1. Introdução
A habilitação é o momento do processo licitatório em que os licitantes apresentam a sua documentação para demonstração de aptidão e capacidade para a futura execução do contrato com a Administração Pública. A exigência de documentação de habilitação de empresas licitantes tem o fito de verificar a aptidão do licitante em celebrar um contrato administrativo que atenda ao interesse público[1], tendo em vista o comando constitucional externado na parte final do inciso XXI do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil– CRFB.
A chamada “Nova Lei de Licitações” (NLL), a Lei nº 14.133/2021, rompe com a sistemática da apresentação da habilitação utilizada na atual conjuntura, notadamente nos Pregões Eletrônicos regidos pelo Decreto Federal nº 10.024/2019. A questão envolve o momento de apresentação da habilitação prevista no novel diploma, similar àquela prevista no Decreto nº 5.450/2005, que regulava o pregão eletrônico antes do advento do Decreto nº 10.024/2019.
O objetivo do presente artigo é refletir a respeito deste “novo” cenário relativo ao momento de apresentação da habilitação decorrente da previsão contida no art. 63, II, da NLL, representando um verdadeiro resgate à regra do Decreto nº 5.450/2005. A partir das reflexões a seguir desenvolvidas e sem a pretensão de exaurir todo o conteúdo relativo à habilitação na Lei nº 14.133/2021, buscar-se-á apontar as vantagens e desvantagens desta “nova” sistemática que, inegavelmente, constitui um novo desafio nas contratações públicas. Para melhor compreensão do tema, antes de adentrar no mérito da reflexão proposta, iremos tecer algumas breves considerações a respeito do momento de apresentação da habilitação, tanto na Lei nº 10.520/2002, nos Decretos Federais nº 5.450/2005 e nº 10.024/2019, quanto na Lei nº 14.133/2021.
2. O procedimento habilitatório na Lei nº 10.520/2002
A Lei nº 10.520/2002 instituiu, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns.
Destaque-se que a modalidade de pregão foi instituída por lei própria, não integrando, portanto, do rol das modalidades tradicionais trazidas no bojo da Lei nº 8.666/1993[2]. Ademais, a Lei nº 10.520/2002 foi implementada pela União diante da sua competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos administrativos[3].
A Lei nº 10.520/2002 trouxe um procedimento mais célere e simplificado, com a inversão da ordem de fases de habilitação e de julgamento e a instituição de etapas de lances e fase recursal única, diferenciando-se, portanto, da previsão do regime tradicional das modalidades da Lei nº 8.666/1993[4] .
O art. 4º da Lei nº 10.520/2002 estabelece o rito procedimental do pregão, enquanto modalidade, e prevê que a habilitação e a fase de julgamento de propostas ocorrem em momentos distintos, senão vejamos:
Art. 4º (…)
VII – aberta a sessão, os interessados ou seus representantes, apresentarão declaração dando ciência de que cumprem plenamente os requisitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos, procedendo-se à sua imediata abertura e à verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório.
(…)
XII – encerrada a etapa competitiva e ordenadas as ofertas, o pregoeiro procederá à abertura do invólucro contendo os documentos de habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;
Dessa maneira, percebe-se que o pregoeiro deve analisar os documentos de habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta (a mais vantajosa), entretanto, é silente em relação ao momento da apresentação dos documentos de habilitação[5].
3. O procedimento habilitatório no Decreto Federal nº 5.450/2005
Antes de traçar nuances a respeito da regra do Decreto nº 5.450/2005, cumpre destacar que se trata de diploma já revogado e que regulamentava, no âmbito da Administração Pública Federal a modalidade de pregão em sua forma eletrônica. Saliente-se que a referência neste estudo ao mencionado decreto tem por propósito, apenas e tão somente, demonstrar a regra de apresentação da documentação habilitatória vigente entre os anos de 2005 e 2019, por sinal, similar à atual sistemática da Lei nº 14.133/2021.
