EM QUAIS CASOS APLICA-SE A MODALIDADE DIÁLOGO COMPETITIVO?

A Lei 14.133/2021 inovou em relação às modalidades licitatórias ao excluir o convite e a tomada de preços e incluir o diálogo competitivo, conforme se depreende do rol elencado no art. 28.

A definição desta nova modalidade está prevista no art. 6º, inciso XLII, da novel legislação, e consiste na “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos”.

Nos termos do art. 32, da Lei 14.133/2021 e de acordo com a doutrina, o diálogo competitivo é restrito a contratações em que a Administração Pública “i)vise a contratar obra, serviço ou bem que envolva inovação tecnológica ou técnica cuja necessidade não possa ser satisfeita a partir da adaptação de soluções já disponíveis no mercado, bem como as especificações do objeto não possam ser definidas com precisão suficiente (condições cumulativas); e ii) tenha que definir e identificar os meios e alternativas aptas à satisfação de sua necessidade, com destaque aos seguintes aspectos: a) solução técnica mais adequada; b) requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; ou c) estrutura jurídica ou financeira do contrato”[1].

Considerando as inovações tecnológicas e ou soluções complexas disponíveis no mercado, a nova modalidade busca amenizar as incertezas da Administração que muitas vezes não consegue, de plano, identificar qual seria a solução adequada para satisfazer a uma necessidade específica, convocando, portanto, os particulares a participarem de um diálogo, onde serão discutidas as soluções que poderiam satisfazer àquela necessidade.

De tal maneira, é o entendimento doutrinário exarado ainda na fase de projeto da lei:

“É natural que a Administração Pública não tenha conhecimento das principais inovações tecnológicas, de soluções complexas ou de todos os meios aptos a atender a sua demanda. Ela tem conhecimento de sua necessidade, mas não sabe como supri-la. Nesse sentido, as hipóteses previstas nos incisos I e II do artigo 32 do projeto da nova lei de licitações são interessantes na medida em que propiciam ao particular apresentar à Administração Pública soluções que ela normalmente não teria conhecimento ou teria dificuldade em definir o objeto e as especificidades contratuais, tudo de modo transparente e legítimo.”[2]

E, também, após sancionada a Lei:

“Por vezes, o setor público tem ciência apenas do problema que pretende resolver, porém, não possui conhecimento técnico para elaborar até mesmo um projeto básico do objeto que pretende licitar, por não dispor de elementos acerca da melhor forma de atendimento dessa demanda, em especial quando a solução cabível sequer está disponível de maneira pronta e acabada no mercado. Para este tipo de situação é que se mostra pertinente a licitação por diálogo competitivo.”[3]

No que se refere ao procedimento dessa nova modalidade prevista no art. 32[4]da Lei 14.133/2021, verifica-se que há duas etapas, são elas: diálogo e competição. Na primeira, a Administração divulga edital para manifestação de interessados, no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis. Os licitantes pré-selecionados realização rodadas de diálogos com a Administração que, a despeito do que preconiza o inciso VIII, do §1º, do art. 32 da Lei 14.133/2021, deverá juntar aos autos do processo licitatório os registros e gravações da fase de diálogo. Concluída esta etapa, novo edital deve ser publicado, com prazo mínimo de 60 (sessenta) dias úteis para recebimento das propostas, processando-se assim a fase competitiva, conforme critérios definidos no edital:

“Ao final desses diálogos, o órgão público selecionará a melhor solução com base em critérios técnicos e econômicos, e a divulgará em novo edital para que então seja dado início à tradicional fase de competição, na qual todos os licitantes poderão realizar propostas.”[5]

“Encerrada a fase do diálogo propriamente dito, passa-se para a fase de competição, prevista nos incisos VIII, IX e X do § 1º do artigo 32 do projeto da nova lei de licitações. A Administração Pública deverá deflagrar um novo edital para contratar a solução desejada apresentada na fase de diálogo. O edital conterá as especificações da solução a ser contratada e os critérios objetivos para a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que diz respeito aos tipos de licitação, como se fosse uma licitação na modalidade concorrência.”[6]

Por conta da complexidade dos diálogos propostos, deverá a Administração ter a cautela de compor comissão com servidores ou empregados públicos que detenham o mínimo de conhecimento na área demandada, para um julgamento correto das soluções que serão apresentadas. Por outro lado, caso a estrutura de pessoal com conhecimento técnico seja limitada, é permitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão, conforme expresso no art. 32, § 1º, inc. XI, abaixo colacionado:

“Art. 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração:
(…)
§ 1º Na modalidade diálogo competitivo, serão observadas as seguintes disposições:
(…)
XI – o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão;” (grifou-se)

A esse respeito, inclusive, é o que expõe a doutrina, ponderando ainda outros desafios que a Administração pode encontrar:

Considerando as especificidades do diálogo, o legislador possibilitou que a Administração Pública, se for o caso, proceda à contratação de profissionais para o assessoramento técnico (e não para a condução do procedimento) da comissão de contratação.
Como podemos, em linhas gerais, perceber, a finalidade desta nova modalidade é possibilitar que a Administração Pública, diante da existência de uma necessidade em que se denote a impossibilidade de, de forma prévia e objetiva, identificar a melhor solução tecnológica ou o meio e alternativas capazes de atendê-la, estabeleça diálogos públicos e transparentes com o setor produtivo privado, de modo a selecionar o projeto que seja o mais adequado, eficiente e vantajoso.
Decerto, a criação de uma nova modalidade traz consigo diversos desafios no enfrentamento prático de sua implementação por parte dos gestores públicos, que, muitas vezes, não possuem a expertise e infraestrutura técnica e de pessoal necessária para implementá-la.
Por outro lado, não é incomum que o gestor público se depare, na prática, com problemas para os quais as soluções comuns não seriam capazes de solucioná-los, ou, ainda, sequer possam ser identificadas de pronto, sendo necessária a realização de levantamentos e análises de mercado prévias para que, somente após, sejam realizados os estudos técnicos preliminares e, com ele, o respectivo termo de referência e/ou projeto para a deflagração da licitação.  
Os desafios que podem ser destacados vão desde a ausência de quadro técnico especializado, pois, quando muito, a Administração, notadamente no âmbito de entes municipais, possui servidor concursado para a condução de suas licitações, até os de cunho tecnológico, já que, para dar transparência à fase de diálogo, há que ser realizada a gravação, com recursos de áudio e vídeo, das audiências com todos os licitantes, bem como a sua materialização para que seja juntada aos respectivos autos do processo licitatório.
Um outro desafio reside no fato de que, diante das várias possíveis soluções que serão apresentadas à Administração Pública na fase de diálogo, deverá o gestor ter a isenção necessária – e técnica, por assim dizer – para construir um edital que possa tornar competitiva a terceira fase da licitação, notadamente com critérios objetivos de escolha da melhor proposta, na forma do que determina o inciso VIII do § 1º do art. 32 da lei 14.133/21.
Também será desafiador estabelecer, sem que antes seja conhecido previamente o mercado da solução a ser encontrada, os requisitos necessários à pré-seleção dos potenciais interessados, seja para não restringir, indevidamente, a participação (e, futuramente, a competitividade), seja para permitir o estabelecimento do diálogo apenas com aqueles que, de fato, possam apresentar soluções aptas à satisfação da necessidade almejada pela Administração Pública.
Em que pesem os desafios trazidos pela nova modalidade de licitação, acreditamos que a possibilidade de sua utilização poderá trazer enormes benefícios à Administração Pública, a fim de que possa acompanhar, pari passu, as inovações tecnológicas que cada vez mais têm sujeitado as políticas públicas a serem implementadas e o modelo de disponibilização dos serviços públicos aos cidadãos.
 

 


[1]LIMA, Edcarlos Alves. Lei nº. 14.133/2021: o diálogo competitivo e os desafios práticos de sua operacionalização. Revista JML nº. 59, jun/ago de 2021, seção Doutrina, pg. 15.
[2]LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Modalidades de Licitação e Procedimentos Auxiliares. In: NIEBUHR, Joel de Menezes. Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Curitiba: Zênite, 2020. p. 74-75.
[3]Disponível em: .
[4]“Art. 32 (…). § 1º Na modalidade diálogo competitivo, serão observadas as seguintes disposições: I – a Administração apresentará, por ocasião da divulgação do edital em sítio eletrônico oficial, suas necessidades e as exigências já definidas e estabelecerá prazo mínimo de 25 (vinte e cinco) dias úteis para manifestação de interesse na participação da licitação; II – os critérios empregados para pré-seleção dos licitantes deverão ser previstos em edital, e serão admitidos todos os interessados que preencherem os requisitos objetivos estabelecidos; III – a divulgação de informações de modo discriminatório que possa implicar vantagem para algum licitante será vedada; IV – a Administração não poderá revelar a outros licitantes as soluções propostas ou as informações sigilosas comunicadas por um licitante sem o seu consentimento; V – a fase de diálogo poderá ser mantida até que a Administração, em decisão fundamentada, identifique a solução ou as soluções que atendam às suas necessidades; VI – as reuniões com os licitantes pré-selecionados serão registradas em ata e gravadas mediante utilização de recursos tecnológicos de áudio e vídeo; VII – o edital poderá prever a realização de fases sucessivas, caso em que cada fase poderá restringir as soluções ou as propostas a serem discutidas; VIII – a Administração deverá, ao declarar que o diálogo foi concluído, juntar aos autos do processo licitatório os registros e as gravações da fase de diálogo, iniciar a fase competitiva com a divulgação de edital contendo a especificação da solução que atenda às suas necessidades e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa e abrir prazo, não inferior a 60 (sessenta) dias úteis, para todos os licitantes pré-selecionados na forma do inciso II deste parágrafo apresentarem suas propostas, que deverão conter os elementos necessários para a realização do projeto; IX – a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação nem distorçam a concorrência entre as propostas; X – a Administração definirá a proposta vencedora de acordo com critérios divulgados no início da fase competitiva, assegurada a contratação mais vantajosa como resultado;
XI – o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão; XII – (VETADO). § 2º Os profissionais contratados para os fins do inciso XI do § 1º deste artigo assinarão termo de confidencialidade e abster-se-ão de atividades que possam configurar conflito de interesses”.
[5]Idem.
[6]LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Modalidades de Licitação… p.76.

Grupo JML - Consultoria

Publicações recentes

Discricionariedade e Transparência nas Contratações das Entidades do Sistema S: Lições do Acórdão 1998/2024 do TCU 

Por:

A discricionariedade administrativa é um princípio fundamental no Direito Administrativo, permitindo ao agente um espaço para tomar decisões que atendam […]

18 de novembro de 2024

Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: Um Paralelo com a Atuação do Agente Público nos Processos Licitatórios e o Artigo 28 da LINDB 

Por:

1. Introdução:  A discricionariedade administrativa é um conceito central no Direito Administrativo e na atuação dos agentes públicos. Ela se […]

1 de novembro de 2024

ACEITABILIDADE DAS PROPOSTAS NA LEI DAS ESTATAIS

Por: e

Antes de adentrar no tema central deste artigo, cumpre esclarecer que a temática – como não poderia ser diferente – […]

25 de outubro de 2024