ENSAIOS SOBRE O PROJETO DE LEI NO. 4.253/2020: CONTRATOS: CONVOCAÇÃO PARA EXECUÇÃO E CONVOCAÇÃO DE REMANESCENTES NA ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO

O prazo de convocação do vencedor da licitação

Homologada a licitação ou ratificado o ato de sua dispensa ou inexigibilidade, a execução do contrato se inicia com a convocação do adjudicatário para assinar o contrato ou aceitar ou retirar o instrumento equivalente, nos casos em que a lei assim o permite (Ordem de Serviço, Nota de Empenho, Nota de Compra, dentre outros).

É bastante cediço que a proposta vincula o proponente à palavra empenhada, ou seja, implica em obrigação de cumprir aquilo que se propôs a fazer. Mas essa vinculação não pode ser de caráter ad eternum. Não seria razoável admitir que a proposta vinculasse o licitante por tempo indeterminado, mantendo-o na obrigação durante o tempo que a Administração reputasse conveniente. Tal proceder certamente levaria à ruína o proponente nos casos de excessiva demora na convocação, uma vez que os preços tendem a se alterar, comprometendo a relação de justiça estabelecida na data da apresentação da proposta. Aliás, é exatamente o que ocorre frequentemente nas licitações para o Sistema de Registro de Preços. Muitas atas, após publicadas, permanecem intocadas (sem convocação) por vários meses.

A Lei 8.666/1993 contém um dispositivo que garante o equilíbrio da relação contratual quanto a esse aspecto, fixando prazo máximo de convocação para executar o contrato:

Lei no. 8.666/1993:

Art. 64. A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei.

[…]

§ 3o Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos.

Alguns autores entendem que o dispositivo acima transcrito reflete o prazo de validade das propostas, o que é um equívoco. Em primeiro lugar é impróprio falar em validade da proposta, se estamos falando do seu poder vinculante. A proposta será válida se os seus requisitos estiverem preenchidos (firmeza, seriedade, concreção) e se os critérios de aceitabilidade fixados no ato convocatório foram atendidos. Quanto ao poder vinculante da proposta, o correto é tratar da sua eficácia. Eficaz é a proposta que mantém o proponente vinculado à palavra nela empenhada. Assim, uma proposta aceita e classificada na licitação é válida; e permanecerá eficaz (produzirá o efeito jurídico da vinculação) durante o tempo que a lei determinará ou nela estiver estampada.

Dito isto, veja-se que ao se analisar o texto normativo supra, a Lei não fala em prazo de validade (ou eficácia) da proposta. Apenas fixa o período dentro do qual a Administração poderá se servir da proposta vencedora: 60 (sessenta) dias, contados da data da sua apresentação. Ultrapassado esse período, a lei desobriga o licitante do compromisso assumido que, claro, poderá aceitar o encargo, se lhe for conveniente.

Disso decorre que se tornou um hábito os editais de licitação fixarem em 60 (sessenta) dias o prazo de validade das propostas. Em verdade, tal regramento editalício seria até mesmo desnecessário ante ao texto legal, salvo se o edital fixasse prazo menor, o que jamais vi ocorrer nesses trinta anos de carreira.

Vertendo os olhos para as novas disposições, vê-se que a lei conferiu elevado poder discricionário ao gestor, pois não há mais qualquer prazo máximo para a Administração proceder à convocação. Senão vejamos:

PL 4.253/2020:

Art. 89. A Administração convocará regularmente o licitante vencedor para assinar o termo de contrato ou para aceitar ou retirar o instrumento

equivalente, dentro do prazo e nas condições estabelecidas no edital de licitação, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei. (GN)

§ 1º O prazo de convocação poderá ser prorrogado uma vez, por igual período, mediante solicitação da parte durante seu transcurso, devidamente justificada, e desde que o motivo apresentado seja aceito pela Administração.

O prazo de liberação do compromisso, portanto, deixa de existir. Em contrapartida, passa a ser cláusula obrigatória nos editais de licitação a fixação do prazo de validade da proposta. Nesse passo nos perguntamos: será que o edital poderá fixar qualquer prazo mantendo o vencedor da licitação compromissado, por exemplo, por um ano. A resposta, em princípio, é positiva.

