UM BREVÍSSIMO ESTUDO
“Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento na UFPR. MBA em ESG and Impact, pela Trevisan Escola de Negócios. Especialista em Direito e Gestão das Entidades do Sistema S, pelo IDP-Brasília. Especialista em direito socioambiental pela PUC/PR. Graduada em Direito pela Unicuritiba-PR. Consultora jurídica, professora de pós-graduação, palestrante e autora de diversos artigos e livros sobre o tema licitações, contratos administrativos, ESG, sustentabilidade, gestão de riscos e compliance público, com atuação na Administração Pública direta, indireta e nas Entidades do Sistema S”.
INTRODUÇÃO
As empresas públicas e as sociedades de economia mista, conhecidas como Empresas Estatais, surgiram no Brasil com a necessidade de atendimento pelo Estado a objetivos políticos, econômicos e sociais, intervindo na atividade econômica para alavancar um projeto de industrialização e de produção privada de bens e serviços[1].
Havia uma presunção de que as pessoas jurídicas estatais eram balizadas por muitos controles e amarras que inviabilizavam a eficiência estatal e as estatais poderiam constituir uma tentativa de instrumentalização ágil de ação do Estado, em especial na seara econômica, cujo mercado exige, de fato, celeridade, inovação e dinamismo de ações.
As empresas estatais atualmente são organizações presentes em diversas partes do mundo, desempenhando papéis econômicos significativos. São criadas para fornecer serviços ou produtos, corrigir supostas falhas de mercado, estimular o desenvolvimento econômico de determinados setores, gerar empregos e cumprir relevantes funções sociais definidas pela sociedade. É essencial que a atuação empresarial do Estado seja conduzida de maneira responsável e estratégica, alinhada com os interesses econômicos, políticos e sociais do país.
Feita essa breve digressão, é importante pontuar que as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem atender à sua função social e estão vinculadas, segundo sua lei de criação, a relevante interesse coletivo ou a imperativos da segurança nacional, conforme preceitua a Constituição Federal e, seu artigo 173. Ou seja, o interesse coletivo e a função social sempre permearão as atividades das empresas estatais, o que direciona nossos olhares ao que constitui o interesse da coletividade.
Aliado a esse aspecto, um tema de profusão global, que tem entrado em todos os debates públicos e privados e que constitui interesse coletivo, é o ESG, acrônimo com significado em inglês, sendo E – Environmental (ambiental), S – Social ou Stakeholders (social ou partes interessadas) e G – Governance (governança). Trata-se de um programa que enraíza práticas socioambientais, tendo a governança como um pilar central que integra e orienta as ações e estratégias das organizações.
O ESG deve ser compreendido como o norte de oportunidades para transformação da sociedade, traçando relevantes contribuições para um desenvolvimento efetivamente sustentável.
Nesse breve estudo apresentamos os conceitos relevantes de ESG, os fundamentos de sua aplicação nas empresas estatais e como implementar a agenda de modo eficaz e com efetividade.
- O QUE É ESG E QUAIS OS CONCEITOS APLICÁVEIS ÀS ESTATAIS?
De plano pode-se afirmar que o ESG é definido, de uma forma preliminar, como a aplicação de mecanismos, estruturas, políticas e procedimentos para orientar a implementação da governança socioambiental em uma corporação.
De modo técnico, com apoio no conceito estabelecido pela ABNT PR 2030:2022, de que ESG é o “conjunto de critérios ambientais, sociais e de governança, a serem considerados, na avaliação de riscos, oportunidades e respectivos impactos, com objetivo de nortear atividades, negócios e investimentos sustentáveis”[2].
Outros conceitos fundamentais para a acepção do ESG são o de stakeholders ou partes interessadas e de matriz de materialidade. O primeiro deles pela ABNT 2030:2022 é “pessoa, organização ou comunidade que pode afetar, ser afetada ou se perceber afetada por uma decisão ou atividade[3]”. São todos aqueles que de alguma forma possuem interesse na gestão, nos resultados, nas ações, nos projetos, nas entregas das Estatais. Cada instituição terá stakeholders próprios, que incluem os colaboradores, servidores, empregados públicos, sindicatos, controladoria, Tribunal de Contas, população atendida, população do entorno, fornecedores, associações, parceiros de mercado, etc.
