Resumo
Uma das mais felizes novidades trazidas pela nova lei de licitações e contratos, sem dúvida, diz respeito à possibilidade de o contrato que preveja objeto de escopo predefinido ter sua vigência prorrogada de forma automática sempre que o objeto não seja integralmente adimplido dentro do prazo inicialmente assinado no contrato. Em um cenário jurídico extremamente conservador e formalista, como o é o microssistema jurídico das contratações públicas neste País, tal instrumento surge como um aceno importante de vanguarda, de modo a tornar mais ágeis os procedimentos relacionados à gestão dos contratos, aproximando-os dos contratos privados. No entanto, justamente por se colocar em um ambiente ultraconservador, já se nota uma redução da utilidade do instituto da prorrogação automática, pois muitos órgãos, apoiados pelas suas respectivas assessorias jurídicas e também alguns bons autores, vêm resistindo à ideia de que a prorrogação automática dispensa formalização por aditamento contratual, o que será o principal alvo de debates neste trabalho. Defendemos a ideai segundo a qual, a prorrogação automática prevista no art. 111 da Lei nº 14.133/2021 não prescinde de formalização por aditamento contratual, bastando simples apostilamento, o que será visto amiúde nas linhas a seguir.
Palavras-chave: Licitação. Contrato. Vigência. Prorrogação automática. Formalização.
Summary
One of the most exciting developments brought about by the new law on public procurement and contracts, without a doubt, concerns the possibility of a contract that provides for a predefined scope of purpose having its term automatically extended whenever the purpose is not fully fulfilled within the term initially agreed upon in the contract. In an extremely conservative and formalistic legal scenario, such as the micro legal system of public procurement in this country, this instrument emerges as an important step forward, in order to streamline procedures related to contract management, bringing them closer to private contracts. However, precisely because it is placed in an ultra-conservative environment, there is already a noticeable reduction in the usefulness of the automatic extension institute, since many agencies, supported by their respective legal advisors and also some good authors, have been resisting the idea that automatic extension dispenses with formalization by contractual amendment, which will be the main target of debate in this paper. We defend the idea that the automatic extension provided for in art. 111 of Law No. 14,133/2021 does not dispense with formalization by contractual amendment, a simple apostille being sufficient, which will be seen frequently in the following lines.
Keywords: Bidding. Execution regime. Contract. Extendability.
- Introdução. 2. Premissas fundamentais da Teoria das Obrigações e sua aplicação aos contratos administrativos. 3. O regime de contratação de fornecimento com serviço associado. 4. A inexistência de conflito do regime de fornecimento com serviço associado e o princípio do parcelamento do objeto. 5. O dimensionamento do prazo contratual em razão das obrigações acessória. 6. O tratamento do específico caso das compras de equipamentos de TIC no regime de fornecimento com serviços associados. 7. Conclusões.
1 – Introdução
O operador das normas licitatórias, já muito acostumado com o perfil conservador da legislação pretérita, se viu diante de alguns impasses relacionados à flexibilização das normas em relação a alguns institutos, com o advento da Lei nº 14.133/2021. Cite-se, à guisa de exemplo, o fato de agora a comprovação de exclusividade não ser mais dependente de averbação de atestado em qualquer entidade (art. 74, I, § 1º), como determinava a lei primitiva para instruir a inexigibilidade de licitação; ou, a possibilidade de celebração de contratos com prazo de vigência indeterminado (art. 109), entre outros institutos.
O que motiva o presente estudo é justamente uma dessas inovações, que trata da possibilidade de se estabelecer cláusula de vigência com prorrogação automática para contratos específicos, quais sejam, aqueles que possuam escopo predefinido.
Em que pese ser positivo esse movimento normativo, na medida em que torna as relações contratuais entre os órgãos e entidades da Administração Pública e os particulares, menos onerosos para ambas as partes e, para o Poder Público, mais ágil ao mesmo tempo para o particular, com menor grau de incerteza e maior precisão sobre as regras contratuais, como qualquer inovação normativa, esta também tem gerado algumas dúvidas e preocupações por parte dos agentes públicos, notadamente no que se refere à formalização dessas prorrogações.
Muitos órgãos, ainda em fase de adaptação para a novel lei licitatória, tem adotado posição regressista, entendendo que mesmo nesses casos, a prorrogação há de ser formalizada por meio de Termo de Aditamento ao contrato, com as suas naturais implicações, isto é: instrução com demonstração de vantagem técnica e econômica, controle prévio de legalidade mediante parecer exarado pela Assessoria Jurídica e publicação no PNCP (art. 94).
No entanto, se adotado o método da interpretação sistemática da nova lei, o que entendemos ser o mais adequado à hipótese em tela, bem como os conceitos do direito privado e até mesmo os fundamentos do gerenciamento de riscos e de controles internos, se perceberá a olhos vistos que inexiste essa necessidade. Adotar posição baseada em interpretação literal, para aplicar a essa espécie de prorrogação os mesmos institutos das prorrogações contratuais ordinárias, além de tornar letra morta o teor do art. 111, da Lei regente da espécie, é, a um só tempo, engessar a administração e podar o movimento evolutivo de uma norma que há muito clamava por atualização.
2 – Classificação dos contratos quanto à duração e execução
Não se afasta a percepção segundo a qual a celebração de contratos pelo Poder Público, assim como preconizado no direito privado, decorre da vontade das partes. Mas, em razão do princípio insculpido no art. 37, XXI, da CRFB, a liberdade de contratar é mitigada, visto que à Administração Pública é imposto, como pressuposto de validade da celebração de qualquer contrato a realização prévia de procedimento licitatório ou, caso este seja afastado, que esteja em alinho às condições excepcionais autorizadas na lei.
Não se olvide, no entanto, que aos contratos administrativos, são aplicáveis, supletivamente, as normas e princípios do Direito Privado, nos termos do art. 89 da Lei nº 14.133/2021:
Art. 89. Os contratos de que trata esta Lei regular-se-ão pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, e a eles serão aplicados, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
Ainda no tempo da vigência da lei primitiva, o STJ[1] considerou aplicáveis aos contratos administrativos, as normas do CDC (Lei nº 8.078/1990), tendo como um dos fundamentos da referida decisão, o fato de as normas de direito privado se aplicarem às contratações públicas de forma supletiva:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. EQUÍVOCO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOMENTE EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS SE EXISTENTE VULNERABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
[…]6. A Administração Pública pode ser considerada consumidor de serviços, porque o art. 2º do CDC não restringiu seu conceito a pessoa jurídica de direito privado, bem como por se aplicarem aos contratos administrativos, supletivamente, as normas de direito privado, conforme o art. 54 da Lei 8.666/1993, e, principalmente, porque, mesmo em relações contratuais regidas por normas de direito público preponderantemente, é possível que haja vulnerabilidade da Administração. (GN)
Sendo assim, para exata compreensão da matéria posta, faz-se mister nos servirmos dos conceitos doutrinários acerca das espécies de contratos que o Direito Privado nos oferece.
