POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE ENTIDADE DO SISTEMA S PELA ADMINISTRAÇÃO, COM FUNDAMENTO EM DISPENSA DE LICITAÇÃO (INCISO XIII DO ART. 24 DA LEI 8.666/1993 OU INCISO XV DO ART. 75 DA LEI 14.133/2021)

As licitações e as contratações da Administração Pública contam, atualmente, com dois regimes de regência – Leis 8.666/1993 e 10.520/2002 ou a nova Lei 14.133/2021 –,[2] cabendo a escolha de um ou de outro para discipliná-las, posto que não se admite a combinação deles.[3]

Ambos os regimes, de toda forma, impõem a licitação como regra e relacionam de forma exaustiva as hipóteses em que, em caráter excepcional, a licitação pode ser dispensada.

E, dentre as hipóteses de dispensa de licitação tem-se a contemplada no inciso XIII do art. 24 da Lei 8.666/1993 abaixo transcrito, que tem correspondência no inciso XV do art. 75 da Lei 14.133/2021, abaixo também reproduzido:

“Art. 24.  É dispensável a licitação: 

(…)

XIII – na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;” 

“Art. 75. É dispensável a licitação:

(…)

XV – para contratação de instituição brasileira que tenha por finalidade estatutária apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive para gerir administrativa e financeiramente essas atividades, ou para contratação de instituição dedicada à recuperação social da pessoa presa, desde que o contratado tenha inquestionável reputação ética e profissional e não tenha fins lucrativos;”

Tais hipóteses de dispensa de licitação permitem, então, a contratação direta de instituição brasileira de inquestionável reputação ética e profissional em sua área de atuação, sem finalidade lucrativa, que tenha por objetivo finalístico o desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino, pesquisa e desenvolvimento institucional, dentre outras.

Indispensável, ademais, por conta de uma interpretação lógico-sistemática e não da literalidade dos preceitos, que exista pertinência entre a finalidade da instituição e o objeto do contrato, que deve necessariamente estar voltado a alguma das atividades que as normas relacionam (ensino, pesquisa etc.), o qual, por sua vez, deve ser executado, como regra, diretamente pela contratada[4] – já que suas qualificação e experiência são condicionantes de sua escolha e consequentemente da contratação direta –, por preço justo e compatível com os praticados no mercado, até porque não é crível que a Administração realize contratações desvantajosas.

Fartas e de longa data as decisões do Tribunal de Contas da União a respeito, à luz das disposições da Lei 8.666/1993, mas cujo raciocínio cabe igualmente em face das determinações da Lei 14.133/2021:

“A jurisprudência desta Corte já afirmou que, para a contratação direta com base na norma supra, não basta que a entidade contratada preencha os requisitos estatutários exigidos pelo dispositivo legal, é necessário, também, que o objeto a ser contratado guarde estreita correlação com as atividades de ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional.”[5]

“13. Este Tribunal possui jurisprudência consolidada de que os requisitos para a contratação direta com base no referido dispositivo não se restringem a ser a instituição brasileira; sem fins lucrativos; detentora de inquestionável reputação ético-profissional; incumbida, regimental ou estatuariamente, da pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional ou, ainda, dedicada à recuperação social do preso. A fim de compatibilizar a norma com o ordenamento jurídico vigente, em que prepondera, no âmbito da Administração Pública, o princípio maior da licitação, impõe-se uma interpretação rigorosa do permissivo legal, de modo a exigir que a entidade contratada possua objetivos condizentes com o objeto da contratação. Tal entendimento, cujos precedentes remontam ao ano de 1997, por sua relevância, consta da Súmula 250 do TCU, vazada nos seguintes termos:

‘A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.’

14. O nexo efetivo entre o objeto almejado pela administração e as finalidades precípuas da entidade deve ser devidamente evidenciado previamente à contratação para que se cumpra outro dispositivo da Lei 8.666/1993, qual seja, a necessidade de se demonstrar as razões da escolha do prestador de serviços nos casos de dispensa de licitação (art. 26, II).”[6] (grifou-se)

PUBLICAÇÃO Informativo de Licitações e Contratos 102/2012

COLEGIADO Plenário

ACÓRDÃO Acórdão 898/2012-TCU-Plenário, TC Processo 032.264/2011-9, rel. Min. Aroldo Cedraz, 18.4.2012

ENUNCIADO

É lícita a contratação direta, com suporte no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, de entidade para realização de serviços afetos a seu conjunto de competências, desde que demonstrada a correlação entre o objeto contratado e as atividades desenvolvidas pela empresa que o executará e atendidas as exigências desse comando normativo e dos incisos II e III do art. 26 dessa mesma lei

TEXTO

(…)” (grifou-se)

PUBLICAÇÃO Informativo de Licitações e Contratos 224/2014

COLEGIADO Plenário

ACÓRDÃO Acórdão 3193/2014-TCU-Plenário, TC Processo 015.560/2006-1, relator Ministro Benjamin Zymler, 19.11.2014

ENUNCIADO

A entidade contratada por dispensa de licitação, com base no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/93, deve comprovar indiscutível capacidade para a execução do objeto pactuado por meios próprios e de acordo com as suas finalidades institucionais, sendo regra a inadmissibilidade de subcontratação. (…)” (grifou-se)

PUBLICAÇÃO Informativo de Licitações e Contratos 307/2016

COLEGIADO Plenário

ACÓRDÃO Acórdão 2669/2016-TCU-Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Benjamin Zymler

ENUNCIADO

A entidade contratada por dispensa de licitação, com base no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/1993, deve comprovar indiscutível capacidade para a execução do objeto pactuado por meios próprios e de acordo com as suas finalidades institucionais, sendo regra a inadmissibilidade de subcontratação. (…)” (grifou-se)

Tal aspecto, aliás, é tema de Súmula do TCU, restando consolidado, assim, o entendimento dessa Corte de Contas a respeito:

“A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/1993, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.”[7]

Na mesma toada a lição da doutrina ao comentar o texto na nova Lei de Licitações:

“A condição de instituição não basta para autorizar contratação direta versando sobre contratação não abrangida nas suas atividades ou áreas de atuação.