A nova lei de licitações parece trazer um pouco mais da liberdade de convenção entre as partes típica do Direito Privado. Porém, devemos lembrar que o contrato administrativo é de adesão. O particular não tem ingerência sobre as cláusulas do contrato. Compete à Administração estabelecer as condições de contratação que se dispõe a observar; e ao particular, interessar-se ou não por tais condições. A liberação do compromisso somente ocorrerá com o transcurso do prazo fixado no edital:

PL no. 4.253/2020

Art. 89

[…]

§ 3º Decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem convocação para a contratação, ficarão os licitantes liberados dos compromissos assumidos.PL no. 4.253/2020

Art. 89

[…]

§ 3º Decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem convocação para a contratação, ficarão os licitantes liberados dos compromissos assumidos.

Portanto, diante das novas regras, o edital poderá fixar prazo até superior àquele estabelecido na Lei no. 8.666/93. Todavia, haverá sério risco de, sendo muito extenso, acabar por desestimular o interesse das empresas. A depender do objeto e da incerteza da contratação, a fixação de prazo muito extenso para a validade das propostas poderá acarretar duas consequências muito negativas: a) preços muito mais elevados; e, b) licitações desertas.

O desatendimento à convocação e o chamamento na ordem de classificação

Naturalmente, um dos riscos inerentes às licitações públicas, é o desatendimento do licitante vencedor à convocação para executar o contrato. Os motivos são os mais variados, mas em geral, dizem respeito à irresponsabilidade do licitante na formulação da sua proposta. Para tais casos, a Lei de 1993 assim prevê:

Lei no. 8.666/1993:

Art. 64

[…]

§ 2o É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei. (GN)

Essa redação sempre causou enorme dificuldade em termos de gestão contratual. Isto porque, muito raramente se conseguia dos demais licitantes, na ordem de classificação, que praticassem o preço do vencedor para celebrar o contrato. Quanto mais, quando o preço do vencedor se mostrava inexequível.

O texto aprovado agora traz um alento, pois viabiliza que se contrate o licitante na ordem de classificação pelo seu próprio preço. Em outras palavras, não será mais necessário que os demais classificados, quando convocados em substituição ao vencedor, tenham de reduzir seus preços ao patamar daquele. Vejamos como ficou a redação:

PL 4.253/2020:

Art. 89

[…]

§ 2º Será facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou não retirar o instrumento equivalente no prazo e nas condições estabelecidas, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor. (GN)

§ 4º Na hipótese de nenhum dos licitantes aceitar a contratação nos termos do § 2º deste artigo, a Administração, observados o valor estimado e sua eventual atualização nos termos do edital, poderá:

I – convocar os licitantes remanescentes para negociação, na ordem de classificação, com vistas à obtenção de preço melhor, mesmo que acima do preço do adjudicatário;

II – adjudicar e celebrar o contrato nas condições ofertadas pelos licitantes remanescentes, atendida a ordem classificatória, quando frustrada a negociação de melhor condição.

Uma vez que o licitante vencedor tenha sido convocado dentro do prazo e não aceito à convocação, o primeiro passo a ser dado é convocar os demais, na ordem de classificação para assumir o encargo pelo preço do vencedor, tal qual o é no antigo regime.

No entanto, diferentemente daquele regime normativo, caso nenhum classificado se disponha a reduzir seu preço ao patamar do vencedor, a Administração poderá retomar as negociações, visando obter o preço mais vantajoso possível, mesmo que superior ao do vencedor inadimplente.

O inciso I do § 4º, do art. 89, em que pese estabelecer que essa nova convocação se dará na ordem de classificação (recordando que a primeira convocação, foi para encontrar um classificado que aceitasse praticar o preço do vencedor), na verdade prevê que todos os classificados serão ouvidos, pois a finalidade do dispositivo é a “obtenção de preço melhor”. Pode ser que o segundo classificado (que será o primeiro a ser ouvido) reduza seu preço (mas ainda acima do vencedor), mas o terceiro classificado, possa reduzir ainda mais. E assim sucessivamente.

Por isso, no caso de ser aplicado o inciso I do dispositivo em análise, todos os licitantes deverão ser ouvidos e ser contratado aquele que ofertar o preço mais vantajoso. Na prática, haverá uma espécie de reabertura do pregão, porém, agora como forma de negociação direta.

Para esse procedimento, penso que a convocação para oferecer novas propostas pode ser feita de uma vez só a todos os classificados, conferindo prazo adequado para aqueles que quiserem, encaminharem novas propostas. Seria, mutatis mutandis, uma nova fase de disputa no formado fechado (PL no. 4.253/20, art. 55, II).