Ultrapassado esse esclarecimento prévio, cumpre ressaltar o que dispunha o Decreto Federal nº 5.450/2005 a respeito do momento de apresentação dos documentos de habilitação, senão vejamos:
Art. 25. Encerrada a etapa de lances, o pregoeiro examinará a proposta classificada em primeiro lugar quanto à compatibilidade do preço em relação ao estimado para contratação e verificará a habilitação do licitante conforme disposições do edital.
§ 1º A habilitação dos licitantes será verificada por meio do SICAF, nos documentos por ele abrangidos, quando dos procedimentos licitatórios realizados por órgãos integrantes do SISG ou por órgãos ou entidades que aderirem ao SICAF.
§ 2º Os documentos exigidos para habilitação que não estejam contemplados no SICAF, inclusive quando houver necessidade de envio de anexos, deverão ser apresentados inclusive via fax, no prazo definido no edital, após solicitação do pregoeiro no sistema eletrônico.
§ 3º Os documentos e anexos exigidos, quando remetidos via fax, deverão ser apresentados em original ou por cópia autenticada, nos prazos estabelecidos no edital. (Grifos nossos)
Depreende-se da leitura do dispositivo acima, que a fase de habilitação apenas se inicia após a fase de lances, no momento seguinte à apresentação da proposta do licitante melhor classificado e sua respectiva análise positiva por parte do pregoeiro. Ou seja, é perceptível que existiam duas fases distintas – uma de habilitação e outra de julgamento de propostas – que ocorre em momentos também diferentes.
Nesta sistemática, o licitante participava da fase de lances do pregão eletrônico, e somente após o julgamento da proposta melhor classificada, o pregoeiro solicitava os documentos de habilitação do licitante melhor classificado, assim como indicado na Lei nº 10.520/2002, conforme mencionado no tópico 2. Diferente, é, portanto, o momento de apresentação dos documentos de habilitação previstos no art. 26 do Decreto Federal 10.024/2019, que, atualmente, regulamenta o pregão eletrônico na Administração Pública Federal, conforme veremos a seguir.
4. o procedimento habilitatório no Decreto Federal nº 10.024/2019
Considerando as iniciativas da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia – SEGES em otimizar as normas de logística, surgiu o Decreto Federal nº 10.024/2019, que passou a regulamentar o pregão na forma eletrônica em substituição ao Decreto nº 5.450/2005.
No novo regulamento federal do pregão eletrônico houve uma alteração no rito em relação a apresentação da documentação habilitatória, seguindo a mesma lógica do Decreto Federal nº 3.555/2000, que dispõe sobre o pregão presencial. A apresentação da documentação de habilitação passa a ser anexada concomitantemente com a proposta, não só pelo primeiro colocado, mas por todos os licitantes participantes.
Antes, conforme já mencionado, na sistemática do Decreto Federal nº 5.450/2005 havia apenas a obrigatoriedade de cadastro antecipado da proposta no sistema de realização do pregão eletrônico, e, somente após a fase de julgamento da proposta, seria solicitado, pelo pregoeiro, os documentos habilitatórios exigidos no edital que não estivessem contemplados no SICAF.