Por fim, o conceito que se agrega ao anterior é o de materialidade, cuja definição pela PR 2030:2022 é o de “pertinência de um tópico determinada pela relevância do seu impacto econômico, ambiental, social, positivo ou negativo, nas avaliações e decisões dos gestores da organização e de suas partes interessadas[4]”. Em outras palavras, materialidade relaciona-se a temas que são de alguma forma impactantes nos aspectos ambientais, sociais e econômicos para a Estatal.
A materialidade é o que diferenciará uma política ESG implementada de um programa de sustentabilidade. Aquele efetivamente considerará, dentro das estratégias e ações executadas pela Administração, aquilo que impacta suas partes interessadas para trabalhar com a mitigação. Já um programa de sustentabilidade abordará temas sociais e ambientais de uma agenda mais ampla e não direcionada à própria instituição.
Os dois conceitos acima, de partes interessadas e de materialidade, se conectam na matriz de materialidade, que se constitui em uma importante ferramenta de gestão e planejamento para definição da prioridade baseada na classificação dos temas materiais pelos stakeholders. Essa matriz se constituirá no mapa de orientação da Estatal para concentração e direcionamento de estratégias nos campos social, ambiental e de governança. É representada por dois eixos, sendo um o da organização e outro o dos stakeholders. Em cada eixo encontram-se medidas de menor para maior relevância, permitindo estabelecer quatro quadrantes, sendo o de (1) menor relevância para ambos os atores (Administração e stakeholders), de (2) maior relevância para Administração e menor para partes interessadas, de (3) maior relevância para as partes interessadas e menor para Administração e (4) maior relevância para ambos.
- POR QUE IMPLEMENTAR O ESG NAS ESTATAIS?
Uma pergunta auspiciosa e que não possui resposta única, mas sim um conjunto de fundamentos que somados garantem uma base sólida de argumentos para a implementação de um programa ESG nas Estatais, abaixo listados:
- PERSONALIDADE JURÍDICA DAS ESTATAIS
Todas as estatais são criadas para cumprimento de uma função social, além da vinculação a um interesse público ou mesmo por motivo de segurança nacional, conforme previsto no texto Constitucional em seu art. 173 e §1º, inciso I[5].
Há, portanto, uma atuação extraeconômica das estatais, para atendimento à função social e ao interesse público, direcionados às disposições de sua lei de criação.
Nesse sentido, a Lei 13.303/16 estabeleceu em seu art. 27 que as estatais devem ter a função social de atendimento a imperativo de segurança nacional ou realização de interesse coletivo, sendo que para este, a orientação é para o alcance do bem-estar econômico e a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos, além da ampliação sustentada dos seus consumidores de produtos e serviços; e, o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para seus produtos e serviços.
Além disso, vinculada à função social encontra-se a determinação no §2º do mesmo art. 27, para adoção de práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social compatíveis com o mercado em que a estatal atua.
Ou seja, o legislador incorporou à função social das empresas públicas e sociedades de economia mista a realização do interesse coletivo e atrelou referido interesse à sustentabilidade em seus três pilares clássicos: ambiental, social e econômico[6].
- A LEI DAS ESTATAIS
A Lei n° 13.303/16, conhecida como Lei das Estatais, apresenta o DNA do ESG para as empresas públicas e sociedades de economia mista. Ao longo de todo o texto legal é possível extrair claramente a preocupação do legislador com a responsabilidade ambiental (E) e social (S), além da governança (G) em tais corporações.
A governança foi um dos grandes propulsores da promulgação da lei no ano de 2016. O tema está disposto de forma mais proeminente em sua primeira parte, que estabeleceu os mecanismos de liderança e controle voltados à gestão. Os aspectos ambientais e sociais tiveram maior destaque na parte direcionada às contratações das estatais. Nesse sentido, há destaque para o estabelecimento dos requisitos de transparência que devem ser atendidos pelas estatais, prevendo a elaboração de carta anual; divulgação de informações relevantes, inclusive relativas à governança; elaboração e divulgação da política de divulgação de informações; de distribuição de dividendos; da carta anual de governança corporativa; e, da divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade; entre outros.
