A FUNÇÃO DO ASSESSOR JURÍDICO NO CONTROLE PRÉVIO DE LEGALIDADE DOS PROCESSOS LICITATÓRIOS

O Estado, como instituição organizada, tem como função precípua, a responsabilidade pela organização e pelo controle social, detendo o que Weber, na clássica lição, chamou de “monopólio legítimo do uso da força”. Dentro desse contexto, o Governo, conjunto de instituições que agem em nome do Estado, desenvolve uma série de atividades que visa atender aos objetivos fundamentais insculpidos no art. 3º da Constituição Federal e 1988: a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para a consecução desse fim, a atividade contratual desponta como uma das mais importantes, não só por movimentar uma grande soma de recursos financeiros [1], como também por se tratar do principal instrumento de consecução das políticas públicas. Afinal, não há recanto na atividade administrativa que, em alguma medida, não dependa de o Estado realizar contratações (aquisição de coisas, contratação de serviços e obras, celebração de convênios e acordos). Uma Secretaria Municipal de Saúde, para adotar medidas de controle de uma endemia, necessitará tomar providências, tais como contratação de serviços de publicidade orientadora, contratação de ações de capacitação para os profissionais da saúde, aquisição de fármacos e produtos químicos; muito provavelmente irá celebrar convênios com outras esferas de Governo ou entidades particulares.

Se a atividade contratual possui esse relevo, dentro desse segmento, considerando todas as atividades profissionais nele envolvidas, penso que poucas são tão determinantes para o alcance dos resultados a serem obtidos em prol da coletividade senão aquela entregue ao Assessor Jurídico, opinião com a qual concorda Celso Antônio Bandeira de Mello [2] que assinala sem titubeio que:

“Administrar é uma atividade complexa que tem intersecções com todos os campos do conhecimento, resultando disto, como observou Yves Weber, ser-lhe necessário acostar-se em múltiplas técnicas atinentes a estes diversos setores. Conforme ressaltou: ‘entre esta diversidade de técnicas solicitadas, uma transcende a todas, técnica jurídica”.

Esclareça-se, desde já, que não há de minha parte menosprezo em relação às demais atividades, ou, menos ainda, superestima daquela. Considerando que a atividade administrativa é orientada primordialmente pelo princípio da legalidade, é forçoso reconhecer que para cada passo que o Gestor Público percorre (ou deixa de percorrer), uma de suas principais balizas, é a orientação jurídica sendo, um de seus principais instrumentos, o parecer jurídico. Fácil perceber tal grau de importância na medida em que a atividade contratual, como é bastante cediço, é orientada por um emaranhado de atos normativos (leis, decretos, portarias etc) e princípios jurídicos que exigem do jurista exercícios altamente técnicos para sua correta interpretação, a exigir do aplicador do Direito, técnicas refinadas de hermenêutica, dando suporte jurídico às ações da Administração Pública.

O exemplo acima serviu apenas como ilustração com a finalidade de demonstrar como o setor jurídico de uma entidade pública é relevante em todos os atos deflagrados pelos Gestores. A despeito disso, tal função nem sempre é reconhecida ou tratada com o grau de importância devido. A responsabilidade assumida pelo Assessor Jurídico é enorme e o grau de seu envolvimento nas ações de Governança é da mais alta intimidade.

Mas a contrário senso, também não são poucos os casos em que se exige demasiadamente do Jurista, atribuindo a este, responsabilidades atípicas, que não condizem com a natureza de suas funções e tarefas que não lhes são próprias, invadindo a esfera de competência de outros agentes públicos. Nesse cenário, não é incomum surgirem rusgas entre o órgão jurídico e os setores técnicos e administrativos (não raro também com o próprio Gestor), importando ruídos no canal de comunicação entre tais setores da Administração, turbando o ambiente organizacional, cuja invariável consequência é, no mínimo, o retardo na providência a ser tomada a favor do interesse público.

Uma preocupação importante é estudar e estabelecer com o maior grau possível de precisão os limites de atuação do Advogado Público nos processos de contratação governamental, por perceber que aos profissionais do Direito investidos do múnus de analisar e aprovar minutas de editais, contratos, convênios, manifestar opinião técnica sobre hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, lhes faltam subsídios para compreender a extensão da sua atuação na dimensão correta da natureza do processo de contratação, bem como sua relação profissional com os demais setores técnicos da Administração.

Com o objetivo de esclarecer estas e outras dúvidas acerta desse tema, semanalmente iremos publicar um breve artigo sobre a atuação do Advogado Público, no exercício da atividade de controle prévio da legalidade dos processos licitatórios. Procuraremos abordar os problemas mais frequentes do dia a dia dessa atividade, tais como: extensão do parecer de aprovação da minuta do edital ao projeto Básico e Termo de referência; separação de competências entre a Assessoria Jurídica e o Controle Interno; extensão da responsabilidade sobre o parecer emitido entre outros.

No nosso primeiro ensaio, vamos cuidar de abordar a atividade advocatícia, no geral, e suas peculiaridades relacionadas à atividade de assessoramento nos órgãos e entidades públicas. Como isso, pensamos conseguir delimitar o nosso campo de estudos, visando uma melhor aplicação metodológica.

Com isso, espero trazer um pouco de luz aos colegas de ofício que fazem dessa atividade a sua labuta diária.

*Luiz Claudio de Azevedo Chaves é especialista em Direito Administrativo e professor da Escola Nacional de Serviços Urbanos-ENSUR e professor convidado da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-Rio. Autor das obras Curso Prático de Licitações-Os Segredos da Lei no. 8.666/93, Lumen Juris e Licitação Pública – Compra e Venda governamental Para Leigos, alta Books. Apresenta regularmente, em âmbito nacional, o seminário O Exercício da Função de Assessor Jurídico no Controle da Legalidade nos Processos de Licitações e Contratos Administrativos


[1] Estudo do IPEA, datado de 2012 indica que a média de gastos das três esferas de Governo com contratações públicas chegaram ao patamar de 10% do PIB, o que representa algo em torno de 500 bilhões de reais. (Disponível em http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2746:catid=28&Itemid=23)
[2] Curso de Direito Administrativo. 30ªed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 445. 

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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