o salário constitui apenas um único componente de custo (ainda que o principal), mas nem de longe significa a remuneração da empresa, que poderia disputar o torneio com base em propostas formulada a partir da melhor adequação de outros custos, inclusive o BDI (Bônus e Despesas Indiretas). Por fim, não haveria afronta ao princípio da seleção da proposta mais vantajosa, pois sua aferição deve ser realizada em conjunto com o princípio da indisponibilidade do interesse público, que só será refletido no menor preço pós a garantia de que todas as propostas atendem ao nível adequado de desempenho e qualidade. A partir daí, todas as decisões sobre o mesmo tema eram conduzidas na esteira do ali decidido, com especial destaque ao consignado no Acórdão 614/2008, Plenário:
“Diante desse contexto, sob a égide do § 3º do art. 44 da Lei de Licitações, considero não ser pertinente vedar, de forma generalizada, a fixação de pisos salariais em editais de licitação de execução indireta de serviços. Na contratação de mão-de-obra terceirizada pela Administração Pública, há que se considerar dois aspectos: a obrigatoriedade de adoção dos pisos salariais definidos em pactos laborais e a possibilidade de serem estipulados valores mínimos de remuneração com base em pesquisas de mercado calcadas em dados fidedignos obtidos junto a associações e sindicatos de cada categoria profissional e com base em informações divulgadas por outros órgãos públicos. Em cada caso concreto é que se poderá aferir se essa fixação de pisos salariais nas licitações de execução indireta de serviços pagos por disponibilidade ou baseados na locação de postos de trabalho configura-se na melhor solução para resguardar o interesse público.”
E ainda no mesmo sentido, vem se consolidando a jurisprudência do TCU, conforme os Acórdãos 332/2010, Plenário; Acórdão 189/2011 – Plenário, o Acórdão 1141/2011 – Primeira Câmara e o Acórdão 3894/2011 – Segunda Câmara.
No que se refere aos normativos mais recentes, a Instrução Normativa no. 02/2008 passou a dispor da seguinte forma:
Art. 20 – É vedado à Administração fixar nos instrumentos convocatórios:
II – (revogado); (Revogado pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009);
A redação original revogada continha o seguinte texto:
II – os salários das categorias ou dos profissionais que serão disponibilizados para a execução do serviço pela contratada
Ora, a conclusão lógica é que o que antes era vedado, ao ser revogado, passou a ser autorizado. No mesmo sentido é o normativo interno da própria Corte Federal de Contas, cuja Portaria no. 128/2014, no que se refere ao tema sub examine assim dispõe:
Art. 8º A estimativa de preços relativamente à mão de obra para prestação de serviços terceirizados será elaborada com base em planilha analítica de composição de custos da mão de obra e dos insumos, e observará os seguintes critérios:
I – os salários dos empregados terceirizados serão fixados com base em acordo ou convenção coletiva de trabalho da categoria profissional pertinente;
II – havendo mais de uma categoria em uma mesma contratação, os salários serão fixados com base no acordo ou na convenção coletiva de cada categoria profissional;
III – não havendo acordo ou convenção coletiva de trabalho, os salários serão fixados com base em preços médios obtidos em pesquisa de mercado, em fontes especializadas, em empresas privadas do ramo pertinente ao objeto licitado, ou em órgãos públicos;
(…)
§ 5º Deverá constar do edital de licitação que o valor da remuneração dos empregados terceirizados não poderá ser inferior ao previsto em acordo ou convenção coletiva de trabalho, ou ainda, se for caso, ao fixado pela Administração.