Na parte relacionada às contratações, a Lei das Estatais estabelece no art. 31 que as licitações realizadas e contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa sob o ponto de vista, inclusive, do ciclo de vida do objeto. Ou seja, a análise dos aspectos de vantajosidade deve passar pelos impactos sociais, econômicos e ambientais do objeto ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a concepção, a fabricação, a logística, o uso e o descarte.
No mesmo artigo a lei definiu os princípios aplicáveis às contratações com destaque para publicidade, eficiência, probidade administrativa e desenvolvimento nacional sustentável, encaixando tais princípios aos eixos de meio ambiente (E), social (S) e de governança (G).
No artigo 32 da Lei há diretrizes a serem observadas pelas estatais, tais como a busca da maior vantagem competitiva, considerando custos e benefícios, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive quanto ao desfazimento de bens e resíduos. O parágrafo primeiro deste artigo ainda dispõe sobre as normas socioambientais que devem ser respeitadas nas licitações e contratações, como, por exemplo, a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras; a mitigação de danos ambientais; utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e de recursos naturais; avaliação de impacto de vizinhança; proteção ao patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial; e, acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Novamente se vislumbra a preocupação do legislador com a temática ambiental (E) e social (S).
Por fim, nessa leitura dos artigos ESG da Lei 13.303/16, citamos o art. 45, que estabelece a remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em critérios de sustentabilidade ambiental, entre outros.
- ATIVIDADES DESEPENHADAS
No Brasil há muitas estatais do setor de saneamento, abastecimento, desenvolvimento regional, de gás, de energia, de transportes, de abastecimento, portuárias, de logística, de serviços financeiros, de habitação, de tecnologia da informação, de laboratório, de pesquisa, de turismo, de limpeza urbana, e assim por diante, no âmbito da União, de Estados, Municípios e do Distrito Federal. Nessa miríade de atividades das estatais brasileiras, como é possível observar, os destaques de oportunidades e riscos dentro do acrônimo ESG com a prevalência do E, do S, do G, das suas combinações ou de todos reunidos.
Como exemplos, uma estatal de gás, de saneamento, de energia ou de transporte certamente apresenta grandes riscos e oportunidades no aspecto ambiental (E), dependem do equilíbrio ambiental, do qual geram-se impactos para cumprimento de sua missão institucional.
Estatais de serviços de laboratório, de habitação, de transporte ou de abastecimento, apresentam grande relevo em aspectos sociais voltados à população atendida por seus serviços (S).
Estatais de tecnologia da informação e de pesquisa podem ser mais demandadas em políticas de governança (G), com destaque para a segurança da informação, a transmissão e o armazenamento de dados.
- ESTATAIS DE CAPITAL ABERTO
A Câmara de Valores Mobiliários editou a Resolução CVM nº 193, de 20 de outubro de 2023, que estabeleceu que as companhias abertas (incluindo-se as sociedades de economia mista que apresentem capital aberto) deverão, a partir dos exercícios sociais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2026, elaborar e divulgar relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade adotando-se o padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board – ISSB.
O ISSB, criado durante a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), em novembro de 2021, em Glasgow, desenvolve, no interesse público, padrões de divulgação dos relatórios de sustentabilidade em uma linha global abrangente, focando nas necessidades dos investidores e dos mercados financeiros[7].
- BENEFÍCIOS ADICIONAIS
A incorporação do ESG nas empresas estatais, enfim, pode promover um desenvolvimento mais sustentável e responsável, além de aumentar a transparência e a confiança do público. Dessa forma, as estatais podem não apenas atender às demandas regulatórias e sociais, mas também melhorar seu desempenho e competitividade no mercado global, contribuindo para um futuro mais justo e sustentável.
Podem ser apontados os seguintes benefícios da implementação de ESG nas Estatais, dentre outros: 1 – inclusão de stakeholders (partes interessadas) como destinatários de políticas e procedimentos ESG; 2 – otimização de custos, com o melhor gerenciamento de recursos naturais, de logística, análise do ciclo de vida do objeto, incorporação de economia circular, etc.; 3 – aumento de credibilidade e melhoria da imagem; 4 – melhoria da capacidade ética e de inclusão social; 5 – materialização de políticas públicas sociais e ambientais locais, regionais e/ou nacionais; 6 – cumprimento de metas ambientais, sociais e de governança; 7 – maior transparência nas ações; 8 – efetividade na governança e na gestão de riscos; 9 – acesso facilitado a financiamentos; 10 – conformidade regulatória do setor que atua; 11 – realinhamento de propósito corporativo com valores institucionais; 12 – atendimento à função social da estatal, definido na legislação de criação; 13 – melhoria de performance em auditorias; 14 – retenção de talentos; 15 – melhorias de indicadores ambientais, sociais e de governança. Outros benefícios podem estar atrelados ao setor e atividade desempenhada pela estatal, como, por exemplo, a criação de vantagem competitiva àquelas que se encontram em ambiente de mercado.
