DILIGÊNCIAS. POSSIBILIDADE DE JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. LIMITES E ALCANCE NO ÂMBITO DAS LICITAÇÕES PÚBLICAS.

Em recente Acórdão nº 2443/21, julgado em 06/10/21, decidiu o Plenário do TCU reforçar o entendimento jurídico consubstanciado no Acórdão 1211/21, cujo teor consolidou diretrizes para o tema das diligências em sede de licitações públicas.

Antes de analisarmos mais minuciosamente as razões jurídicas declinadas no aludido Acórdão, lembramos que a legislação permite a solicitação e juntada de novos documentos após abertura da sessão pública do certame, apenas em sede de diligências, e desde que estes sirvam para esclarecer dúvidas, imprecisões ou insuficiência de informações pertinentes a documentos já apresentados pelo licitante. Isso porque, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, Afinal, a finalidade das diligências:

“reside em dissipar dúvida razoável suscitada pela informação ou documento anteriores, no que estão, pois, embutidas as seguintes ideias: a) o documento ou informação já devem constar do processo, se demandados pelo edital; b) o teor do documento ou informação é propiciatório de mais de uma intelecção – e não, pois apenas de uma intelecção”. [1]

O Acórdão em exame, conforme síntese fática consignada no Informativo 424, decorre de Representação proposta por uma empresa que foi inabilitada do certame. O GAP-RJ entendeu imprescindível a comprovação da participação de engenheiro indicado como responsável técnico nos serviços elencados no atestado apresentado. Por entender que a empresa “trouxera documentação nova visando a essa comprovação, com data de emissão posterior à abertura do certame, o órgão decidiu inabilitá-lo”.

Ocorre que o Ministro Relator em harmonia com a unidade técnica do Tribunal de Contas da União, dando razão aos argumentos contidos na Representação da empresa entendeu equivocada a decisão de sua inabilitação. Isso porque constataram que “apesar de a CAT 24097/2021 ter sido emitida em 9/3/2021, esta se refere à participação do Engenheiro Químico nos serviços descritos a partir de 3/6/2020, quando foi incluído no quadro técnico da empresa, portanto em momento anterior à realização do certame”. Nesse compasso, a Corte de Contas decidiu que:

Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim)”.  (destaques do autor)

Vale dizer, para a Corte de Contas a vedação à inclusão de documento “que deveria constar originariamente da proposta”, deve se restringir ao que o licitante não dispunha até o momento da abertura da licitação. Ainda, extraímos da passagem acima que pequenas falhas formais e materiais no conteúdo da documentação devem ser avaliadas pela autoridade que conduz o certame, e, se for o caso, sanadas em prol da competitividade do certame e do interesse público.

O entendimento do TCU, não se distancia da jurisprudência do STJ, que em decisão no MS 5418/DF, informou que é juridicamente cabível juntar documentos visando explicar e complementar outro já existente ou ainda objetivando produzir contraprova e demonstrar erro da decisão da administração, sem transgredir princípios constitucionais e legais. [2]

Examinando mais detalhadamente as razões jurídicas mencionadas no Acórdão 1211/21, para o qual remeteu o Min. Relator do Acordão 2443/21, verificamos que para o TCU as regras de licitações e a jurisprudência estão sempre em evolução quanto à temática, pois basta observar que diante da falta de juntada de comprovantes de regularidade fiscal pelo licitante, nada impede que o próprio agente público, que conduz o certame consulte os sítios públicos nos quais constem tais documentos.

A propósito, essa é a recomendação do art. 40, § único, do Decreto 10.024/2019 e é nessa toada e alinhamento, que, segundo o TCU, deve ser interpretada a regra fixada no art. 43, §3º da Lei 8.666/93.[3] O entendimento nos leva a concluir que o Decreto tal como a Lei vedam à inclusão de novos documentos após a abertura da sessão pública do certame, entretanto, possibilitam a realização de diligência, que pode solicitar novo documento, para complementar informações necessárias à verificação de fatos e direitos existentes à época da abertura do certame.

A Corte de Contas reforça sua interpretação sistemática à luz do atual ordenamento jurídico e do regime jurídico público, recorrendo também ao art. 64 da Nova Lei de Licitações e Contratações públicas, que no seu entender “se alinha com a interpretação de que é possível e necessária a requisição de documentos para sanear os comprovantes de habilitação ou da proposta, atestando condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame”, in verbis:

Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:
I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.
 