A doutrina clássica, aqui representada por Orlando Gomes, [2] classifica os contratos, quanto à duração e execução em: a) instantâneos; e b) de duração. Os primeiros se subdividem em contratos de execução imediata e de execução diferida. Já os de duração, podem ser de execução periódica ou de execução continuada.
2.1 – Contratos de execução instantânea
Dentre os instantâneos, estão aqueles ajustes nos quais a obrigação principal é satisfeita em virtude do exaurimento do objeto predeterminado. Esta categoria de contratos também se subdivide em duas subespécies, a saber:[3]
Se a execução se dá imediatamente após sua conclusão, são denominados contratos de execução imediata; se a execução é protraída para outro momento, cuida-se dos contratos de execução diferida.
Constituem, em regra, contratos instantâneos, as aquisições, os serviços técnicos profissionais predominantemente intelectuais e as obras. Os contratos instantâneos exigem que sejam determinados dois prazos: o de execução e o de vigência. O primeiro, é o tempo dentro do qual a “coisa” deve ser executada. O segundo, deve abranger o prazo de execução e mais o período suficiente e necessário ao recebimento definitivo do objeto e o consequente adimplemento financeiro pelo contratante.
A característica principal dessa espécie de contratos é a forma de sua extinção. Adimplida a obrigação principal[4], extinto estará o contrato, independentemente da ainda haver saldo de prazo de vigência. Isto porque, não havendo mais obrigação a ser cumprida, falta ao contrato um dos pressupostos de existência do negócio jurídico, que é justamente o seu objeto, nos termos do art. 104 do Código Civil:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei. (GN)
A esse respeito, leciona Maria Helena Diniz[5]:
Os elementos essenciais são imprescindíveis à existência e validade do ato negocial, pois formam sua substância; podem ser gerais, se comuns à generalidade dos negócios jurídicos, dizendo respeito à capacidade do agente, ao objeto lícito, possível, determinado ou determinável e ao consentimento dos interessados; e particulares, peculiares a determinadas espécies por serem concernentes à sua forma e prova. (GN)
E, exatamente por esse fundamento jurídico, enquanto não satisfeita a obrigação principal, o contrato não se considera encerrado ainda que tenha se exaurido o tempo estabelecido para sua vigência.
Para bem ilustrar, consideremos um contrato de treinamento de pessoal que preveja a realização de uma única turma com carga horária de 24 horas, celebrado com prazo de execução de até 90 dias e de vigência de 120 dias. O prazo de execução foi assim assinado (o que é muito frequente na Administração Pública) para que fosse possível concatenar as agendas dos participantes e do docente. O de vigência, para comportar a execução e os procedimentos necessários ao recebimento definitivo do objeto e pagamento da fatura correspondente. Mas, se realizada a turma logo no primeiro mês de vigência, não haverá mais nada o que prestar por parte do contratado. O objeto do contrato estará exaurido. Portanto, mesmo ainda tendo previsão contratual de mais três meses de vigência, o contrato estará extinto por absoluto esgotamento de seu objeto.
Um outro exemplo.
Uma Secretaria Municipal de Educação promove a aquisição de 500 carteiras escolares com entrega de uma só vez, estabelecendo prazo de entrega de até 60 dias após a assinatura do contrato e vigência de 90 dias. Se todas as carteiras escolares forem entregues logo nos primeiros 15 dias, temos o completo esgotamento do objeto contratual, promovendo a extinção do contrato.
Em ambos os casos, o prazo de vigência que sobra não pode ser utilizado, uma vez que o próprio contrato deixa de existir tanto pelo esgotamento de seu objeto como em razão da ausência de obrigação a ser cumprida pela parte contratada.
Poder-se-ia argumentar que seria possível utilizar o saldo de vigência para eventualmente promover-se uma alteração quantitativa (e.g., contratar mais turmas, comprar mais carteiras escolares). Tal argumento não se sustenta na medida em que, não havendo objeto, o contrato deixa de existir no mundo jurídico. Logo, não se pode alterar o que juridicamente não existe.
Também caberia a argumentação, e apenas por amor ao debate, no sentido se entender que nos contratos de aquisição que prevejam cláusula acessória de garantia, tal previsão inviabilizaria a extinção do contrato. Todavia, não é recente o entendimento do Tribunal de Contas da União quanto à desnecessidade de o prazo de garantia legal ou contratual integrar o prazo de vigência dos contratos administrativos, uma vez que tal cláusula, além de acessória, se insere no campo da responsabilidade civil, tendo sobrevida mesmo após a extinção do contrato. Em precedente paradigmático, no qual aquela Corte de Contas analisou a aquisição de um equipamento por um órgão Federal, fixando prazo de garantia não inferior a 5 anos, o Tribunal considerou que o objeto do contrato já teria sido integralmente executado e pago, e que, em virtude disso, não haveria mais nenhum serviço pendente e tampouco saldo remanescente a pagar a justificar a vigência do contrato. Reconheceu que o contrato só permanecia em vigor em razão da garantia técnica fixada no instrumento. Diante dessa conclusão, o Tribunal assim decidiu[6]:
[…]8.2. dar à determinação constante do item II, do Ofício – 3a Secex 1.064/00, que comunicou ao IPqM a deliberação tomada por esta Primeira Câmara, em sessão de 06.06.00, contida na Relação 44/00, Ata 19/00, a seguinte redação:
[…]II – observe, nas contratações futuras, as disposições constantes da Lei nº 8.666/93, art. 57, que dispõe sobre o prazo da duração dos contratos, sem incluir no período de vigência o prazo de garantia, uma vez que esse direito, de acordo com o que preceitua o art. 69, e o § 2º, do art. 73, todos da Lei nº 8.666/93, perdura após a execução do objeto do contrato.
Mais recentemente, a Advocacia-Geral da União, reforçando tal entendimento, fez publicar a Portaria AGU nº 44//2025, alterando a Orientação Normativa nº 51 para o seguinte teor:
A garantia legal ou contratual do objeto tem prazo de vigência próprio e desvinculado daquele fixado no contrato, permitindo eventual aplicação de penalidades em caso de descumprimento de alguma de suas condições, mesmo depois de expirada a vigência contratual.