3. COMO IMPLEMENTAR O ESG EM EMPRESAS ESTATAIS?
A implementação para qualquer companhia demanda algumas etapas obrigatórias para garantir sua efetividade, de forma a não se incorrer em alguns riscos.
Nessa linha, a ausência de critérios técnicos pode ocasionar desconformidade regulatória; um gerenciamento inadequado de qualquer dos critérios “E” ambientais, “S” sociais ou “G” governança, pode gerar prejuízo nos respectivos indicadores, denegrir a imagem da estatal perante seus Stakeholders, reduzir a transparência de suas ações, afetar a gestão de riscos, ocasionar evasão de talentos e assim por diante.
Outrossim, o ESG importará em custos para estruturação metodológica, aplicação, acompanhamento e direcionamento para aperfeiçoamento contínuo, de forma a garantir a efetividade necessária.
Há modelagens já consolidadas no mercado, que podem ser aplicadas nas empresas públicas e sociedade de economia mista, com algumas adaptações em vista da natureza jurídica e das características de cada qual.
Ainda que a estatal decida pela implementação do ESG, mas sem a utilização de metodologias de mercado, é importante passar por etapas comuns a qualquer implantação de projetos de governança, incluindo o comprometimento da alta administração, um diagnóstico para identificar práticas existentes; o estabelecimento de um contexto de planejamento, definindo as etapas de implementação, a estruturação necessária e os recursos disponíveis; a definição das partes interessadas e dos temas materiais que constituirão o foco do programa; a implementação, com a criação de metas, políticas e normativos que contemplem a aplicação das práticas ESG; os relatórios; e, por fim, o monitoramento.
Abaixo explicamos melhor as etapas dessa jornada.
- COMPROMETIMENTO DA ALTA ADMINISTRAÇÃO
Cabe à esfera decisória mais alta da entidade definir e priorizar as questões ESG aplicáveis à sua atividade rumo à transformação e fortalecimento de uma cultura organizacional pautada na governança socioambiental.
Nesse sentido, a missão, os valores e o propósito da entidade devem ser remodelados com essa nova visão de presente e futuro; para tanto, cabe à alta administração estabelecer as diretrizes estratégicas e incrementar os processos, estrutura, recursos e mecanismos necessários para transformar o discurso em uma prática efetiva.
- DIAGNÓSTICO
Na sequência, a estatal deve efetuar o diagnóstico das práticas de governança e de sustentabilidade, essenciais para avaliar o nível de estrutura e maturidade nos temas ESG, os recursos disponíveis e aplicados, bem como identificar lacunas e áreas de melhoria. Esse diagnóstico permitirá a criação de um plano de ação estratégico que contemple metas claras e indicadores de desempenho, facilitando a implementação de práticas ESG. Além disso, a avaliação deve considerar o engajamento dos stakeholders e a comunicação transparente dos resultados e progressos, garantindo que todos os envolvidos estejam alinhados e comprometidos com os objetivos estabelecidos.
Como parte desse processo, a entidade terá condições de identificar os pontos fracos que demandam atenção e direcionamentos, além dos pontos fortes, que serão monitorados.
- PLANEJAMENTO, DEFINIÇÃO DAS PARTES INTERESSADAS E DOS TEMAS MATERIAIS
O próximo passo é o planejamento do escopo, com a determinação da materialidade e o estabelecimento de objetivos e metas.
A materialidade é o guia que direcionará as ações de ESG da estatal. É por meio da elaboração de uma matriz que a entidade identificará os temas materiais que apresentam relevância para os stakeholders (partes interessadas) e para a própria organização, impactando a estatal ou as partes interessadas a curto, médio e longo prazo, nos temas ambientais, sociais e de governança.