§ 6º Por razões de ordem técnica, devidamente justificadas, os salários poderão ser fixados em valores superiores aos de acordos ou convenções coletivas de trabalho. (grifei)
Como se vê, não há qualquer óbice à fixação, pelos editais de licitação para contratação de serviços terceirizados, de patamares mínimos para os salários da categorias profissionais a serem empregadas. Em verdade, podemos ir mais longe para afirmar que não só não há vedaão legal, como o estabelecimento de valores mínimos para a remuneração dos empregados terceirizados é medida de excelente alvitre, quando feita fulcrada em dados fidedignos de mercado, como bem salientado no Acórdão 614/2008, Plenário do TCU. Aliás, sob esse conceito aplicado aos contratos de terceirização de serviços, veja-se o esclarecedor e brilhante voto revisão no Acórdão 1.584/2010, do qual extraímos os seguintes excertos, verbis:
“(…)16. Não acredito que o princípio da vantajosidade deva prevalecer a qualquer custo. A terceirização de mão-de-obra no setor público, quando legalmente permitida, não pode ser motivo de aviltamento do trabalhador, com o pagamento de salários indignos. A utilização indireta da máquina pública para a exploração do trabalhador promete apenas ineficiência dos serviços prestados ou a contratação de pessoas sem a qualificação necessária. (…)30. No mesmo sentido, seguiu-se o Acórdão nº 290/2006-TCU-Plenário, cujo voto condutor do Ministro Augusto Nardes foi assentado em argumentos que merecem alusão: ‘13. Há, contudo, outros pontos que devem ser considerados no presente julgamento, como aduzido pelo recorrente. Trata-se da questão da proposta mais vantajosa e a satisfação do interesse público. Reconheço que existe, sim, a possibilidade de aviltamento dos salários dos terceirizados e consequente perda de qualidade dos serviços, o que estaria em choque com satisfação do interesse público. Nesse aspecto, no caso de uma contratação tipo menor preço, em que as empresas mantivessem os profissionais pagando-lhes apenas o piso da categoria, entendo que não seria razoável considerar, apenas como vantagem a ser obtida pela Administração, o menor preço. Livres de patamares salariais, os empregadores, de forma a maximizar seus lucros, ofertariam mão-de-obra com preços de serviços compostos por salários iguais ou muito próximos do piso das categorias profissionais, o que, per se, não garantiria o fornecimento de mão-de-obra com a qualificação pretendida pela Administração. Sob esse prisma, entendo que a qualidade e a eficiência dos serviços postos à disposição de órgãos públicos não pode ficar à mercê da política salarial das empresas contratadas. 14. Assim, proposta mais vantajosa não significa apenas preço mais baixo. Há que se considerar a tutela de outros valores jurídicos além do menor preço, como, por exemplo, o atendimento ao princípio da eficiência.” (Voto do Ministro Revisor, Valmir Campelo. Relator Min. RaiMUNDO Carreiro)
Daí ser correto afirmar que o zelo da Administração no que se refere aos salários que serão pagos aos empregados em seus contratos de serviços terceirizados contribui para o fortalecimento do preceito constitucional da proteção à dignidade do trabalho. O contrário, ou seja, limitar-se a apenas verificar se os pisos mínimos estão sendo respeitados, permite que a própria mão de obra, seja a moeda de negociação para obtenção dos contratos submetidos à competição.
Em outro dizer, procurar atrair baixo custo, admitindo pagar salários iníquos, seria o mesmo que, mutatis mutandis, aceitar um equipamento de excelente desempenho e durabilidade por um cuja qualidade seja risível e que obrigue a Administração a todo momento, submetê-lo à manutenção.
Há quem dirá que ao estabelecer os salários das categorias profissionais os editais de licitação estariam promovendo ingerência indevida na empresa contratada com a criação de um novo piso salarial. Em que pese reconhecer que, de fato, há uma intromissão do Poder Público, penso que, no caso concreto, há um claro conflito entre o princípio da livre iniciativa e o da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF/1988, art. 1º, inciso III e IV).
Para esse caso concreto, penso que esse conflito deve ser resolvido a favor destes últimos. Aliás, é justamente sob esse prisma que os melhores autores, e mesmo o TCU, defendem a tese de que a CNDT deve ser exigida em todas as contratações, e não somente naquelas que envolver emprego de mão de obra dedicada. Ao deixar as empresas livres para formarem o valor do salário que bem entenderem, respeitados os pisos mínimos, fica claro que a disputa pela oportunidade de negócio se dará, primordialmente, com base na remuneração do trabalhador envolvido.
Ademais disso, o observância ao princípio da igualdade também ficará fragilizado na medida em que uma empresa que esteja vinculada a um sindicato com piso mais baixo que outro sairá com enorme vantagem na licitação. A fixação do salário nos editais, além de garantir a dignidade da relação de trabalho, também iguala as posições dos licitantes.
Também haverá quem argumente que a fixação do salário nos editais tenderá a uma elevação do risco empresarial por força de possíveis ações trabalhistas em que um empregado reclamará equiparação salaria para funções equivalentes. Como consequência da elevação do risco do negócio, o preço tende também a subir na mesma proporção.