Recebidas as novas propostas, o contrato será direcionado àquele licitante que ofertou o menor preço.

Ultimado o prazo para a vinda das novas propostas, a nova norma prevê a possibilidade de contratação, na ordem de classificação, do licitante melhor classificado pelo seu próprio preço, como dispõe o inciso II do dispositivo em tela.

Esse novo regramento, sem dúvida, atende superiormente o interesse público, na medida em que, o mais das vezes, os casos de não atendimento à convocação se dá em razão de o licitante vencedor não ter preço exequível ou objeto dentro das especificações, apesar de ter se comprometido na licitação. Quando isso ocorre, raramente os demais classificados têm condições de acompanhar seu preço, uma vez que formulado sem a possibilidade de sustentar o contrato.

Tendo recusado a convocação, a Administração procederá da seguinte forma:

1. Convocará, na ordem de classificação, os demais classificados, verificando se desejam receber a adjudicação do objeto pelo preço do vencedor. Se logo o segundo classificado aceitar o encargo nesses termos, o contrato a ele será redirecionado (art. 89, § 2º.);

2. Caso nenhum classificado aceite praticar o preço do vencedor, a Administração retornará à consulta, agora a todos os classificados, para que apresentem novas propostas, mesmo que acima do preço do vencedor, e contratará o que ofertou o melhor preço, independentemente da ordem da sua classificação (art. 89, § 4º, I); ou,

3. Na hipótese de nenhum classificado reduzir seu preço, a Administração convocará, na ordem de classificação, os demais classificados para saber do interesse em aceitar o contrato pelo seu próprio preço (art. 89, § 4º, II).

Não tendo atendido à sua convocação, o vencedor será considerado inadimplente integral do contrato, nos termos do § 5º, do art. 89, do PL no. 4.253/2020. No entanto, essa norma não se aplica aos licitantes remanescentes convocados na forma do § 2º e no § 4º, I. Isto porque os licitantes não são obrigados a reduzir seus preços.

Todavia, também será considerado inadimplente integral do contrato o licitante remanescente que for convocado na forma do art. 89, § 4º, II, caso o prazo de validade das propostas ainda esteja vigente. Isto porque, assumiu o compromisso com o preço que ele próprio ofertou, não podendo dele se esquivar apenas porque não foi o vencedor originário. Em outras palavras, seu compromisso não se encerra com a homologação resultado favorável a terceiros, mas sim, com a sua própria palavra empenhada.

A contratação de remanescentes no novo regime

Outra questão recorrente em matéria de gestão contratual, é a rescisão do contrato por descumprimento contratual. Para essas situações, a Lei no. 8.666/1993 prevê a possibilidade de dispensa de licitação para que possa ser contratada outra empresa para executar o objeto remanescente:

Lei no. 8.666/1993:

Art. 24 – É dispensável a licitação:

[…]

XI – na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;

Contudo, a despeito da previsão normativa, na prática pouco se via contratações com essa fundamentação. Não que a ocorrência de rescisão do contrato por inadimplemento do contrato fosse algo raro. Bem ao contrário. Mas é que muito dificilmente as empresas que participaram da licitação aceitavam praticar o preço do vencedor, ainda mais quando já havia passado vários meses de execução. O PL no. 4.253/2020 não traz mais essa previsão, isto é, deixou de admitir essa forma de dispensa de licitação.

A boa novidade é que o PL no. 4.253/2020 prescreve a possibilidade de contratação do remanescente nos mesmos moldes dos dispositivos acima estudados, como se vê da redação do § 7º do art. 89:

§ 7º Será facultada à Administração a convocação dos demais licitantes classificados para a contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento em consequência de rescisão contratual, observados os mesmos critérios estabelecidos nos §§ 2º e 4º deste artigo.

Assim, os procedimentos de consulta dos demais classificados serão os mesmos tanto para os casos em que o vencedor não atender à convocação para assinar o contrato, como nos casos em que o vencedor celebra o ajuste, inicia a execução e, por descumprimento grave ou ainda por motivos de caso fortuito ou força maior, não prossegue na execução.

Em que pese haver grande expectativa por esta modalidade licitatória, algumas dificuldades deverão ser enfrentadas pelos órgãos e entidades da Administração Pública.

Tais disposições, sem dúvida devem ser comemoradas, por representar grande avanço e modernização das normas relativas aos contratos administrativos.

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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