Na hipótese das estatais, caberá definir quem são essas partes, o que deve incluir colaboradores, terceiros, fornecedores, órgãos de controle, órgãos e entidades da Administração com quem se relacionam, agências reguladoras, comunidade, consumidores dos serviços/produtos, dentre outros.
A identificação dos temas materiais de relevância pelos stakeholders alocando-os na matriz de materialidade possibilita priorizar na agenda ESG os valores sensíveis à estatal e suas partes interessadas, auxiliando na alocação de recursos para tanto.
Para os conceitos tratados nesse tópico remetemos o leitor ao primeiro capítulo.
- IMPLEMENTAÇÃO, CRIAÇÃO DE POLÍTICAS, METAS E NORMATIVOS
Após a priorização derivada da matriz de materialidade, caberá à estatal estabelecer os objetivos e metas, alinhados aos temas relevantes e ao planejamento estratégico. Dos objetivos derivam as metas, que devem ser mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazos definidos[8].
Além do mais, é essencial estabelecer uma política robusta de ESG, que reflita os objetivos ESG da estatal, identificados na matriz de materialidade, e estar alinhada com os objetivos, valores e normas. São guias orientadores com princípios, diretrizes e regras que balizam as ações para atendimento às metas estabelecidas, além de servirem como base para a tomada de decisões.
A política ESG deve estabelecer diretrizes que nortearão a tomada de decisões estratégicas e o desenvolvimento de atividades operacionais, considerando tais critérios nos processos internos. Essas diretrizes serão utilizadas como parâmetro para avaliar o nível de comprometimento da Estatal. Quanto mais estruturadas forem as diretrizes, maior é a demonstração de engajamento com a pauta.
Além disso, a política e demais normativos pertinentes devem ser aprovados pelas instâncias competentes, divulgados de forma ampla e acessível a todos os públicos (partes interessadas), efetuados treinamentos a todos os colaboradores, adotados mecanismos de controle e monitoramento e revisadas periodicamente.
É importante também revisar as demais políticas existentes para incluir as diretrizes ESG, se necessário.
Nessa etapa também é necessário que a estatal promova a gestão de pessoas e de recursos e o engajamento das partes relacionadas, incluindo a cadeia de suprimentos, o que envolve as licitações.
Caberá, portanto, nesse momento, revisar os Regulamentos de Licitação para atualizar ou prever as regras que derivam dos objetivos e metas estabelecidos na matriz de materialidade, que de alguma forma tangenciem ou impactem diretamente nas contratações derivadas da Lei das Estatais.
Com toda a construção da teia normativa sobre o ESG, o passo seguinte é o de implementar a abordagem. Nessa etapa a estatal deve colocar em prática as diretrizes dispostas nas políticas, as metas, as métricas, os treinamentos, as contratações, a disponibilização de recursos, etc. para, de fato, incorporar em sua operação de forma integral.
- RELATAR E COMUNICAR
O próximo passo da jornada ESG, tem relação com o princípio da transparência. Deve a estatal elaborar e disponibilizar às partes interessadas, de acordo com suas necessidades e relevância de temas materiais, um relatório de desempenho, para fins de demonstrar o atendimento aos objetivos ESG definidos no programa.
Os relatórios ESG podem utilizar como base algumas referências amplamente utilizadas no mercado, como a GRI (Global Reporting Initiative), a SASB (Sustainability Accounting Standards Board), o IIRC (International Integrated Reporting Council), o CDP (Carbon Disclosure Project), dentre outros.
Esse relato permite o acompanhamento pelos stakeholders do atendimento das diretrizes e metas estabelecidos e, com isso, pode-se verificar a evolução da implementação do ESG rumo ao aculturamento da pauta e efetividade dos temas.
- MEDIR E MONITORAR
Por fim, o monitoramento de um programa de ESG consiste no seu acompanhamento, na aferição do seu funcionamento, da materialização dos objetivos e metas. Para tanto, é essencial definir indicadores que forneçam as evidências da implantação das práticas ESG da estatal.
Podem ser considerados indicadores para medição do programa: listas de presença de colaboradores em treinamentos, pesquisas realizadas com fornecedores, e-mails direcionados à alta administração com documentos para aprovação, comprovação de procedimentos e parâmetros sociais ou ambientais, estatísticas de apontamentos de auditorias, dentre outros relacionados aos objetivos e às metas estabelecidos.