Esse rito foi alterado no Decreto nº 10.024/2019, com uma nova sistemática de apresentação da proposta e da documentação de habilitação:
Art. 26. Após a divulgação do edital no sítio eletrônico, os licitantes encaminharão, exclusivamente por meio do sistema, concomitantemente com os documentos de habilitação exigidos no edital, proposta com a descrição do objeto ofertado e o preço, até a data e o horário estabelecidos para abertura da sessão pública. (grifou-se)
Nesse sentido, Rafael Sérgio de Oliveira e Victor Amorim[6] pontuam claramente:
Da leitura da disposição regulamentar depreende-se que a comprovação do cumprimento dos requisitos de habilitação no pregão eletrônico dá-se por meio do conjunto da documentação constante do SICAF e daquela anexada na oportunidade de cadastramento da proposta, a que alude o caput do art. 26. (grifou-se)
Aspecto que merece atenção se refere à parametrização do sistema COMPRASNET quanto ao disposto no §8º do art. 26 do Decreto Federal nº 10.024/2019. Como visto, tal dispositivo preconiza que “os documentos que compõem a proposta e a habilitação do licitante melhor classificado somente serão disponibilizados para avaliação do pregoeiro e para acesso público após o encerramento do envio de lances”. Ocorre que, encerrada a fase de lances, o sistema COMPRASNET disponibiliza não só a documentação do primeiro classificado, mas de todos os licitantes participantes, o que, de certa forma, conduz os pregoeiros a uma “análise antecipada” dessas documentações, até mesmo atropelando o rito estabelecido pelo Decreto nº 10.024/2019: julgamento da proposta e só depois habilitação.
5. o procedimento habilitatório na Lei nº 14.133/2021
Ultrapassada a análise da Lei nº 10.520/2002 e dos Decretos Federais nº 5.450/2005 e nº 10.024/2019 no tocante ao momento de apresentação dos documentos de habilitação, cumpre discutirmos a respeito da previsão da NLL.
A Lei nº 14.133/2021 rompe com a sistemática prevista no Decreto nº 10.024/2019 em que os licitantes devem, necessariamente, incluir seus documentos de habilitação na oportunidade de cadastramento da proposta no sistema. Com o advento do art. 63, II, da NLL, inaugura-se um “novo” cenário, com o resgate da sistemática do Decreto Federal nº 5.450/2005.
Cumpre destacar que, para as modalidades licitatórias – incluindo o pregão -, o art. 17 da Lei nº 14.133/2021 diferencia as fases de habilitação e julgamento das propostas, estabelecendo que, em regra, a fase de propostas e lances deverá anteceder a fase de habilitação, não obstante admitir, no §1º do mesmo dispositivo, a possibilidade de inversão destas etapas:
Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória;
II – de divulgação do edital de licitação;
III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV – de julgamento;
V – de habilitação;
VI – recursal;
VII – de homologação.
§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.
Neste ponto percebe-se a discricionariedade técnica conferida ao gestor para a modelagem da licitação de acordo com a realidade de cada mercado. No caso da antecipação da habilitação, ela deve ter lugar nas situações em que a competição deve ser limitada a uma prévia qualificação dos operadores econômicos, uma vez que competidores sem a qualificação necessária tendem a atrapalhar a seleção da proposta mais vantajosa[7].
Entretanto, resta claro pela redação do inciso II do art. 63 do mesmo diploma legal, que será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, previsão similar à sistemática do Decreto nº 5.450/2005, diferenciando-se, portanto, do procedimento relativo ao Decreto nº 10.024/2019, litteris:
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
(…) II – será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento;
Assim, não restam dúvidas a respeito desse aspecto pontual da nova lei: a exigência relativa aos documentos de habilitação apenas se dará ao licitante declarado vencedor, na sessão pública.
O Decreto nº 10.024/19, ao dispor sobre a necessidade de apresentação de documentos de habilitação, é válida e coerente no sentido de que, já que há exigência de declaração de que cumpre os requisitos de habilitação, nada mais salutar que apresentá-los diante mão. Inclusive este é o entendimento de Rafael Sérgio de Oliveira e Victor Amorim[8]:
Entendemos que andou bem o atual Decreto ao sincronizar a declaração de preenchimento dos requisitos habilitatórios com a entrega dos documentos que comprovam o atendimento dos requisitos. Se o legislador quis que na abertura da sessão houvesse a declaração de preenchimento das exigências de habilitação, parece óbvio que ele também queria que no mesmo instante o licitante tivesse condições de comprovar a veracidade da sua declaração.