Sendo assim, por qualquer ângulo que se observe, os contratos instantâneos sempre se esgotam com o adimplemento da obrigação principal, independentemente do consumo integral do prazo de vigência pactuado. Ou, caso não satisfeita a obrigação, extinguem-se pela denúncia de uma das partes. Como dito alhures, se a obrigação não é satisfeita dentro do tempo determinado, o contrato permanece vivo no mundo jurídico. Somente quando uma das partes o denuncia é que o contrato se extingue[7]. Pode ser o contratante, que decide não aguardar mais a execução; ou o contratado, que reconhece a impossibilidade de fazê-lo. Em ambos os casos, haverá consequências a desfavor do contratado caso não se verifique nenhuma excludente de responsabilidade (caso fortuito, força maior, culpa da Administração ou fato de terceiro).
Nos dois exemplos acima, estamos falando de um contrato instantâneo, de execução imediata, pois se esgotam imediatamente após a sua conclusão.
Mas, se no primeiro exemplo o contrato prevê a realização de 10 turmas ao longo de 10 meses, sendo programada a realização de uma turma a cada mês, ainda assim estamos falando de um contrato instantâneo, porém, de execução diferida, pois, nestes, a prestação a ser cumprida se dará em tempo futuro, momento a partir do qual, assim que alcançado, a obrigação se dará por esgotada. Encerrada a última turma, o contrato estará automaticamente extinto. Pelos mesmos fundamentos acima, caso as 10 turmas se realizem antecipadamente, o contrato estará automaticamente extinto pelo esgotamento de seu objeto. Se, ao revés, passados 10 meses e as turmas não tiverem sido concluídas, o contrato não se considerará extinto, porquanto não satisfeita integralmente a obrigação principal.
No segundo exemplo, se a aquisição das 500 carteiras escolares se deu em 10 parcelas de 50 unidades pelo período de 10 meses, também teremos um contrato instantâneo de execução diferida. Caso o contratado entregue a totalidade das carteiras de forma antecipada, extinto estará o contrato a partir da entrega total do objeto; se, ultimado o prazo fixado no instrumento, mas não entregue a totalidade das carteiras, o contrato não estará extinto.
2.2 – Contratos de duração
Diversamente dos contratos instantâneos, que, em geral, se exaurem com o adimplemento da obrigação principal, nos contratos de duração a obrigação permanece ativa ao longo de toda a relação contratual. Para esta categoria de contratos, nas palavras de Orlando Gomes[8]:
No que diz respeito aos contratos de duração, são aqueles cuja execução não pode ser realizada em um só instante. Subdivide-se essa espécie em contratos de execução periódica (ou de trato sucessivo) – executados mediante prestações periodicamente repetidas – e contratos de execução continuada – aqueles cuja prestação é única, mas ininterrupta
Exemplificando, um contato de assinatura de um periódico jurídico, em que se estabeleça a obrigação da entrega dos exemplares publicados pelo prazo de um ano, temos um contrato de duração, porém de execução periódica, pois a cada adimplemento, o objeto é diverso (cada exemplar entregue é distinto do anterior). Mas um serviço de vigilância patrimonial armada constitui um contrato de execução continuada, posto que a prestação é a mesma se repetindo durante todo o período contratado.
Pode-se afirmar, portanto, que nos contratos de duração, tanto o de execução periódica, como o de prestação continuada, a parte principal do objeto é o tempo, pois a “coisa”, obrigação principal, é executada ao longo de toda vigência do contrato. Enquanto durar o contrato, a “coisa” permanecerá sendo adimplida pelo contratado, sendo o esgotamento do tempo o responsável pela extinção do contrato. Ultimada a data fatal de vigência, cessa imediatamente, para a parte, o dever de prestar a obrigação.
Se nos contratos instantâneos há a necessidade de fixação de dois prazos, recorde-se, o de execução e o de vigência; nos contratos de duração, basta a fixação do prazo de vigência, uma vez que esta coincide com a execução.
3 – O que deve ser entendido como contrato de “escopo predefinido?
Feita a distinção entre contrato instantâneo e contrato de duração, os primeiros são os que importam para o fim a que se destina este trabalho. Compreendê-los e identificá-los é crucial para possamos entender o verdadeiro conteúdo e alcance dos dispositivos relativos aos contratos de escopo predefinido. A novel norma legal assim discorre:
Art. 111. Na contratação que previr a conclusão de escopo predefinido, o prazo de vigência será automaticamente prorrogado quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato. (GN)
Em primeiro lugar, bom que se diga que essa categoria não existia na norma anterior. Quanto à duração dos contratos, A Lei nº 8.666/1993 identificava e distinguia apenas os contratos relativos a projetos contemplados no plano plurianual (art. 57, I), os de natureza contínua (art. 57, II) e os de locação de equipamentos e de uso de programas de informática (art. 57, IV). Fazia alusão ainda aos contratos de conteúdo regido predominantemente pelas normas do direito privado (art. 62, § 3º). Logo, a categoria de contratos de escopo predefinido representa uma inovação legislativa.
Outro destaque importante é que essa expressão apresenta certa atecnia. Ora, escopo é objeto. E todo contrato tem como um de seus pressupostos de existência, o objeto. Também a expressão predefinido em nada contribui, uma vez que o já aqui transcrito art. 104, II do Código Civil é cristalino em identificar que, para a existência e validade do negócio jurídico, o objeto deve ser possível, determinado ou determinável. Portanto, a expressão “escopo predefinido” não distingue nenhum contrato do outro, uma vez que todo contrato terá escopo predefinido. A nova lei tenta trazer uma definição, porém, nesse aspecto, o legislador não foi muito feliz:
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
[…]XVII – serviços não contínuos ou contratados por escopo: aqueles que impõem ao contratado o dever de realizar a prestação de um serviço específico em período predeterminado, podendo ser prorrogado, desde que justificadamente, pelo prazo necessário à conclusão do objeto;
Partindo do método de interpretação filológico, que, segundo a escola de Savigny é o primeiro a ser utilizado, pois busca a compreensão da norma a partir do sentido semântico da escrita da lei, verifica-se que o dispositivo faz alusão a uma sinonímia entre serviço não contínuo e serviço por escopo. Mas, como já estudado, nem todo contrato não contínuo é necessariamente de execução instantânea.
Sendo assim, o que o conteúdo da norma pretende indicar quando se refere a contratos de escopo predefinido são, em verdade, aqueles contratos instantâneos, de execução imediata ou de execução diferida. Leia-se: contratos de aquisição, contratos de obras e contratos de serviços profissionais predominantemente intelectuais.