Ou seja, somente se configura os pressupostos do dispositivo quando o objeto da contratação inserir-se no âmbito de atividade inerente e próprio da instituição.

Sob certo ângulo, a execução de uma atividade por uma determina instituição corresponde e equivale à atuação do próprio Estado. Por isso, o Estado transfere a execução de atividade para as instituições, por meio de vínculo jurídico cuja natureza é muito mais próxima de um convênio. Justifica-se a contratação precisamente pela ausência de fim lucrativo da instituição, da sua vocação para o desempenho de funções claramente estatais (ao menos, no sistema pátrio): pesquisa, ensino, desenvolvimento das instituições, recuperação social do preso.

Justamente por isso, não há cabimento de invocar o inc. XV para produzir a execução de objeto que não é inerente à atividade própria da instituição, no âmbito daquelas funções explicitamente indicadas no texto legislativo. Muito menos cabível é desnaturar o fim da instituição para agregar outros objetivos, de exclusivo interesse da Administração, que são encampados pela entidade privada como forma de captar recursos para a sua manutenção.

As considerações acima efetuadas conduzem à necessidade de um vínculo de pertinência absoluta entre a função da instituição e o objeto da avença com a Administração. Isso equivale a afirmar que somente podem ser abrigadas no permissivo do inc. XV contratações cujo objeto se enquadre no conceito de pesquisa, ensino, desenvolvimento institucional ou recuperação social do preso.

(…)

Mas, ainda quando se configure uma atividade que se enquadre nos aludidos conceitos, é imperioso que o objeto específico da contratação se traduza numa atividade específica da instituição contratada.

(…)

Por certo, não se admite que o inc. XV seja utilizado para contratações meramente instrumentais, nas quais a instituição empresta seu nome para a Administração obter certas utilidades sem promover a licitação. A constatação de que a estrutura própria da instituição é insuficiente para gerar a prestação adequada e satisfazer a necessidade estatal inviabiliza a aplicação do dispositivo.

Portanto, somente se admite a aplicação do dispositivo em questão quando a entidade contratada dispuser de condições para executar, de modo autônomo e mediante os seus próprios recursos, o objeto contratual.

 Isso não impede, como é evidente, a prática de subcontratação relativamente a questões específica e pontuais. Há atividades rotineiras e irrelevantes que podem ser objeto de terceirização sem qualquer reflexo no tocante à qualificação da instituição para o desenvolvimento de suas atividades. E também existem algumas tarefas dotadas de elevado grau de complexidade e especialização, cujo desempenho se faz usualmente por profissionais que preservam a sua autonomia. A subcontratação nessas duas hipóteses não exclui o cabimento da contratação direta. O que se reprova é a ausência de condições técnicas da instituição contratada para promover a execução do objeto, considerado em seus termos gerais e amplos.”[8]

Pode-se afirmar, enfim, que a hipótese de dispensa de licitação em comento exige a presença dos seguintes requisitos, sem o que não pode prosperar:

a) que a contratada seja uma instituição brasileira sem finalidade lucrativa e detenha, no seu campo de desempenho, inquestionável reputação ético-profissional, de modo a justificar sua capacidade de bem executar o objeto da contratação;

b) que a instituição possua como finalidade precípua a pesquisa, o ensino ou o desenvolvimento institucional, dentre outras atividades que os normativos relacionam; e

c) que haja pertinência entre o objeto da contratação, as atividades arroladas nos preceitos e as inseridas no âmbito de atuação da instituição; e

d) que o objeto seja executado, em seu núcleo central, pela própria contratada, por preço justo e compatível com os de mercado, considerada a especialidade demandada.

Diante disso e preenchendo tais requisitos, entende-se que é crível, ao menos em tese, que as entidades venham a ser contratadas pela Administração com fundamento nos artigos examinados, quando presentes, no caso concreto, os demais requisitos que a hipótese requer, a saber, correlação entre as atividades finalísticas da entidade, o objeto da contratação e as áreas que os preceitos mencionam, bem como demonstração de capacidade e estrutura para executar o objeto por preço justo.


[1] Texto elaborado pelos consultores do Grupo JML.

[2] Em virtude de a maioria das disposições da Lei 14.133/2021 entrarem em vigência na data de sua publicação, o que ocorreu em 01/04/2021, e de as Leis 8.666/93 e 10.520/2002 só serem revogadas após o decurso de dois anos contados daquela data (data da publicação da nova Lei de Licitações), ressalva sendo feita aos arts. 89 a 108 da antiga norma, que cuidam dos crimes e penas, bem como do processo e do procedimento judicial correspondente, que restaram revogados na mesma data em que passou a vigorar o novo normativo.

[3] “Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.”

[4] Ressalva sendo feita a parcelas acessórias, específicas ou não relevantes do objeto.

[5] TCU. Acórdão 1.616/2003. Plenário.

[6] TCU. Acórdão 3.125/2011. Plenário.

[7] TCU. Súmula TCU 250.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1076-1078.

Grupo JML - Consultoria

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