Não raro, em cursos ministrados sobre contratações no âmbito do Sistema “S”, surgem as seguintes questões: quais as diferenças entre credenciamento e sistema de registro de preços? É possível adotar os dois procedimentos para o mesmo objeto?
O objetivo desse breve artigo é responder a essas perguntas.
O credenciamento é um sistema por meio do qual se oportuniza a participação de todos os interessados em executar determinado objeto, de acordo com requisitos de qualificação e remuneração definidos pela própria contratante.
Portanto, o que justifica a existência do credenciamento é o interesse de se obter o maior número possível de particulares realizando a prestação do objeto.
Isso porque, por vezes, em vista da grande demanda, o objeto pretendido exige uma pluralidade de profissionais, o que inviabiliza, a princípio, a contratação de uma única empresa e/ou único profissional, situação que exige acurada justificativa no processo.
Por essa razão, o fundamento jurídico do credenciamento é a inexigibilidade de licitação por inviabilidade de competição (art. 10, “caput”, do Regulamento), uma vez que todos os possíveis interessados que cumprem os requisitos exigidos poderão ser contratados, conforme jurisprudência pacífica do TCU:
‘1. O credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art. 25 da Lei 8.666/93 (cujos incisos são meramente exemplificativos). Adota-se o credenciamento quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Nessa situação, a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados.
Representações formuladas por cidadão e por escritórios de advocacia questionaram supostas irregularidades ocorridas em licitação realizada pelo Centro de Apoio aos Negócios e Operações Logísticas de São Paulo (Cenop Logística São Paulo) do Banco do Brasil S.A., para o credenciamento de sociedades de advogados. OMinistro Benjamin Zymler, em voto revisor, salientou que o modelo de contratação efetuado pelo Banco do Brasil não poderia ser classificado como credenciamento. Em seu entendimento, ‘o credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art. 25 da Lei 8.666/1993 (cujos incisos são meramente exemplificativos). Adota-se o credenciamento quando a administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços’. Nessa situação, afirmou que ‘a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da administração de restringir o número de contratados’. No caso concreto, entende o revisor, existe a possibilidade de competição, ‘mas não há interesse da administração de contratar número significativo de escritórios’. Nesses termos, concluiu que ‘o modelo adotado pelo Banco do Brasil não pode ser classificado como credenciamento, pois desatende o requisito essencial, qual seja, maximizar o número de prestadores de serviços, atendidos os requisitos mínimos estipulados em edital’. Assim, a par das irregularidades enumeradas no voto revisor (não adoção de uma das modalidades de licitação previstas em lei; previsão de contratação simultânea de mais de um licitante para o mesmo objeto; não adoção do contrato administrativo disciplinado na Lei 8.666/93, dentre outras), o Plenário, com a anuência do relator, acatou a proposta revisora, concedendo medida cautelar inaudita altera pars e determinando ‘a suspensão do certame (…) por não observar as disposições relativas às licitações previstas na Lei 8.666/1993, bem assim aquelas que regem os contratos administrativos’, bem como a oitiva da entidade. Acórdão 3567/2014-Plenário, TC 018.515/2014-2, revisor Ministro Benjamin Zymler, 9.12.2014.’[1] (grifou-se)
“O credenciamento, enquanto espécie de inexigibilidade de licitação, é ato administrativo de chamamento público de prestadores de serviços que satisfaçam determinados requisitos, constituindo etapa prévia à contratação, devendo-se oferecer a todos igual oportunidade de se credenciar. (…). Acórdão 436/2020 Plenário.”[2]
O credenciamento, portanto, se pauta na necessidade da contratação de todos os possíveis interessados em executar dado objeto nas condições impostas o que, se justificado, caracteriza a inviabilidade de competição apta a ensejar a inexigibilidade de licitação. Ora, inexistindo competição não há que se falar em licitação, pois a primeira (competição) é premissa da segunda (licitação). São exemplos de objetos passíveis de credenciamento, a depender da demanda da entidade: serviços médicos, odontológicos, instrutoria, etc.