Fato é que, na prática, a apresentação dos documentos de habitação previamente à sessão pública, como estabelecido no Decreto nº 10.024/2019 torna o procedimento muito mais célere. Ademais, do ponto de vista da empresa licitante, que atua no dia a dia participando de pregões eletrônicos, faz-se necessário organizar e anexar seus documentos antes da sessão pública. Contudo, não obstante as vantagens procedimentais de tal sistemática, esta não foi a opção adotada na Lei nº 14.133/2021.
Ressalte-se ser essencial a capacitação e o preparo dos agentes de mercado para que possam compreender a “nova” sistemática da Lei nº 14.133/2021, além, por óbvio, da necessidade de adequada e prévia análise dos instrumentos convocatórios e a identificação da legislação de regência dos certames que se propõem a participar.
Oportuno dizer que a Lei nº 14.133/2021, publicada em 01 de abril de 2021, já está em vigor e estabeleceu um prazo de 2 (dois) anos em que haverá convivência entre os regimes jurídicos (o da NLL e o regime da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 12.462/2011 – que instituiu o RDC), vejamos:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Nesse sentido é que os fornecedores devem estar tecnicamente e juridicamente assessorados para identificar os procedimentos e verificar qual diploma normativo se referem, evitando, inclusive a prática de condutas contrárias ao ordenamento jurídico brasileiro, ensejando a instauração de procedimento administrativo para eventual aplicação de sanção. Além disso, restou manifesto no art. 191 da NLL que cada edital deverá prever expressamente a opção escolhida em relação à legislação aplicável, ficando vedada a aplicação combinada entre os regimes licitatórios.
Um ponto importante que vale ser observado é que a NLL, em seu art. 17, §1º, prevê a possibilidade de inversão de fases. Assim, tendo em vista o procedimento habilitatório estabelecido na Lei nº 14.133/2021, se faz interessante verificar alguns casos de contratações nas quais, em razão do objeto e/ou da modelagem da fase de julgamento de propostas, pode ser mais vantajosa a inversão, por exemplo os casos das contratações de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra ou, ainda, quando exigida amostra ou prova de conceito.
Em tais casos, a fase de julgamento de propostas é prolongada e sujeita a uma série de procedimentos, como análise e correção de planilhas de formação de custos, prazo para entrega e análise de amostras e, ainda, a própria realização da prova de conceito. Neste caso, a inversão de fases evitaria o tempo despendido inicialmente com tais providências e etapas procedimentais, tornando-se tal esforço desnecessário quando a empresa acaba sendo inabilitada em seguida em decorrência da falta de atendimento a algum requisito habilitatório exigido em edital.
Baseado nisso, com vistas a assegurar maior eficiência e celeridade ao certame, além da redução dos custos transacionais do próprio procedimento, tem-se por salutar a inversão de fases nos termos do §1º do art. 17 da NLL.
6. reflexões acerca da “nova” sistemática da Lei nº 14.133/202114.133/2021
Diante dessa “nova” sistemática trazida pela Lei 14.133/2021, é possível destacar algumas reflexões que se fazem necessárias a respeito do tema. A primeira reflexão interessante é de que o comando de exigência de apresentação da documentação de habilitação apenas por parte do licitante vencedor, em verdade, não é inédito, porquanto o Decreto nº 5.450/2005 já continha disposições nesse mesmo sentido.
Ademais, rompe-se com a previsão do art. 26 do Decreto Federal nº 10.024/2019, que preconiza a necessidade de apresentação, no sistema de realização do pregão eletrônico, dos documentos de habilitação concomitantemente à proposta, antes da data e horário previstos para a realização da sessão pública.
A ideia de “antecipação” dos documentos de habilitação trazida pelo Decreto nº 10.024/2019 tem por objetivo imprimir celeridade ao procedimento e, ainda, mitigar a prática dos chamados “licitantes coelhos”, conforme destacado nas diversas oportunidades apresentadas pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, para análise e debates sobre ao minuta do regulamento[9].