Igualmente reconheço que pode haver uma elevação do risco e concordo plenamente de que quanto maior o risco, maior é o custo. Em sede de gestão de riscos, todavia, há a categoria de riscos que são suportáveis quando examinadas as relações de probabilidade e impacto. Sem dúvida, este é um risco que pode ser considerado suportável.
Em primeiro lugar, porque, a despeito da possibilidade de elevação do preço final, não se pode perder de vista que estamos falando de uma contratação que se dará após uma competição comercial. Essa competição induz a prática de preços mais baixos e, se de um lado pode haver aumento de custo, visto por este ângulo, a empresa que não equalizar seus métodos e seus custos não se sagrará vencedora. Em segundo lugar, porque em alguma medida, o princípio da indisponibilidade do interesse público reclama ações do Estado que protejam interesses coletivos garantidos pela CF, como explicitei acima. Isso ocorre, por exemplo, com as licitações sustentáveis. É cediço que produtos que sejam produzidos com matéria-prima reciclada são mais caros do que os que não o são (os exemplos são inúmeros); também é sabido que a empresa que providencia certificações de qualidade ambiental arca com custo operacional mais elevado do que as que não tem. Mas, mesmo assim, o estado deve, preferencialmente, contratar com olho na sustentabilidade ambiental. Ou seja, para proteger interesses difusos de maior relevância, é justificável que o Estado gaste um pouco mais.
Faz-se mister, bom que se frise, que a estipulação de pisos salariais deve ser considera excepcional e depende de justificativa nos autos que aponte as razões pelas quais a Administração não pode prescindir, no caso concreto, de que o colaborador terceirizado ganhe menos do que o piso estabelecido.
Portanto, ao planejar a contratação de um serviço que empregará mão de obra em regime exclusivamente dedicado ao tomador do serviço, o agente público deverá verificar junto ao mercado de trabalho qual a faixa salarial que vem sendo paga àquela categoria profissional, fixando, sim, dentro da referida faixa, o valor que entende o mínimo necessário ao atendimento do nível de qualidade e desempenho esperado.
Tais dados poderão ser obtidos não só em contratos com outros órgãos, desde que tomado o cuidado para que o contrato paradigma também tenha fixado o valor do salário acima do piso mínimo, como também em sites e publicações especializadas em mercado de trabalho, como ainda, em contratos praticados por empresas privadas.
Tal valor deverá ser eleito como critério de aceitabilidade de preços no julgamento da licitação, o que impedirá seja desprezado pelo proponente, sob pena de desclassificação.
Em resumo, podemos concluir que:
a) é dever do agente público, em homenagem ao princípio da indisponibilidade do interesse público e da seleção da proposta mais vantajosa, adotar critérios de aceitabilidade de proposta que atraiam serviços e produtos com nível de qualidade e desempenho adequado às finalidades e objetivos da Administração;
b) nos contratos de serviços com emprego de mão de obra em regime de dedicação exclusiva, o nível de desempenho e qualidade dos serviços está intimamente ligado à atuação personalíssima do empregado terceirizado, que, desmotivado, faz cair o nível qualitativo esperado;
c) o componente de custo salário deve ser estipulado a fim de possibilitar a retenção da mão de obra qualificada e mantê-la motivada e dedicada, garantindo o nível de qualidade e desempenho esperados;
d) não há vedação legal à fixação de salários nos editais de licitação para contratação;
e) a fixação dos salários a serem pagos deve ser feita calcada em dados fidedignos obtidos junto a empresas privadas, pactos laborais, publicações e sítios da internet especializados em mercado de trabalho; e,
f) o agente, ao estabelecer o valor do salário, com base na ampla pesquisa de preços, deverá justificar no processo correspondente as razões técnicas e gerenciais que o levaram àquele valor.
No próximo artigo, trataremos da justificativa de preços nos casos de inexigibilidade de licitação na aquisição de produtos comercializados ou serviços executados em caráter de exclusividade.
*Luiz Claudio Chaves é especialista em Direito Administrativo, professor da Escola Nacional de Serviços Urbanos-ENSUR e da Escola de Administração Judiciária-ESAJ/TJRJ; professor convidado da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-Rio. Autor das obras Curso Prático de Licitações-Os Segredos da Lei no. 8.666/93, Lumen Juris e Licitação Pública – Compra e Venda governamental Para Leigos, alta Books. Ministra regularmente, em âmbito nacional o curso Análise de Mercado para Planejamento das Contratações Públicas – pesquisa de preços nas licitações, dispensa e inexigibilidade