3.1 – Efeitos da prorrogação nos contratos instantâneos e nos contratos de duração
Da distinção entre contratos instantâneos (de escopo predefinido) e de duração, decorre que a extensão da sua duração no tempo tem finalidades e provoca efeitos diversos.
Uma vez que os primeiros se esgotam com o adimplemento da obrigação principal, sua eventual prorrogação tem uma única e específica finalidade, qual seja: a de propiciar o cumprimento da obrigação principal que não teria sido adimplida dentro do tempo determinado no instrumento. O não cumprimento do prazo tanto pode ser por culpa do contratado, como do contratante, ou ainda por fato de terceiros, caso fortuito ou força maior, estes últimos, excludentes de responsabilidade da parte. Daí porque, por consectário lógico, ao se falar em prorrogação do contrato instantâneo, está-se falando de prorrogação do prazo de execução (período dentro do qual a obrigação principal tem de ser cumprida), o que empurra automaticamente o prazo de vigência.
Se a prorrogação serve ao desiderato de possibilitar o adimplemento da obrigação principal, significa que essa extensão da duração do contrato no tempo não acarreta aumento da despesa, pois o preço permanece o mesmo. Apenas haverá mais tempo para a parte cumprir a obrigação pactuada.[9]
Tal efeito não ocorre nos contratos de duração. Considerando que a obrigação deve ser prestada enquanto for vigente o contrato, uma vez estendida a sua duração, o objeto é integralmente renovado, consequentemente, a despesa é imediatamente aumentada, pois, agora, com a prorrogação, a obrigação se renova por um novo período.
Retornando aos exemplos acima oferecidos, se as carteiras escolares não forem entregues dentro do prazo, a prorrogação do contrato apenas permitirá que o contratado as entregue, mas o valor do contato não sofrerá qualquer alteração. O efeito financeiro consequente ficará em torno da necessidade de reparação por parte daquele que deu causa ao não cumprimento da obrigação no tempo assinado. Se por culpa do contratado, este arcará com a multa de mora (art. 162, da Lei nº 14.133/2021); se a culpa for da Administração contratante ou, caso haja caracterização de excludente de responsabilidade da parte (arts. 188 e 393 do Código Civil), poderá ser promovida a revisão do contrato (art. 124, II, d, da Lei nº 14.133/2021).
Mas, no outro exemplo, se prorrogado o contrato de vigilância patrimonial armada por um novo período de um ano, o órgão também renovará a despesa, pois terá de pagar pelo novo período. Não por outra razão, o Tribunal de Contas da União, na vigência da lei licitatória primitiva, tinha entendimento consolidado no sentido de que, nos contratos que admitiam prorrogação, o valor da despesa referente às possíveis prorrogações deveria ser levado em consideração para definição das modalidades licitatórias (convite, tomada de preços e concorrência).[10]
4 – A aplicação do instituto da prorrogação automática
A nova lei de licitações traz um importante avanço em matéria de gestão dos contratos, ao prever a possibilidade de se promover, de forma automática a prorrogação dos contratos de execução instantânea, ou, como o legislador preferiu definir, os contratos de escopo predefinido.
E a medida é, de fato, alvissareira, porquanto estamos tratando de contratos nos quais o atraso na execução costuma ser muito frequente, notadamente, nas aquisições e nas obras. É bastante conhecido o problema de atrasos na entrega de materiais e bens, bem como o atraso em obras, que, nesse caso específico, parece ser um problema crônico inclusive no âmbito privado, pois muitas variáveis interferem no cronograma, desde falhas de projetos, que exigem ajustes ao longo da execução, até mesmo condições climáticas.
Quando ocorrem os atrasos na execução, muito frequentemente os fiscais se deparam com o clássico dilema: rescindir o contrato e convocar outra empresa na ordem de classificação ou por meio de uma contratação emergencial, ou aguarda pelo contratado, conferindo-lhe mais prazo para concluir o objeto? E, muitas vezes, esse dilema se repete várias vezes em um mesmo contrato, pois o contratado pode atrasar a execução em várias etapas do cronograma. Quando isso ocorre, a tendência é se decidir por pela espera do contratado, pois quanto mais avança o cronograma, maior é o prejuízo para o projeto com a rescisão do contrato.
Nesse contexto e tomando por base a legislação anterior, todas as vezes que o contratado atrasava a execução e a fiscalização autorizava a prorrogação, eram realizados todos os procedimentos administrativos relativos à formalização dos respectivos termos de aditamento contratual, isto é: elaboração da justificativa técnica; elaboração da minuta do termo e submissão à assessoria jurídica; assinatura das partes; e, finalmente, a publicação do extrato do aditivo na imprensa oficial.
Todos esses procedimentos eram tomados em tantas quantas vezes houvesse necessidade de prorrogar a execução. Não é tarefa das mais difíceis imaginar o dispêndio da administração para realização desses procedimentos, ou seja, o custo com a movimentação da máquina administrativa com horas de trabalho de diversos profissionais caros à Administração, publicações oficiais e etc.
A nova lei de licitações e contratos veio à luz com uma finalidade muito visível, que é a de provocar o aperfeiçoamento do processo de contratação e a modernização da gestão dos contratos. Institutos como, o estabelecimento do princípio do planejamento como pedra angular da fase preparatória (art. 5º), o dever de observância do princípio da gestão por competência (art. 7º), a aproximação do Poder Público com o setor privado a partir da criação da modalidade diálogo competitivo (art. 6º, XLII) e do reforço à utilização da audiência pública (art. 21), são exemplos que revelam o caráter mais flexível do novo regime de contratações públicas. No campo dos contratos, a ideia central é tornar os órgãos e entidades do Poder Público um parceiro de negócios mais interessante ao setor privado. A redução da tolerância com atrasos de pagamento (art. 137, § 2º), a inclusão do princípio da segurança jurídica no rol de princípios norteadores do instituto da licitação de modo a reduzir a instabilidade da relação contratual (art. 5º), o dever de adimplemento da parcela incontroversa nos casos de discordância sobre a medição (art. 143), e as várias menções ao dever de manutenção ao equilíbrio econômico-financeiro (arts. 6º, XXVII; 103, § 4º; 104, § 2º; 124, II, d; 130, caput; 131; 137, § 3º, II), refletem esse perfil inovador no regime jurídico dos contratos administrativos. Com o talento habitual, Gabriela Pérsio[11] destaca o cenário em que se encontrava a lei primitiva e o viés finalístico da nova lei, destacando que:
Há alguns anos se discute a chamada crise da teoria contratual administrativa. Em breves palavras, pode-se dizer que, ao longo dos anos, a existência de um único regime jurídico contratual mostrou-se inadequada para o alcance dos objetivos de interesse público e a possibilidade do exercício, muitas vezes equivocado, de prerrogativas pela Administração contratante relegou seus potenciais contratantes privados, parceiros naturais de negócios, à posição de oponentes, criando um ambiente de insegurança jurídica, com graves reflexos nos aspectos econômicos do contrato.