Percebe-se, assim, o desincentivo à participação temerária daquele licitante que, “mergulhando” nos preços durante a fase de lances e sagrando-se melhor classificado na disputa, quedava-se inerte ao ser convocado pelo pregoeiro para enviar a sua documentação via sistema, abandonando a sessão e, dessa forma, forçando a sua inabilitação.
Quanto à celeridade, a antecipação do envio da documentação permite a possibilidade de racionalização do tempo quando se fala da operacionalização de uma sessão de pregão eletrônico, pois, no regime do Decreto Federal nº 5.450/2005, esperava-se, no mínimo, 02 (duas) horas para o envio da documentação. Atualmente, com a sistemática do Decreto nº 10.024/2019, imediatamente após a fase de julgamento da proposta, é possível realizar a análise habilitatória.
Tais aspectos soam importantes quando se trata da rotina de órgãos que possuem quadro escasso de servidores e precisam, em alguns casos, realizar mais de um pregão por dia, ou até realizam pregões com grandes números de itens. Entretanto, interessante destacar que, considerando o transcurso de quase dois anos de vigência do Decreto Federal nº 10.024/2019, percebe-se, em alguns casos, certa “desilusão” quanto a essas questões apresentadas. Ainda é possível identificar pregões em que a participação de licitantes despreparados ocasiona um desfecho diferente do esperado com a exigência de apresentação antecipada dos documentos de habilitação.
Exemplificando tal afirmação, é constante a ocorrência de situações nas quais, após sagrar-se vencedor da etapa de lances e até enviar proposta readequada ao último lance, o licitante deixa de observar as regras editalícias quanto às exigências de habilitação, não anexando os documentos corretos ao tempo do cadastro da proposta ou mesmo deixando de verificar a atualização dos documentos constantes no SICAF, tornando-se imperiosa, assim, a sua inabilitação.
Tal exemplo também se aplicaria ao caso dos licitantes que, a despeito de não participarem da etapa de lances, já cadastram suas propostas com valores baixos e que não superados pelos demais concorrentes, assim, ao acessar a documentação, o pregoeiro verifica a anexação de documentos de habilitação aleatórios ou, ainda, a desatualização do SICAF.
Evidente que as regras estabelecidas no instrumento regulador do certame devem ser entendidas e obedecidas, e é de responsabilidade dos licitantes buscar capacitação, assessoria jurídica especializada, ler os editais na sua integralidade inclusive seus anexos, e buscar qualificação do quadro de funcionários que sejam responsáveis pela operacionalização dos pregões eletrônicos. Igual responsabilidade recai sobre os agentes públicos envolvidos nas contratações, os quais possuem a responsabilidade de elaborar, de forma clara, os documentos que vincularão as regras do certame.
Vale reiterar que esses documentos de habilitação podem ser substituídos ou retirados até o momento da abertura da sessão pública e somente serão disponibilizados ao pregoeiro e para o público em geral após o encerramento da etapa de lances, conforme dispõem §§ 6º e 8º do art. 26, in verbis:
§ 6º Os licitantes poderão retirar ou substituir a proposta e os documentos de habilitação anteriormente inseridos no sistema, até a abertura da sessão pública.
(…)
§ 8º Os documentos que compõem a proposta e a habilitação do licitante melhor classificado somente serão disponibilizados para avaliação do pregoeiro e para acesso público após o encerramento do envio de lances.
Outro ponto a ser observado é que, com a inclusão antecipada da documentação, em alguns casos, poderia haver perda de propostas mais vantajosas para a Administração em razão do “esquecimento” da inclusão de algum documento exigido no edital, e a vedação de inclusão de documento novos acarreta a perda da oportunidade de concretizar a contratação, fato já apontado por Victor Amorim[10]:
Após um ano de vigência do novo regulamento, avolumam-se críticas quanto a tal “opção” do Presidente da República, no sentido de que, ao vedar a apresentação posterior de novos documentos de habilitação, estar-se-ia “perdendo” ofertas mais vantajosas para a Administração registradas por licitantes que, eventualmente, tenham se “esquecido” de juntar documentos expressamente exigidos no edital.