Por outro lado, o Sistema de Registro de Preços – SRP, previsto no Capítulo VIII do Regulamento de Licitações e Contratos, consubstancia-se num procedimento precedido de licitação (na modalidade concorrência ou pregão), destinado ao registro de preços para viabilizar contratações futuras, utilizado nas hipóteses previstas, a saber:
“Art. 33. O registro de preço, sempre precedido de concorrência ou de pregão, poderá ser utilizado nas seguintes hipóteses:
I – quando for mais conveniente que a aquisição demande entrega ou fornecimento parcelado;
II – quando, pelas características do bem ou do serviço, houver necessidade de aquisições frequentes;
III – quando não for possível estabelecer, previamente, o quantitativo exato para o atendimento das necessidades”. (grifou-se)
Assim, tem-se que o SRP é um procedimento de licitação que se distingue das licitações comuns, pois estas visam a formalização, após o término do certame (homologação e adjudicação), de instrumento contratual voltado à contratação da integralidade do objeto especificado em instrumento convocatório, e no SRP a Entidade, em virtude de não poder precisar de pronto suas demandas (quanto e/ou quando), apenas efetua o registro dos preços em Ata e posteriormente, a medida de sua necessidade, efetiva as contratações por intermédio de instrumento contratual adequado, apenas da quantidade que precisar, quantas vezes achar necessário, respeitadosos quantitativos máximos delimitados em edital eo prazo de vigência da Ata, sem estar, entretanto, obrigada a contratar toda a quantidade licitada, nos termos do art. 36 do Regulamento:
“Art. 36. O registro de preço não importa em direito subjetivo de quem ofertou o preço registrado, de exigir a aquisição, sendo facultada a realização de contratações de terceiros sempre que houver preços mais vantajosos”.
Ou seja, após a homologação do certame, a entidade identifica o fornecedor com o melhor preço[3] e o chama para assinar a Ata de Registro de Preços.
Nesse sentido são as disposições do art. 35, do Regulamento de Licitações e Contratos:
“Art. 35. Homologado o procedimento licitatório, o licitante que ofertou o preço a ser registrado será convocado para assinar o respectivo instrumento, no qual deverá constar, dentre outras condições, o seu compromisso de entregar os bens ou fornecer os serviços na medida das necessidades que lhe forem apresentadas, observado o disposto no art. 25.”
A finalidade da realização da licitação para o Sistema de Registro de Preços é, consequentemente, a seleção de um proponente, a saber, aquele que atendeu a todas as exigências feitas e apresentou a proposta de menor valor.
E, a Ata de Registro de Preços caracteriza-se, principalmente, por sua natureza pré-contratual, ou seja, a Ata cria apenas uma relação jurídica preliminar entre a Entidade e o fornecedor, prescrevendo as condições em que a contratação futura será realizada.
Em outras palavras, pode-se dizer que a Ata cria a obrigação para o particular de atender à solicitação da Entidade, quando feita dentro do prazo de validade do registro, mas não cria a obrigação propriamente dita de fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços, a qual somente surge com a celebração do contrato ou do instrumento equivalente, conforme o caso, que deve ser firmado na medida das suas demandas efetivas.
Percebe-se, dessa forma, antes as características de cada qual, queo credenciamento e a licitação para o SRP são procedimentos de contratação distintos e antagônicos, pois enquanto o primeiro visa viabilizar a contratação do maior número possível de interessados e se fundamenta na inexigibilidade em razão de não existir competição, o segundo (SRP) pressupõe competição e objetiva a escolha daquele que apresentar a proposta de menor valor, sendo que, como regra, apenas um fornecedor tem condições de atender a necessidade da entidade.
Diante disso e em vista de um procedimento afastar o outro, na medida que o caso concreto deve exigir a contratação de todos (credenciamento) ou então ser satisfeito com execução do objeto por um único interessado (licitação/SRP), o que demanda justificativa adequada em face das peculiaridades existentes, não se entende possível a adoção de ambos para atendimento de uma mesma situação (satisfação de um mesmo interesse). Ou seja, ou a licitação é inviável em decorrência da inexistência de exclusão (contratação de todos que tenham interesse) ou ela é imposta por existir competição, nem que seja em tese, e a exclusão deverá ocorrer com a seleção da proposta mais vantajosa.