[…]Com efeito, o interesse privado passou a ocupar certo protagonismo, reconhecendo-se a sua importância para o negócio jurídico e a importância da sua satisfação para a satisfação do próprio interesse público. Princípios basilares da Teoria Geral dos Contratos foram trazidos para o seu texto, de forma expressa ou implícita, o exercício de prerrogativas foi mitigado e novos espaços para o consenso foram criados, num evidente objetivo de melhorar o ambiente de negócios. Nesse sentido:
Uma dessas facetas é, sem sombra de dúvidas, a possibilidade de prorrogação automática dos contratos de execuções instantânea, medida que tem a virtude de tornar o contrato administrativo mais flexível, menos burocrático e mais estável. Vale reprisar sua redação, agora de forma completa:
Art. 111. Na contratação que previr a conclusão de escopopredefinido, o prazo de vigência será automaticamente prorrogado quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato.
Parágrafo único. Quando a não conclusão decorrer de culpa do contratado:
I – o contratado será constituído em mora, aplicáveis a ele as respectivas sanções administrativas;
II – a Administração poderá optar pela extinção do contrato e, nesse caso, adotará as medidas admitidas em lei para a continuidade da execução contratual.
Veja-se que, agora, os contratos que se enquadram no conceito de escopo predefinido, vale lembrar, os contratos instantâneos, agora não mais necessitam de ver realizados todos os procedimentos e rotinas afetas aos aditamentos contratuais para que o prazo da execução seja estendido no tempo.
Destaque-se que o dispositivo legal não deixa margem de dúvida a respeito de quando se deve utilizar dessa excelente ferramenta, ou seja, sempre que objeto não for concluído no período firmado no contrato. Vale ainda destacar, a respeito desse ponto, que não importa o motivo pelo qual o objeto não fora concluído. Basta esse fato e, por óbvio, o juízo de conveniência e oportunidade da Administração direcionado a aguardar a execução, que o contrato estará estendido no tempo.
4.1 – A constituição do contratado em mora
O parágrafo único do dispositivo acima transcrito, bem como o seu inciso I deixam a orientação para o caso específico de a inclonclusão do objeto decorrer de culpa do contrato. Nesses casos, o Fiscal ou o Gestor deverá constituí-lo em mora. No vernáculo pátrio, mora é sinônimo de demora ou delonga. No contexto jurídico, significa atraso no cumprimento de uma obrigação.
Mais uma vez nos socorrendo das teorias do Direito Privado, a mora do devedor — no nosso caso, a parte contratada — necessita estar devidamente configurada para que seja possível a adoção das medidas de contingência e responsabilização previstas no contrato (aplicação de multas e outras cláusulas contratuais de natureza penal). Nesse contexto, a mora do devedor restará caracterizada diante da presença de um elemento objetivo e um elemento subjetivo. O primeiro é fático, isto é, o não cumprimento da obrigação dentro do prazo assinado. Cumprida a obrigação nos termos do contrato, afastada estará a mora. O segundo, é a existência de conduta culposa ou dolosa por parte do devedor no sentido do não cumprimento do prazo. Em outro dizer, é a verificação de que, ciente do prazo a ser cumprido, o contratado agiu voluntariamente (dolo) ou de forma desidiosa (culpa) na direção da não satisfação da obrigação no prazo determinado.
A mora pode ser manifestada de duas formas, a saber: mora ex re e a mora ex personae. A primeira (arts. 390; 397, caput e 398, do Código Civil), decorre da lei ou do contrato, resultando do próprio fato da inexecução da obrigação; na segunda (art. 397, par. único e 771 do Código Civil), a mora se aperfeiçoa com a providência do credor — no nosso caso, a Administração contratante. Essa modalidade de mora ocorre nos casos em que o instrumento contratual não fixou o prazo para a execução da obrigação. Daí porque, nesses casos, o devedor deve ser chamado a cumprir a obrigação. Essa providência é chamada de constituição em mora.
Muito embora o contrato administrativo, via de regra, estabeleça prazos para a execução das obrigações por parte do contratado, o que se vê é que o art. 111, parágrafo único, inciso I da Lei no. 14.133/2021 instituiu a modalidade de mora ex personae para os casos de prorrogação automática, na medida em que exige uma providência da Administração (credor), qual seja a de constituir em mora o contratado a fim de aperfeiçoar a condição de descumprimento do prazo de execução.
Sendo assim, diante do atraso na execução, e tão logo que tal ocorra, deve a fiscalização encaminhar ao contratado uma notificação dando-lhe conta de que suas obrigações estão em atraso, interpelando-o a cumpri-las no menor tempo possível, e ressaltando que o atraso não justificado acarretará a aplicação das multas e demais sanções previstas no contrato. Feito isso, o contratado estará constituído em mora, o que autoriza a prorrogação automática do prazo de execução, sem embargo, frise-se, da aplicação da multa de mora e demais sanções administrativas previstas.
4.2 – O procedimento da prorrogação automática
Em que pese o teor da disposição normativa ser cristalino, a prorrogação automática não é um instituto autoexecutável, por não constituir prerrogativa exorbitante[12] a favor da Administração, ou seja, não se pode simplesmente invocá-la. É mister que haja cominação contratual nesse sentido. Essa é uma condição necessária e a inexistência dessa cláusula impedirá a providência descrita no já citado art. 111, da Lei no.14.133/2021, exigindo que, a prorrogação seja realizada nos moldes tradicionais.
Havendo cláusula contratual, o próximo passo, antes de se encaminhar a notificação ao contratado, é a verificação da sua regularidade fiscal, devendo ainda ser consultado o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep). Além disso, devem ser emitidas as certidões negativas de inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas e juntá-las ao respectivo processo, tudo, nos exatos termos do art. 91, § 4º da norma regente.
Com essas providências e a administração poderá encaminhar a notificação ao contratado para constituí-lo em mora, sendo que é justamente nessa interpelação que a Administração deverá indicar que o prazo da execução estará automaticamente prorrogado. Sendo assim, é a notificação, que deverá ser inequivocamente recebida pelo contratado, que opera a prorrogação do contrato. Mas, fica a pergunta: prorrogado por quanto tempo?