De toda forma, o “retorno” da sistemática então observada no Decreto nº 5.450/2005 ressuscita a necessidade de estabelecimento de um marco procedimental preclusivo quanto à oportunidade de o licitante apresentar a documentação de habilitação.
Quanto ao tema, cumpre ainda registrar entendimento do TCU acerca do inciso I do art. 64 da NLL manifestado no julgamento do Acórdão nº 1.211/2021 no sentido de que a “vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”.
Ainda que a menção ao dispositivo da Lei nº 14.133/2021 tenha se dado em caráter obter dictum no voto do Relator[11] , Ministro Walton Alencar, há que se reconhecer, conforme expressa dicção do caput e do inciso I do art. 64 da NLL, que a juntada “posterior” de documento, no contexto de averiguação das condições de habilitação do licitante, somente seria possível “em sede de diligência”, o que pressupõe um comando decisório por parte do agente de contratação decorrente de uma avaliação antecedente da documentação habilitatória então apresentada.
Ou seja, será o agente de contratação quem avaliará os pressupostos concretos de incidência da possibilidade prevista no art. 64, I, da NLL, de modo que o “documento novo” será produzido ou apresentado como resultado de uma diligência reputada como cabível e necessária pela Administração.
7. conclusão
Neste artigo pretendeu-se trazer algumas breves considerações a respeito do momento de apresentação da habilitação, tanto na Lei nº 10.520/2002, nos Decretos Federais nº 5.450/2005 e nº 10.024/2019, quanto na Lei nº 14.133/2021, traçando um paralelo entre os diplomas normativos no intuito de estimular algumas reflexões sobre o tema.
Diante da análise acime realizada, entende-se que, provavelmente, na regulamentação acerca do inciso II do art. 63 da NLL, deverá ser estabelecido um prazo para envio da documentação pelo sistema nas licitações eletrônicas. Mas, os constantes dilemas vividos pelo pregoeiro antes do advento do Decreto Federal nº 10.024/2019 voltarão: afinal, qual o limite para admissão de envio de documentos pelo licitante? O prazo pode ser dilatado? Em quais condições e pressupostos? Até que ponto devo considerar possível a juntada posterior de documento, em especial diante do disposto no caput do art. 64 da NLL?
Com o objetivo de se conferir a devida segurança jurídica na aplicação do art. 64, I, da Lei nº 14.133/2021 nas licitações eletrônicas, é salutar que haja a definição precisa em regulamento (ou no edital) acerca do prazo e da forma de envio/anexação dos arquivos na plataforma de realização do certame.
Porquanto, deve haver um marco de preclusão procedimental claro quanto à oportunidade de apresentação da documentação de habilitação por parte do licitante vencedor, abrindo-se a possibilidade de envio de documentos supervenientes apenas em “sede de diligência” determinada pelo agente de contratação.
Busca-se, assim, afastar a compreensão de tal dispositivo como uma porta sempre aberta para apresentação de documentos a qualquer tempo, sob a genérica alegação de “esquecimento”, “equívoco” ou “falha” do licitante. Daí a importância de o agente de contratação motivar não apenas a decisão de admitir a realização da diligência, mas também quando compreende ser a diligência impertinente e/ou desnecessária.
A necessária atualização na seara de licitações e contratos administrativos é o ponto chave para a realização de licitações idôneas e dentro dos parâmetros e limites estabelecidos em lei. Diante da NLL tanto os agentes públicos quanto as empresas licitantes precisam buscar a qualificação neste segmento, notadamente no tocante ao momento de apresentação dos documentos de habilitação nos certames, tema objeto do presente artigo. Sem dúvidas, as reflexões traçadas são fundamentais para a aplicabilidade da NLL, no sentido de construir contratações públicas mais eficientes, menos burocráticas e, conforme preconiza o art. 11 da NLL, com o objetivo de assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública.
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III.