Análise do Decreto nº 12.304/2024: Compliance como Ferramenta de Promoção da Integridade nas Contratações Públicas”

Resumo

Este artigo analisa o  Decreto nº 12.304, de 9 de dezembro de 2024, que regulamenta o art. 25, § 4º, art. 60, caput, inciso IV e art. 163, parágrafo único da Lei nº 14.133/2021 relacionados à implantação e avaliação de programas de integridade em contratações públicas. O texto explora o contexto, as obrigações impostas a licitantes e contratados, os critérios de avaliação e o impacto do decreto na administração pública e no setor privado, promovendo a ética e a transparência nas relações contratuais.

1. Introdução

O conceito de compliance, amplamente difundido no âmbito corporativo, refere-se ao conjunto de medidas adotadas por organizações para garantir a conformidade com normas legais, regulamentares e éticas. Essa abordagem busca mitigar riscos, prevenir irregularidades e promover boas práticas de governança. No Brasil, a incorporação de mecanismos de compliance no setor público ganhou maior relevância com a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, que estabeleceu a responsabilização de empresas por atos lesivos contra a administração pública. Posteriormente, outras normativas, como o Decreto nº 8.420/2015 e a Lei nº 14.133/2021, reforçaram a necessidade de medidas efetivas de integridade e transparência em contratações públicas.

Com a promulgação da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, o Brasil deu um passo significativo em direção à modernização das normas que regem as licitações e os contratos administrativos. Entre suas inovações, a exigência de programas de integridade como condição para determinadas contratações foi um dos pilares estabelecidos para fortalecer a ética e a transparência. Em resposta, o Decreto nº 12.304/2024 foi editado para regulamentar esses dispositivos, promovendo critérios objetivos para a implementação e avaliação de tais programas.

O presente artigo busca examinar o impacto do Decreto nº 12.304/2024, abordando os contextos legal e operacional em que se insere, detalhando suas principais disposições e analisando suas implicações para a administração pública e o setor privado.

2. Contexto Legal e Justificativa

A Lei nº 14.133/2021 substituiu normativos anteriores, como a Lei nº 8.666/1993, a Lei 10.520/2002 e dispositivos da Lei 12.462/2011, conhecida como RDC – Regime Diferenciado de Contratações,  trazendo dispositivos inovadores, entre eles a previsão de programas de integridade em três situações principais: contratações de grande vulto, critérios de desempate e reabilitação de licitantes sancionados. O Decreto nº 12.304/2024 detalha essas exigências, oferecendo uma regulamentação uniforme para órgãos da administração federal direta, autárquica e fundacional, além de se aplicar às esferas estaduais e municipais que utilizem recursos oriundos de transferências voluntárias da União.

A justificativa para essas medidas reside na necessidade de mitigar riscos de corrupção, fortalecer a governança corporativa e promover maior transparência nas contratações públicas. A exigência de programas de integridade busca também alinhar o Brasil a padrões internacionais de boas práticas em compliance.

A Lei nº 14.133/2021, além de introduzir mecanismos de governança nas contratações públicas, estabeleceu a obrigatoriedade de implementação de programas de integridade pelas empresas licitantes, com o objetivo de fortalecer a transparência nesses processos. Essa exigência está prevista nos seguintes dispositivos:

Art. 25, § 4º:”Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.”

De acordo com a definição do Art. 6º, XXII, consideram-se contratos de grande vulto aqueles cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais). Importante observar que, conforme dispõe o Art. 182 da própria Lei, todos os valores mencionados na Lei nº 14.133/2021 serão anualmente reajustados. Atualmente, o valor de referência para os contratos de grande vulto é acima de R$ 250.902.323,87 (duzentos e cinquenta milhões novecentos e dois mil trezentos e vinte e três e oitenta e sete centavos).

A Lei nº 14.133/2021 reforça a importância de programas de integridade não apenas como requisito em contratações públicas de grande vulto, mas também como critério de desempate em licitações, conforme disposto no Art. 60:


“Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:


(…)
IV – empresas que comprovem a prática de mitigação, nos termos da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009.”

Esse dispositivo destaca a valorização de práticas empresariais que promovam a responsabilidade socioambiental e a integridade, alinhando-se aos objetivos da Lei nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Assim, empresas que demonstrem esforços concretos na mitigação de impactos ambientais podem se beneficiar em processos licitatórios, fomentando uma cultura de sustentabilidade e ética no setor público e privado.

A Lei nº 14.133/2021 também contempla a possibilidade de reabilitação de licitantes ou contratados penalizados, estabelecendo critérios específicos no Art. 163:


“É admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, exigidos, cumulativamente:


(…)
Parágrafo único. A sanção pelas infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável.”

As infrações mencionadas nos incisos VIII e XII do Art. 155 referem-se a:

  • Inciso VIII: “Apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato.”
  • Inciso XII: “Praticar ato lesivo previsto no Art. 5º da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).”

Dessa forma, para que o licitante ou contratado se reabilite, será necessário cumprir todas as exigências legais, como o pagamento de multa, e implementar ou aperfeiçoar um programa de integridade (compliance). Essa exigência reforça o compromisso da nova legislação com a ética, a transparência e a integridade nas contratações públicas, contribuindo para a prevenção de práticas ilícitas e a promoção de um ambiente de negócios mais responsável.

