O RECENTE DECRETO FEDERAL 9.412/2018 QUE ATUALIZOU MONETARIAMENTE OS TETOS QUE ESTABELECEM AS MODALIDADES DE LICITAÇÃO TEM APLICAÇÃO IMEDIATA PARA OS DEMAIS ENTES FEDERATIVOS, OU PARA A ADOÇÃO DOS NOVOS VALORES DEVERÃO OS DEMAIS ENTES FEDERATIVOS EXPEDIRE

Nos termos da Constituição Federal, art. 22, XXVII[1], a União é quem detém a competência para legislar sobre normas gerais de licitação. Exercendo tal competência, e em consonância ao que prevê o art. 37, XXI, da Lei Fundamental, é que foi editada a Lei 8.666/93.

Nem todas as normas previstas em seu bojo são de caráter geral, sendo que algumas delas são normas especiais, a serem observadas apenas em âmbito federal. Mas a disciplina sobre as modalidades de licitação e as hipóteses de dispensa, por exemplo, fazem parte do rol de normas gerais, que vinculam a todos os entes federativos.

A respeito, pondera Marçal Justen Filho:

“A Lei 8.666/1993 veicula normas gerais e normas não gerais (especiais) sobre licitações e contratos administrativos. As normas gerais são aquelas que vinculam a todos os entes federativos, enquanto as normas especiais são aquelas de observância obrigatória apenas na  órbita da União.
Ou seja, o diploma traduz o exercício de duas competências legislativas diversas.  Existem normas nacionais, aplicáveis em todas as esferas federativas. E há normas puramente federais, aplicáveis apenas ao âmbito da União.
(…) pode-se afirmar que norma geral sobre licitação e contratação administrativa é um conceito jurídico indeterminado cujo núcleo de certeza positiva compreende a disciplina imposta pela União e de observância obrigatória por todos os entes federados (inclusive da Administração indireta), atinente à disciplina de:
a) requisitos mínimos necessários e indispensáveis à validade da contratação administrativa;
b) hipóteses de obrigatoriedade e de não obrigatoriedade de licitação;
c) requisitos de participação em licitação;
d) modalidades de licitação;
e) tipos de licitação
f) regime jurídico da contratação administrativa”.[2]

As modalidades de licitação, como se sabe, são adotadas segundo os valores determinados no art. 23, da Lei 8.666.E vinculados aos valores estipulados para a carta convite, tem-se a dispensa de licitação prevista no art. 24, I e II, da Lei:

“Art. 24.  É dispensável a licitação:

I – para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
II – para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)”

Tais valores, consoante prescreve o art. 120[3], podem ser revistos anualmente pelo Poder Executivo Federal, como forma de manter os termos da Lei atualizada.

Isso ocorreu recentemente com a edição do Decreto nº 9.412/2018, que estabelece:

“Art. 1º. Os valores  estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ficam atualizados nos seguintes termos:
I – para obras e serviços de engenharia:
a) na modalidade convite – até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);
b) na modalidade tomada de preços – até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
c) na modalidade concorrência – acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
II – para compras e serviços não incluídos no inciso I:
a) na modalidade convite – até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
b) na modalidade tomada de preços – até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e
c) na modalidade concorrência – acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).
Art. 2º,  Este Decreto entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação.”

Considerando que tal Decreto tem por função apenas atualizar normas gerais da Lei 8.666, relativas aos valores das modalidades de licitação (e, consequentemente, da dispensa de licitação), entende-se que seus termos devem ser observados por todos os entes federativos, independentemente de edição de normativos próprios.

Diversa, porém, foi a orientação do TCE/PR:

 “Prezado Sr. Décio, A princípio, os valores dos limites de modalidades de licitação atualizados pelo Decreto Federal nº 9.412/2018 aplicam-se exclusivamente para União (Governo Federal). Por segundo, reporta-se não ter sido encontrada jurisprudência sobre o tema no âmbito desta E Corte de Contas. Todavia, verifica-se posicionamento adotado pelo TCE/MT e pelo TJ/MT pela possibilidade de atualização dos valores do art. 23 da Lei nº 8.666/1993, desde que haja autorização em lei específica municipal, conforme abaixo: “Resolução nº 17/2014 – TP (Processo nº 121746/14 – TCE/MT) Ementa: PREFEITURA DE CAMPOS DE JÚLIO. CONSULTA. Licitações. … h) O artigo 120 da Lei nº 8.666/1993 é norma geral, editada pela União, tão somente na parte em que prescreve o indexador de reajuste dos valores fixados na referida lei, e a periodicidade do reajuste. i) Os Chefes do Poder Executivo poderão atualizar monetariamente os valores fixados pela Lei nº 8.666/1993, tão somente com base no indexador e na periodicidade nacionalmente fixados pelo artigo 120 da Lei nº 8.666/1993”. “TJ/MT. ADI 1328403520168110000-132840-2016 – Julgamento em 23/03/2017. … 4) O art. 120 da Lei 8.666/93, na parte que estipula periodicidade e índice de revisão dos valores monetários, é norma que deriva da competência privativa da União para legislar sobre sistema monetário (art. 22, inc. VI, da CF/88). Todavia, na parte que estipula a competência para o reajuste ao Poder Executivo Federal, a fim de respeitar as autonomias dos demais entes federativos consagradas no art. 18 da CF/88, reconhece-se sua incidência apenas para as licitações e contratos administrativos a serem firmados pela Administração Pública Federal. 5) Nesse lógica, havendo lei estadual, distrital ou municipal, autorizando o respectivo Chefe do Executivo a promover a revisão anual pelo IGPM dos valores fixados na Lei 8.666/93 – para licitações e contratos administrativos de cada ente federativo distintamente estar-se-ia dando cumprimento ao artigo 18 da CF/88. 6) Caso concreto em que, ao invés de editarem lei autorizando os respectivos Prefeitos a revisarem, anualmente, pelo IGPM, os valores fincados na Lei 8.666/93 – para as licitações a serem realizadas no âmbito territorial de cada município -, levaram a própria matéria de revisão à competência da Câmara de Vereadores, promovendo a revisão monetária por lei”. Por conseguinte, pelo que se extrai da leitura dos excertos acima transcritos, não é possível a aplicação imediata no âmbito do Município de Iguaraçu dos novos limites fixados pelo Decreto Federal nº 9.412/2018. Finalmente, deve-se ressaltar que o posicionamento oficial deste Tribunal de Contas sobre consultas é materializado em acórdãos, o que pode ser requerido respeitadas as condições delimitadas nos arts. 38 e 39 da Lei Orgânica do TCEPR (Lei Complementar Estadual nº 113/2005). Ato contínuo, assevera-se que os opinativos acima transcritos representam exclusivamente esclarecimentos produzidos a partir da análise das decisões acima transcritas. Curitiba, 20/07/2018. Atenciosamente, Atendimento CGF”. TCE/PR. Número Identificador da Demanda: 163564.

É possível, no entanto, que muitos Municípios e Estados já tenham publicado normas nesse sentido, em razão da omissão[4] da União em atualizar esses valores (que estavam vigentes desde 1998). No caso de existência de regramento local em confronto com a Lei, isto é, que estipulem valores acima aos limites definidos pela regra federal, estes deverão ser revogados. Por outro lado, eventuais leis ou decretos que estipulem valores abaixo desses limites, podem continuar em plena vigência, se assim desejar o ente federativo.

Portanto, na visão da JML Consultoria, a atualização dos valores das modalidades de licitação (e de dispensa) da Lei 8.666, promovida por intermédio do Decreto 9.412/2018, já está vigorando, desde o dia 19 de julho de 2018, para todos os entes federativos, que devem observá-los independentemente da edição de normativo próprio.

Não obstante, é preciso reconhecer que o tema comporta divergências, consoante manifestação do TCE/PR, anteriormente citada, no sentido de que referido decreto seria aplicável apenas à União.

Qual é a sua opinião?


[1] “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 19-21.
[3] “Art. 120.  Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.   (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)”
[4] A competência da União para instituir normas gerais sobre o tema não afasta a competência dos demais entes para legislar de forma específica e que eventual omissão da União autoriza os Estados a exercer plenamente a competência legislativa, para atender a suas peculiaridades, nos termos do art. 24, § 1°, da CF/1988. Nessa linha, leciona Marçal Justen Filho: “Deve-se ter em vista que a Constituição adotou uma disciplina peculiar relativamente às normas gerais sobre licitação e contratos administrativos. A solução padrão encontra-se no art. 24, § 1°, da CF/1988. Ali se estabeleceu que, havendo competência comum concorrente, incumbe à União editar normas gerais, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal produzir as normas especiais. Ademais disso, estabeleceu-se que, na omissão do exercício pela União da sua competência para editar normas gerais, os Estados e o Distrito Federal exercitarão competência plena. Ocorre que o art. 22, XXVII, da CF/1988 previu especificamente que a União é titular de competência legislativa privativa para editar normas gerais sobre contratações administrativas e licitações. Como decorrência, poderia entender-se que não existem propriamente competências concorrentes entre os diversos entes federativos em matéria de licitações e contratos administrativos. As normas gerais seriam necessárias e obrigatoriamente veiculadas mediante lei federal. Portanto, não existiria competência legislativa para os demais entes federativos disporem sobre normas gerais nessa matéria. A omissão da União não autorizaria o exercício pelo ente federativo local de competência legislativa que importasse a edição de norma geral nesse campo. Mas essa interpretação não se afigura como correta. Rigorosamente, a disciplina do art. 22, XXVII, da CF/1988 não produz maiores efeitos ou inovações na sistemática geral. A União dispõe de competência para editar normas gerais – seja por força do referido art. 22, XXVII, seja por efeito do art. 24. Existe a competência privativa dos entes federativos para editar normas especiais. A eventual omissão da União em editar normas gerais não pode ser um obstáculo ao exercício pelos demais entes federativos de suas competências. Assim, por exemplo, a eventual revogação da Lei 8.666/1993, sem que fosse adotado outro diploma veiculador de normas gerais, não impediria que os demais entes federativos exercitassem competência legislativa plena”. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 19-20.

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