A respeito dos pagamentos devidos pela Administração, como se dá a ordem cronológica de exigibilidade à luz da Lei 14.133/21? Estados e Municípios podem editar regulamentos alterando essa ordem?
O art. 141 da Lei 14.133/2021 estatui:
“Art. 141. No dever de pagamento pela Administração, será observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos:
I – fornecimento de bens;
II – locações;
III – prestação de serviços;
IV – realização de obras.
§ 1º A ordem cronológica referida no caput deste artigo poderá ser alterada, mediante prévia justificativa da autoridade competente e posterior comunicação ao órgão de controle interno da Administração e ao tribunal de contas competente, exclusivamente nas seguintes situações:
I – grave perturbação da ordem, situação de emergência ou calamidade pública;
II – pagamento a microempresa, empresa de pequeno porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física, microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;
III – pagamento de serviços necessários ao funcionamento dos sistemas estruturantes, desde que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento do objeto do contrato;
IV – pagamento de direitos oriundos de contratos em caso de falência, recuperação judicial ou dissolução da empresa contratada;
V – pagamento de contrato cujo objeto seja imprescindível para assegurar a integridade do patrimônio público ou para manter o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou entidade, quando demonstrado o risco de descontinuidade da prestação de serviço público de relevância ou o cumprimento da missão institucional.
§ 2º A inobservância imotivada da ordem cronológica referida no caput deste artigo ensejará a apuração de responsabilidade do agente responsável, cabendo aos órgãos de controle a sua fiscalização.
§ 3º O órgão ou entidade deverá disponibilizar, mensalmente, em seção específica de acesso à informação em seu sítio na internet, a ordem cronológica de seus pagamentos, bem como as justificativas que fundamentarem a eventual alteração dessa ordem.” (grifou-se)
Na mesma linha da previsão constante no caput do art. 5° da Lei 8.666/93[1] a nova Lei de Licitações determina, então, que os pagamentos efetuados pela Administração[2]devem respeitar a ordem cronológica de exigibilidade para cada fonte de recurso diferenciada, respeitadas as seguintes categorias de contratos: fornecimento de bens, locações, prestação de serviços e realização de obras.
Estabelece, ademais, que essa ordem cronológica só pode ser modificada, mediante justificativa, nas situações que relaciona nos incisos do § 1º do seu art. 141, que o desrespeito dessa enseja a apuração de responsabilidade[3] e exige, para viabilizar a fiscalização de seus atos, a divulgação mensal dessa, bem como das justificativas para eventuais alterações.
Tais medidas, aliás, visam assegurar o direito dos contratados de não serem preteridos quando preenchidos os requisitos para a exigência do pagamento devido em face de serviços prestados, fornecimentos realizados etc., e resguardar, também, o equilíbrio da equação econômico-financeiro do ajuste, na medida que as condições de pagamento a influenciam diretamente, conforme bem explana Marçal Justen Filho ao comentar o artigo em pauta:
“A proposta formulada pelo particular toma em vista a dilação de tempo necessária à obtenção do pagamento.
De nada serviria a Constituição fornecer todas as garantias à intangibilidade da equação econômico-financeira se, ao mesmo tempo, liberasse a Administração para realizar o pagamento como e quando bem entendesse. Se a Constituição tutela o particular contra eventos aptos a impedir a obtenção integral das vantagens orginalmente previstas, tem de reputar-se que essa garantia abrange, inclusive a fixação de um prazo máximo para liquidação da obrigação assumida.
A tutela constitucional à intangibilidade da equação econômico-financeira é integral e completa. Não pode ser afastada por meio de expedientes secundários.
Se a Administração pudesse dispor acerca do instante em que o pagamento se tornaria devido, dar-se-ia a frustação da tutela constitucional à intangibilidade da equação econômico-financeira. Não se pode atingir esse resultado por via hermenêutica.”[4]
E, considerada a competência exclusiva da União para editar normas gerais sobre licitações e contratos,[5] tem-se que os critérios estabelecidos pelo art. 141 da Lei 14.133/2021, aí inclusas as categorias de contratos arroladas, devem, a rigor, ser observados pelos demais entes da federação, que não podem inovar a respeito[6].
Essa parece ser a conclusão de Guilherme Carvalho, que aponta:
“Conforme já defendemos nesta coluna[7], a Lei nº 14.133/2021 outorga à Administração Pública estruturas tendentes a um modelo administrativo mais dialógico[8], concedendo aos agentes administrativos, em diversas oportunidades, a possibilidade de transacionar, bem assim uma maior liberdade de atuação. No que toca aos mecanismos de pagamento, contudo, é perceptível que o legislador fixou regras preestabelecidas quanto à ordem cronológica de pagamento, havendo pouca margem para que haja alteração.
Diferentemente da Lei nº 8.666/1993, que, em seu artigo 5º, demonstrava, de forma mais abrangente e com vasto conteúdo de imprecisão, a possibilidade de alteração da ordem cronológica de pagamento quando “presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente”, o legislador, na Lei nº 14.133/2021, tentou exaurir as hipóteses (§1º do artigo 141). Porém, mesmo atendendo o comando normativo[9], algumas vicissitudes carecem ser detidamente ponderadas: é este o propósito do presente artigo.
O artigo 141 inaugura o Capítulo X, da Lei nº 14.133/2021, que trata “Dos pagamentos”. Tal dispositivo legal antecipa o dever da Administração de seguir uma ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos: “I — fornecimento de bens; II — locações; III — prestação de serviços; IV — realização de obras”. Há, portanto, um desígnio do legislador quanto à observância e cumprimento de uma fixada programação de pagamento — essa é, portanto, a regra.”[10] (grifou-se)
Inadequado, consequentemente, que a Administração venha por intermédio de regulamentação a incluir novos critérios ou outras categorias para fins da ordem cronológica de pagamento, a exemplo da relativa à contratações de pequeno valor, as quais devem, em face de seus objetos, serem enquadradas em alguma daquelas categorias que a norma elenca (fornecimento de bens, locações, prestação de serviços e realização de obras) e respeitar a ordem de suas exequibilidades, da mesma forma que ocorre com os demais ajustes que formaliza.
Isso não impede, no entanto, que os demais entes da federação regulamentem os prazos de pagamentos dos mais diversos objetos de suas contratações, à vista das particularidades de cada qual e em consonância com as normas financeiras e orçamentárias que lhes são aplicáveis,[11] até porque a Lei 14.133/2021, de forma distinta da Lei 8.666/93,[12][13] não trata do tema, remetendo a disciplina da questão ao edital e ao contrato, como se vê:
“Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
(…)
XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:
(…)
g) critérios de medição e de pagamento;
(…)
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
(…)
III – a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento;
(…)
Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.
(…)
Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
(…)
V – o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
VI – os critérios e a periodicidade da medição, quando for o caso, e o prazo para liquidação e para pagamento;”
O conteúdo deste artigo reflete a posição do autor e não, necessariamente, a do Grupo JML.