A lei não especifica por qual prazo o contrato permanecerá ativo com essa medida, mas sem muito esforço interpretativo, considerando a finalidade da prorrogação, o período, regra geral, deverá ser o mesmo originalmente fixado para o cumprimento da obrigação. Se o prazo original era para execução em trinta dias, a prorrogação automática será por mais trinta dias; se o prazo era de seis meses, este será o prazo da prorrogação. No entanto, a Administração poderá fixar outro prazo que lhe seja mais conveniente para o cumprimento da obrigação, desde que menor. Importa destacar que se a prorrogação for de uma etapa intermediária do cronograma, a duração total do contrato será empurrada para frente na mesma proporção.
Isto porque, é possível que a Administração entenda inconveniente a devolução integral do prazo original e, por esse motivo, venha a fixar prazo mais curto para que o contratado cumpra a obrigação pactuada. A notificação que constituirá o contratado em mora é o instrumento por meio do qual a Administração comunicará o período de tolerância a ele dirigido. Esse período jamais poderá ser superior ao originalmente pactuado, considerando que tal procedimento poderia conduzir à percepção de que haveria desnaturação das condições originais da avença oferecida ao mercado, com claros reflexos no universo de possíveis competidores e na formulação das propostas dos licitantes. Nada obstante, não se nega que, em caso de novo atraso, justificadamente, a Administração poderá lançar mão novamente da prorrogação automática para ver satisfeita a obrigação, desde que demonstrado tratar-se da solução mais adequada ao interesse coletivo.
Cumprida, finalmente, a obrigação, deverá a Administração processar o desconto direto na fatura dos valores relativos à multa moratória prevista no edital ou no contrato (art. 162) e, se entender pertinente, poderá também instaurar processo, visando aplicação das demais sanções previstas, tudo, claro, se o atraso for atribuído à culpa do contratado.
Conforme indicamos antes, o contrato de execução instantânea somente se extingue pelo cumprimento da obrigação ou denúncia de uma das partes, jamais, pelo simples decurso de tempo. É justamente essa característica que baliza a orientação traçada pelo inciso II do dispositivo em análise.
Não satisfeita a obrigação, poderá a Administração determinar a extinção do contrato, com fulcro no art. 138, I da Lei no. 14.133/2021. A continuidade da prestação, ou seja, a realização do remanescente se dará por meio de uma nova licitação ou pelo instituto da dispensa de licitação, previsto no art. 90, § 7º da norma geral[13]. Não se olvide que também o contratado poderá denunciar o contrato. Vale lembrar que a prorrogação, mesmo que seja automática, pode ser recusada pelo contratado. O momento de fazê-lo é no aquele imediatamente após o recebimento da notificação. Portanto, a notificação também deverá fixar prazo, a nosso aviso, que deve ser exíguo, para que o contratado se manifeste, dando conta de que o silêncio da parte, configura aceitação. No prazo assinado, o contratado poderá manifestar a impossibilidade de executar a obrigação, o que acarretará a extinção do contrato, pelo mesmo fundamento, ou seja, de forma unilateral pela Administração. E, finalmente, em qualquer dos casos, a Administração deverá instaurar o devido processo de responsabilização, na forma do art. 158 da norma geral, com o fito de apurar a extensão do dano e demais circunstâncias do caso concreto para aplicação das sanções previstas no instrumento.
5 – Formalização das alterações contratuais: distinção entre aditamento contratual e apostilamento e suas respectivas aplicações
O aditamento ou aditivo contratual é o instrumento jurídico complementar ao contrato destinado a formalizar uma alteração dos termos e condições originalmente pactuados. Serve tanto para promover alterações unilaterais como as consensuais.
O aditivo contratual deve ser o instrumento utilizado sempre que for necessário criar, suprimir ou modificar cláusula contratual que represente obrigação a ser cumprida e que não estava originalmente prevista, como acréscimos e supressões, alterações de projeto ou de especificações, modificação do regime de execução ou do modo de fornecimento, ou ainda alterações de metodologias de execução.
Não é necessário que a alteração a ser formalizada por aditivo tenha reflexos financeiros. Em muitos casos isso não ocorrerá, mas representará uma modificação na estrutura de obrigações originalmente contraídas. Seria o caso, e.g. da alteração de requisitos de perfil profissiográfico em contratos com emprego de mão de obra dedicada. Tal alteração não atrai qualquer reflexo financeiro no contrato, mas altera a obrigação da contratada, quando do momento em que for captar mão de obra no mercado. O aditamento contratual tem as seguintes características:
- altera as obrigações inicialmente pactuadas;
- deve ser formalizado por meio de instrumento próprio (art. 91);
- dependente de análise jurídica prévia (art. 53, §4º.);
- deve ser assinado pelas partes;
- a publicidade se dá na mesma forma do contrato (art. 94);
Já a apostila se constitui em um ato administrativo unilateral de natureza declaratória, consistente em uma anotação ou registro que complementa ou esclarece o contrato. Tem lugar sempre que se promove uma inclusão que não afeta nenhuma obrigação já pactuada ou, em alguns casos, ainda que afetem uma dada obrigação, representam mera aplicação de cláusula contratual originalmente estabelecida.
Ao contrário do aditamento, que não encontra definição normativa, a apostila recebeu a seguinte definição na nova lei:
Art. 136. Registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes situações:
I – variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato;
II – atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato;
III – alterações na razão ou na denominação social do contratado;
IV – empenho de dotações orçamentárias.
Percebe-se que a conceituação legal se aproxima do conceito doutrinário, mesmo não sendo precisamente adequado. O caput do art. 136 diz que a apostila seria o veículo para “registros que não caracterizam alteração do contrato”. É aqui que reside a imprecisão, pois toda inclusão, modificação ou supressão de cláusula contratual é, em essência, uma alteração do contrato. Mas, tomando a natureza das hipóteses previstas nos seus incisos, diga-se, que tem natureza exemplificativa, percebe-se que se tratam de alterações, sim, mas que não modificam nenhuma obrigação entabulada entre as partes ou, que, mesmo representando uma alteração de obrigação, são simples reflexo da aplicação de cláusula contratual já existente. Senão vejamos.
A variação do valor contratual decorrente do reajuste ou repactuação, altera a obrigação de pagamento, pois modifica o valor inicialmente pactuado. Mas, essa alteração é simples consequência de aplicação da fórmula estabelecida no próprio contrato. Ou seja, a modificação do valor já estava prevista, mas precisava do decurso do tempo e das informações necessárias (o valor da variação do índice de reajuste eleito) que somente seriam conhecidas em tempo futuro. Logo, não traz exatamente uma nova obrigação. É o mesmo raciocínio para o caso de eventual pagamento de valores a título de correção monetária ou descontos de valores referentes à aplicação de multa de mora. Desde o início do ajuste, já havia previsão para essas duas situações, mas que somente impactaria o contrato diante da ocorrência do respectivo fato gerador. Já a alteração de endereço de domicílio da parte, denominação social ou da conta corrente por onde devem ser realizados os pagamentos, alteração societária ou do representante legal perante a Administração são casos típicos de alterações que não representam modificação de nenhuma obrigação pactuada.