Esses são os dispositivos regulamentados pelo Decreto nº 12.304/2024, que detalha os procedimentos e critérios relacionados aos programas de integridade, critérios de desempate e reabilitação de licitantes ou contratados, conforme previsto na Lei nº 14.133/2021.

3. Entenda o Decreto nº 12.304/2024:

O Decreto nº 12.304, de 9 de dezembro de 2024, regulamenta artigos da Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos) no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Seu objetivo é detalhar como os programas de integridade devem ser avaliados em contratações de grande vulto, desempates em licitações e reabilitação de licitantes sancionados.

O que são Programas de Integridade?

Segundo o Decreto, programas de integridade são conjuntos de mecanismos e procedimentos internos que visam prevenir, detectar e corrigir desvios, fraudes e irregularidades, além de promover ética e transparência. Esses programas devem ser ajustados às características e aos riscos das organizações, incluindo ações para:

  • Prevenção e combate à corrupção;
  • Mitigação de impactos sociais e ambientais;
  • Promoção de direitos humanos e uma cultura ética.

Quando os Programas de Integridade são Obrigatórios?

A obrigatoriedade abrange as seguintes situações:

  1. Contratações de grande vulto: Aplicável a contratos de alto valor, considerando aditivos que aumentem o custo total.
  2. Critério de desempate em licitações: Quando licitantes declaram possuir um programa de integridade.
  3. Reabilitação de licitantes sancionados: Empresas penalizadas precisam comprovar a implantação ou o aperfeiçoamento do programa.

Parâmetros para Avaliação

Os programas serão avaliados com base em 17 parâmetros que incluem, entre outros:

  • Comprometimento da alta direção;
  • Códigos de conduta e políticas aplicáveis a empregados, fornecedores e terceiros;
  • Treinamentos e comunicação contínuos;
  • Controles internos e contábeis precisos;
  • Canais de denúncia e proteção ao denunciante;
  • Medidas disciplinares e de remediação;
  • Gestão de riscos e adaptação constante.

A avaliação leva em conta o porte e as especificidades da organização, como estrutura, mercado de atuação e grau de interação com o setor público.

Atuação da Controladoria-Geral da União (CGU)

A CGU é responsável pela supervisão e avaliação dos programas. Suas atividades incluem:

  • Preventivas: Produção de guias, análises setoriais e orientações para aprimoramento.
  • Repressivas: Instauração de processos para responsabilização em casos de descumprimento.

Sanções por Descumprimento

Empresas que descumprirem as exigências estão sujeitas a sanções administrativas, como:

  • Advertência;
  • Multas entre 1% e 5% do valor do contrato;
  • Impedimento de licitar e contratar;
  • Declaração de inidoneidade.

Infrações que também configurem atos lesivos à administração pública seguirão os procedimentos previstos na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Aplicações e Vigência

O Decreto também se aplica a concessões, permissões de serviços públicos e parcerias público-privadas (PPPs). Ele entrará em vigor 60 dias após sua publicação, ou seja, em 7 de fevereiro de 2025.

4. Impactos e Implicações Práticas

O Decreto nº 12.304/2024 impõe desafios significativos tanto para as empresas quanto para a administração pública. As empresas precisam adaptar-se aos critérios exigidos, implementando controles internos robustos e promovendo uma cultura de ética e conformidade em suas operações. Já para a administração pública, o desafio reside na efetiva fiscalização das exigências estabelecidas pelo decreto e na capacitação adequada dos agentes públicos responsáveis pela avaliação e supervisão dos programas de integridade.

Por outro lado, o decreto representa um importante avanço na construção de um ambiente de negócios mais transparente. Ele estimula a concorrência justa, fortalece a confiabilidade nas relações público-privadas e promove práticas que aumentam a integridade e a responsabilidade nas contratações públicas.

5. Considerações Finais

O Decreto nº 12.304/2024 consolida um avanço significativo no fortalecimento do compliance nas contratações públicas, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais de governança e ética. Ao regulamentar a exigência de programas de integridade, o decreto não apenas promove a transparência e a prevenção de irregularidades, mas também contribui para a construção de um ambiente de negócios mais competitivo e justo.

Sua implementação bem-sucedida, entretanto, dependerá da cooperação entre administração pública e setor privado, bem como da capacitação dos agentes envolvidos no processo de avaliação e supervisão. Além disso, a fiscalização eficiente e a adoção de boas práticas pelas empresas licitantes serão elementos-chave para garantir que os objetivos sejam plenamente alcançados.

Por fim, o Decreto nº 12.304/2024 reafirma a importância da ética e da integridade como valores fundamentais para a gestão pública e para o desenvolvimento sustentável do país, estabelecendo uma base sólida para avanços futuros nas relações entre o poder público e a iniciativa privada.

Referências

BRASIL. Decreto nº 12.304, de 9 de dezembro de 2024. Regulamenta dispositivos da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União, Brasília, 1 abr. 2021.

NOHARA, Patrícia Diom. Nova Lei de Licitações e Contratos Comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

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