Essa etapa é essencial para medir a aderência da estatal às suas políticas ESG, garantindo efetividade e credibilidade a todo o processo.
CONCLUSÃO
As estatais assumiram um arquétipo de dinamicidade na execução de suas atividades para agregar eficiência à Administração Pública. Porém, sua missão institucional, em vista do seu modelo híbrido público e privado, vai além disso e deve atender pautas mais variadas, como governança, meio ambiente e as sociais.
Esses temas, inclusive, estão dispostos na lei que estabelece o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista, a Lei n. 13.303/16. Observa-se que há uma harmonia da legislação com o ESG, assunto que se encontra constante e crescentemente em pauta global e tem como base a governança, com seu enfoque socioambiental.
As estatais, portanto, podem e devem implementar um programa ESG para melhoria de sua performance nos aspectos de governança, de meio ambiente e na pauta social (stakeholders), para aderência à legislação que constitui seu regime jurídico, cumprindo sua função social e o relevante interesse coletivo que fundamentou sua criação, para absorver todos os demais benefícios que o programa oportuniza.
Contudo, devem implementar de modo sistêmico, planejado, com metodologia que permita seu monitoramento e aperfeiçoamento, com efetividade, em vista de incluir o ESG na missão institucional, com base em temas relevantes definidos na matriz de materialidade pelas partes interessadas.
O ESG constitui um tema tratado ainda de forma incipiente, mas que tem um longo e fértil palco de discussões e amadurecimento. A incorporação dessa pauta permite que as estatais operem de maneira mais transparente, ética e sustentável, promovendo um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.
Referências
ARAGÃO. Alexandre Santos de. Empresas estatais – o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista, Rio de Janeiro, RJ: Editora Forense, 2018.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 37301:2021: Sistemas de gestão de compliance – Requisitos com orientação para uso. Rio de Janeiro, 2021.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Prática Recomendada: ABNT PR 2030: Ambiental, social e governança (ESG) — Conceitos, diretrizes e modelo de avaliação e direcionamento para organizações / Associação Brasileira de Normas Técnicas. – Rio de Janeiro: ABNT, 2022.
BEDONE, Igor Volpato. Empresas estatais e seu regime jurídico, Salvador, BA: Editora Juspodivm, 2018.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016
BRASIL. Lei Nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2016.
Sites consultados:
[1] BEDONE, Igor Volpato. Empresas estatais e seu regime jurídico, Salvador, BA: Editora Juspodivm, 2018, p. 31, 32.
[2] Prática Recomendada: ABNT PR 2030: Ambiental, social e governança (ESG) — Conceitos, diretrizes e modelo de avaliação e direcionamento para organizações / Associação Brasileira de Normas Técnicas. – Rio de Janeiro: ABNT, 2022, p. 4.
[3] Prática Recomendada: ABNT PR 2030: Ambiental, social e governança (ESG) — Conceitos, diretrizes e modelo de avaliação e direcionamento para organizações / Associação Brasileira de Normas Técnicas. – Rio de Janeiro: ABNT, 2022, p. 6.
[4] Prática Recomendada: ABNT PR 2030: Ambiental, social e governança (ESG) — Conceitos, diretrizes e modelo de avaliação e direcionamento para organizações / Associação Brasileira de Normas Técnicas. – Rio de Janeiro: ABNT, 2022, p. 5.
[5] “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
…” BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016.
[6] Criado por John Elkington em 1994, o tripé da sustentabilidade, ou “triplo bottom line”, é o método que incorpora a sustentabilidade nas empresas com base no social (pessoas), no planeta (meio ambiente) e no lucro (econômico). A sustentabilidade est[a assegurada se houver equilíbrio entre os três pilares. Fonte: https://johnelkington.com/archive/TBL-elkington-chapter.pdf, acesso em 30 de maio de 2024.
[7] Disponível em: https://www.ifrs.org/groups/international-sustainability-standards-board/, acesso em 23 de maio de 2024.
[8] Tal qual é a técnica SMART (Specific, Measurable, Achievable, Realistic, Time-bound), criada por Jorge T Doran, em 1981, para criar metas. Fonte: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-meta-smart-e-como-definir-em-sua-empresa,fd5cd6387eab5810VgnVCM1000001b00320aRCRD, acesso em 03/06/2024.