No mesmo sentido é a conceituação emprestada na obra Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU, Tribunal de Contas da União, 5ª Ed.[14]:
Apostila: Apostila é a anotação ou registro administrativo de modificações contratuais que não alteram a essência da avença ou que não modifiquem as bases contratuais. Na prática, a apostila pode ser feita no termo de contrato ou nos demais instrumentos hábeis que o substituem, normalmente no verso da última página, ou juntada por meio de outro documento ao termo de contrato ou aos demais instrumentos hábeis.
Em resumo, a apostila carrega os seguintes caracteres:
- não altera as obrigações inicialmente pactuadas;
- não exige formalização apartada;
- não depende de análise jurídica prévia;
- não necessita de assinatura do contratado;
- não exige publicação oficial;
6 – O apostilamento como instrumento de registro da prorrogação automática.
Alguns autores defendem a ideia segundo a qual a prorrogação automática deve ser formalizada por Termo Aditivo, nos mesmos moldes da prorrogação ordinária[15]. Em que pese a razoabilidade das argumentações jurídicas, sou força a, respeitosamente, discordar. Entendemos que a prorrogação automática exige registro formal, mas este deverá ser feito por simples apostila ao contrato[16].
Em primeiro plano cumpre salientar que ainda na vigência do regime anterior, o Tribunal de Contas da União já se mostrava sensível com as questões atinentes às prorrogações de contratos por escopo, justamente pelas dificuldades que se revelavam diante das muitas paralisações de execução, mormente nos casos de obras. Cite-se, à guisa de exemplo, o teor do Acórdão no. 127/2016, Plenário:
Em regra, a prorrogação do contrato administrativo deve ser efetuada antes do término do prazo de vigência, mediante termo aditivo, para que não se opere a extinção do ajuste. Entretanto, excepcionalmente e para evitar prejuízo ao interesse público, nos contratos de escopo, diante da inércia do agente em formalizar tempestivamente o devido aditamento, é possível considerar os períodos de paralisação das obras por iniciativa da Administração contratante como períodos de suspensão da contagem do prazo de vigência do ajuste.
Nota-se que a preocupação da Corte Federal de Contas era justamente a preservação do interesse público, no sentido de a Administração não perder a oportunidade de adotar a melhor solução possível nos casos em que a execução não era adimplida integralmente dentro do prazo assinado. Vale recordar que, não raro, extinguir um contrato já em fase avançada de cronograma raramente representa solução mais adequada quando o próprio contratado, ainda que em mora, tem condições de ir até o final e entregar o objeto tal qual como contratado.
Agora, com a previsão no novo regime, a prorrogação automática, contendo previsão contratual, se constituirá em mera aplicação de condição já prevista no respectivo instrumento, do mesmo modo que a aplicação da cláusula do reajuste ou da correção monetária, o que, de per si, faz coincidir com uma das aplicações do instrumento da apostila, na esteira do que foi dito acima. Como a lei prevê e autoriza essa possibilidade e o contrato a regulamenta, não se estará criando, suprimindo ou alterando qualquer obrigação originalmente avençada a justificar a formalização por meio de termo de aditamento. Por lado outro, a prorrogação terá por finalidade única a conclusão do escopo que não foi integralmente satisfeito dentro do prazo inicialmente ajustado, não havendo, pois, qualquer alteração das bases financeiras do contrato.
Veja-se que a própria Lei no. 14.133/2021 apresenta, um pouco mais à frente essa solução. Senão vejamos:
Art. 115. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.
(…)
§5º. Em caso de impedimento, ordem de paralisação ou suspensão do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente pelo tempo correspondente, anotadas tais circunstâncias mediante simples apostila. (GN)
A controvérsia, portanto, cai por terra a partir da redação emprestada ao dispositivo acima transcrito, o qual indica expressamente a apostila como instrumento de formalização para a prorrogação automática do cronograma de execução.
Em consulta formulada pelo IFSUDESTE/MG dirigida à Advocacia-Geral da União, o Núcleo de Licitações e Contratos da AGU se manifestou, por meio da NOTA n. 00019/2023/NLC/ETRLIC/PGF/AGU[17], positivamente quanto à utilização da apostila como meio de registrar a prorrogação automática prevista no art. 111 da norma regedora da espécie, assim o fazendo nos seguintes termos:
Conclui-se, pois, que é desnecessária a celebração de termo aditivo para a prorrogação de vigência do presente contrato, nos termos do art. 111, da Lei n. 14.133/2021 e Cláusula Segunda, item 2.1.1. do contrato, sendo recomendável, porém, que a situação de não conclusão do objeto seja certificada e formalizada nos autos, inclusive com registro no novo cronograma físico-financeiro, para fins de registro e controle. (GN)
Por fim, e ainda por mero apego ao debate, a adoção da tese no sentido de que a prorrogação deva ser realizada por meio de termo aditivo, conduziria ao inafastável resultado de tornar o teor do art. 111 da Lei no. 14.133/2021 letra morta, pois, ao ter de realizar todos os trâmites inerentes ao procedimento ordinário de prorrogação dos contratos, a providência descrita naquele dispositivo se igualaria a qualquer prorrogação contratual.
7 – Conclusões
De tudo o que foi exposto, é possível concluir, que:
- nas contratações que envolvem escopo predefinido, a não conclusão da execução dentro do prazo assinado no instrumento contratual poderá ensejar a prorrogação automática do prazo de execução;
- entende-se por contrato de escopo predefinido, os contratos instantâneos, tanto de execução imediata, como os de execução diferida, notadamente, as aquisições, as obras e os serviços técnicos especializados de execução predominantemente intelectual;
- para fins de aplicação do instituto da prorrogação automática, faz-se mister a cominação contratual, sem a qual, a prorrogação deverá seguir os moldes e procedimentos ordinários;
- tendo sido prevista a referida cláusula nesse sentido e diante do atraso na execução, a Administração poderá dela se valer para promover a extensão da duração do contrato no tempo, devendo dar ciência ao contratado de que ele terá prazo estendido para concluir a obrigação;
- sendo atraso decorrente de culpa do contratado, a Administração deverá constituí-lo em mora por meio da expedição de notificação;
- antes de expedir a notificação, porém, a Administração deverá verificar se o contratado mantém as condições de regularidade fiscal, bem como extrair as certidões negativas mencionadas no art. 91, § 4º da lei de regência;
- a notificação deverá conter: a) menção de que o contratado está em mora, e que já está submetido à aplicação da multa correspondente, sem prejuízo das demais sanções previstas no instrumento; b) prazo para o contratado se manifestar, justificando o atraso e/ou declinar da execução; c) menção de que o silêncio dentro daquele prazo, implicará prorrogação automática do prazo de execução, com presunção de culpa do contratado; d) indicação do prazo que se está concedendo a título de prorrogação.