Efetivamente, o art. 64 da Nova Lei corrobora os demais textos normativos fixados em leis e decreto, que vedam a inclusão de novos documentos, mas que também possibilitam a execução de diligência para a complementação de informações necessárias à apuração de fatos e direitos existentes à época da entrega da documentação para participação do certame.

Por conta do tratamento legal conferido ao tema das diligências e da sua própria jurisprudência, abaixo reproduzida, concluiu o TCU que nada obsta o envio de novo documento, desde que este não promova alteração ou modificação no anteriormente apresentado. Para clarear os argumentos, o Ministro Relator exemplifica a questão:

“Por exemplo, se não foram apresentados atestados suficientes para demonstrar a habilitação técnica no certame, talvez em razão de conclusão equivocada do licitante de que os documentos encaminhados já seriam suficientes, poderia ser juntado, após essa verificação no julgamento da proposta, novos atestados de forma a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época da entrega dos documentos de habilitação.” (Acórdão 1.211/21)

O entendimento jurisprudencial acima exarado não se afasta dos ensinamentos da melhor doutrina, como a de Ronny C. L. de Torres, que sintetiza a questão em torno do art. 64 da Nova Lei afirmando que, na habilitação, a priori, não cabe substituição ou apresentação de novo documento, a exceção ocorre apenas mediante o instituto da diligência. Porém, esta hipótese, é excepcional, e ocorre apenas nos casos definidos na lei. Acerca das hipóteses de cabimento ou não da diligência esclarece o autor:

Nessa feita, por exemplo, se os documentos de habilitação técnica foram juntados, mas há dúvida sobre o seu conteúdo, a diligência pode admitir a juntada de novo documento. Contudo, caso a empresa não tenha juntado os respectivos documentos, não cabe diligência para tal finalidade. Ao menos, foi essa a regra estabelecida pelo legislador. Por outro lado, falhas formais ou materiais nos documentos (erro de digitação, no cnpj, ou no nome da empresa, por exemplo) podem ser saneados pelo agente de contratação, pregoeiro ou comissão de contratação”. [4]

Em resumo, para a Corte de Contas a admissão da juntada de documentos para fins de complementação e atualização, que apenas visam atestar condição pré-existente ao momento de abertura da sessão pública do certame, em sede de diligências, é cabível, pois, em tese, não afronta os princípios da isonomia e igualdade entre as empresas licitantes, nem fere os princípios da vinculação ao edital e do interesse público da Administração em contratar a melhor proposta.[5]

Consequentemente e amparados em uma interpretação lógica, podemos afirmar que, para o TCU, a proibição de se incluir novo documento “não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”. (Acórdão 2.443/21)

Para arrematar, acerca do tema, recomendamos leitura do texto “Habilitação. Falhas na certidão negativa de falência e regularização”, produzido pela JML Consultoria e publicado na RJML PÁG. 85 | ED. 28 | SET | 2013, como também sugerimos o texto “Qual a melhor intepretação para o art. 64 da nova lei de licitações, que trata das diligências, segundo o TCU?” de autoria de Danielle Regina Wobeto de Araujo. Publicado no blog da JML (https://www.blogjml.com.br/?area=artigo&c=cc7f7ad035e5ed62a45ea2dc10362c45&busca=)
 
 
 


[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 554.
[2]STJ. Rel. Min. Demócrito Reinaldo – MS 5418/DF – DJE 01.06.1998.
[3]Decreto 10.024/2019. Art. 40, § único. A documentação exigida para atender ao disposto nos incisos I, III, IV e V do caput poderá ser substituída pelo registro cadastral no Sicaf e em sistemas semelhantes mantidos pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, quando a licitação for realizada por esses entes federativos.
Lei 8.666/93. Art. 43. (…). §3º. É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.
[4]TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações públicas comentadas. 12 ed. São Paulo: IusPodivum, 2021. P. 345.
[5]Oportuno recordar também do já clássico posicionamento do STF: “Se a irregularidade praticada pela licitante vencedora, que não atendeu à formalidade prevista no edital licitatório, não lhe trouxe vantagem nem implicou prejuízo para os demais participantes, bem como se o vício apontado não interferiu no julgamento objetivo das propostas, não se vislumbrando ofensa aos demais princípios exigíveis na atuação da Administração Pública, correta é a adjudicação do objeto da licitação à licitante que ofereceu a proposta mais vantajosa, em prestígio do interesse público, escopo da atividade administrativa. (RO em MS n. 23.714-1, DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence).”

Danielle Regina Wobeto de Araujo

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