- verificada a regularidade documental do contratado e expedida a notificação, o recebimento da mesma é suficiente para provocar a prorrogação do ajuste pelo prazo estipulado na notificação, que poderá ser igual ou menor do que aquele originalmente pactuado;
- a formalização da prorrogação automática se fará por meio de simples apostila ao contrato, considerando tratar-se de mera aplicação de cláusula contratual já prevista;
- a prorrogação automática poderá ser recusada pelo contratado, o que promoverá a extinção do contrato de forma unilateral pela Administração, fulcrado no art. 138, I da Lei Geral; e,
- a Administração poderá optar, a qualquer tempo, pela extinção do contrato com base no mesmo dispositivo legal acima citado, caso entenda não ser conveniente aguardar a conclusão do contatado.
O espírito da nova lei geral de licitações e contratos é o de tornar mais célere, mais justo e mais flexível o ajuste havido entre a Administração Pública e o particular, de modo que as oportunidades de negócio possam ser mais disputadas e que o resultado das disputas seja mais vantajoso para a Administração, em defesa ao resguardo do interesse público primário.
A possibilidade de se promover prorrogação automática para esses casos específicos, dispensando-se a burocracia ordinariamente adotada para as prorrogações contratuais, milita a favor desse desiderato e contribui para uma gestão mais ágil e eficaz.
[1] STJ, REsp 1772730/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamim, julg. Em 26/05/2020.
[2] GOMES, Orlando. Contratos. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 70. Acompanham esse mesmo entendimento: Gustavo Tepedino, Carlos Nelson Konder, Paula Greco Bandeira, Sílvio de Salvo Venosa e Carlos Gonçalves.
[3] Op. Cit., p. 81
[4] São consideradas principais as obrigações que subsistem por si, não dependendo de qualquer outra obrigação (como a obrigação de dar, fazer ou pagar). As obrigações acessórias, por sua vez, estão subordinadas a outra relação jurídica (como fiança, juros e cláusula penal), de forma semelhante à definição trazida aos bem, no art. 92 do Código Civil. In, GONÇALVES, Carlos Roberto. Teoria geral das obrigações. Coleção Direito civil brasileiro volume 2. 17ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020
[5] DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 148.
[6] Decisão nº 202/2002, Primeira Câmara, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, julg. em 14/05/2002.
[7] No Acórdão nº 1.823/2013, Plenário, o TCU reconheceu a possibilidade de retomada de contrato de obra, relativo à construção do novo terminal de passageiros do aeroporto de Goiânia, que ficou paralisado por seis anos.
[8] Op. Cit., p. 81
[9] Caso a obrigação não tenha sido satisfeito por culpa da Administrações, poderá haver aumento da despesa para garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
[10] Nesse sentido, vide TCU, Acórdão nº 1.084/2007, Plenário. Rel. Min. Marcos Vinicius Vilaça, julg. Em 06/06/2007: “Adote a modalidade adequada de acordo com os arts. 23 e 24 da Lei nº 8.666/1993, c/c o art. 57, inciso II, da Lei nº 8.666/1993, de modo a evitar que a eventual prorrogação do contrato administrativo dela decorrente resulte em valor total superior ao permitido para a modalidade utilizada, tendo em vista a jurisprudência do Tribunal (Vide também Acórdãos 842/2002 e 1725/2003, da Primeira Câmara e Acórdãos 260/2002, 1521/2003, 1808/2004 e 1878/2004, do Plenário).”
[11] PÉRSIO, Gabriela. Os contratos da Lei nº 14.133/2021: uma análise considerando o contexto de mudanças e a necessidade de avanços. ONLL, disponível em: https://www.novaleilicitacao.com.br/2024/02/09/os-contratos-da-lei-no-14-133-2021-uma-analise-considerando-o-contexto-de-mudancas-e-a-necessidade-de-avancos/
[12] Sobre o regime jurídico dos contratos administrativos na nova lei de licitações, leia-se: CARVALHO, Guilherme. O contrato na Lei nº 14.133/2021: Aproximação ao Direito Privado?, Conjur, maio/2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mai-14/licitacoes-contratos-contrato-lei-14133-aproximacao-direito-privado/ Acessado em 20/05/2021.
[13] Na legislação anterior, a contratação de remanescente de obra, serviço ou compra era tratada como circunstância que admitia a dispensa de licitação, com previsão no art. 24, XI. No atual regime, em que pese deslocado do rol de situações que autoriza a dispensa constante do art. 75, entendemos que a regra do art. 90, § 7º traduz verdadeira hipótese de dispensa de licitação vez que a contratação do remanescente configura uma nova contratação. Se o citado dispositivo legal autoriza a contratação sem a realização do procedimento licitatório prévio e sendo o objeto perfeitamente licitável, caracterizado está uma hipótese de dispensa de licitação.
[14] Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/publicacoes-institucionais/cartilha-manual-ou-tutorial/licitacoes-e-contratos-orientacoes-e-jurisprudencia-do-tcu Acessado em 20/05/2024.
[15] Nesse sentido, vide ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa in Nova lei de licitações: É necessário formalizar a prorrogação automática de um contrato de escopo por meio de termo aditivo? Dispon[ivel em: https://www.migalhas.com.br/depeso/392833/licitacoes-necessario-efetuar-prorrogacao-de-contrato-escopo Acessado em 20/05/2025.
[16] No mesmo sentido, vide BARRETO, Lucas Hayne Dantas, in Tratado da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – São Paulo: ed. JusPodivum, 2021, p. 1370 e BARCELOS, Daniel Ribeiro, in Contrato por escopo e o instrumento adequado para a sua prorrogação. Conjur, maio/2024. Dispon[ivel em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-12/contrato-por-escopo-e-o-instrumento-adequado-para-a-sua-prorrogacao/ Acessado em 20/05/2025.
[17] Disponível em: https://sig.ifsudestemg.edu.br/public/downloadArquivo?idArquivo=1923017&key=afac9be9d1a38c1a7f95ee1ff51353b3 Acessado em 21/05/2025.