A CONTRATAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS COMUNS SEGUNDO A NOVA LEI DAS ESTATAIS

A Lei 13.303/2016 estabelece o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiáriasno âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. “Além de estabelecer normas de governança corporativa, o novo marco regulatório define regras e diretrizes para licitações e contratos no âmbito de todas as empresas estatais, podendo ser reconhecida, nesse viés, como a regulamentação que faltava ao art. 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988.”[1]
O referido dispositivo constitucional estabelece:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º – lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.” (grifou-se)

Até então, entendia o TCU que, enquanto não houvesse a edição da norma prevista no §1° do art. 173 da CF/1988, com a redação dada pela EC 19/1998, as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, como regra geral, deveriam se submeter aos princípios licitatórios insculpidos na Lei 8.666/1993, salvo em circunstâncias excepcionais, devidamente motivadas, em que a utilização daquele diploma legal poderia acarretar riscos à atividade comercial da empresa.[2]
Agora, porém, as estatais possuem um novo marco legal, que “no campo das licitações e contratos, (…) buscou consolidar, num único diploma legal, dispositivos da Lei 8.666/1993, da Lei do Pregão (Lei 10.520/2002) e do RDC (Lei nº 12.462/2011), extraindo-se a essência dessas três normas”.[3]
Essa nova lei apresenta algumas diretrizes a serem seguidas pelas estatais em seus processos licitatórios[4], sendo que dentre elas está a “adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (art. 32, IV).
Sob o ponto de vista doutrinário, essa previsão chega a causar estranheza, pois, como dito, a Lei das Estatais estabelece um novo regime de contratação para as entidades a ela submetidas, com mecanismos e procedimentos próprios, afastando a aplicação das demais normas gerais de licitação.
Nesse sentido é crítica feita por Joel de Menezes Niebuhr:

“O inciso IV do artigo 32 da Lei n. 13.303/2016 afirma que o pregão deve ser utilizado preferencialmente para a aquisição de bens e serviços comuns. A norma é desnecessária, haja vista que o procedimento de licitação previsto na Lei n. 13.303/2016 poderia ser considerado como uma modalidade própria, tal qual no Regime Diferenciado de Contratações – RDC. Contudo, em face do dispositivo, será necessário conciliar as novidades da Lei n. 13.303/2016 com a sistemática da Lei n. 10.520/2002, o que deve gerar dificuldades. A questão, em síntese, é a seguinte: em caso de aquisição de bens ou serviços comuns promovida por estatal, havendo contradição entre a Lei n. 13.303/2016 e a Lei n. 10.520/2002, qual deve prevalecer? A Lei n. 13.303/2016 não oferece resposta.”[5](grifou-se)

Da mesma forma, pondera Murilo Jacoby Fernandes:

“Apesar de trazer grandes avanços, a Lei das Estatais apresenta alguns pontos que merecem aperfeiçoamento.
Na construção de seus dispositivos afetos às modalidades de licitação, a Lei permite a utilização do modo de disputa aberto, fechado ou misto, nos moldes do RDC, mas determina o uso do pregão como modalidade preferencial.
Ora, utilizar o pregão não é compatível com os modos de disputa do RDC, o que traz ao dispositivo uma inviabilidade lógica na sua utilização.[6](grifou-se)

Já Edgar Guimarães e José Anacleto Abduch Santos oferecem a seguinte solução para a aplicação dessa diretriz:

A Lei n° 13.303/16 estabelece que deve, preferencialmente, ser adotada a modalidade de pregão instituída pela Lei n° 10.520/02. Tal importa que as estatais, ao licitarem nesta modalidade, devem cumprimento à Lei do Pregão, que será aplicada conjuntamente com a Lei n° 13.303/16. Pregão é modalidade de licitação que deve ser adotada para aquisição de bens e serviços comuns. Pode ser veiculado na forma presencial ou na forma eletrônica e já era fixado como modalidade preferencial para a Administração Pública federal (Decreto Federal n° 5.450/05).
(…)
Digno de nota é que a inversão de fases e os métodos de disputa aberto e fechado, ou combinados, inclusive pela via eletrônica, previstos na lei das estatais, fazem com que as vantagens da adoção do pregão sejam reduzidas de fato.
A lei impõe como diretriz “a adoção preferencial da modalidade pregão instituída pela Lei n° 10.520/02”. Quando da adoção do pregão para licitar bens e serviços comuns, serão utilizados apenas os dispositivos da lei que versem sobre modalidade, vale dizer, rito ou procedimento. Não se aplica, à guisa de exemplo, nas contratações e licitações das estatais o regime de sanções previsto no artigo 7° da Lei do Pregão, vez que a Lei n° 13.303/16 conta com regime jurídico sancionatório próprio.”[7] (grifou-se)

Recentemente, o Tribunal de Contas da União sinalizou à determinada empresa pública sobre a necessidade de se adotar o pregão quando da contratação de bens e serviços comuns, sem, contudo, esclarecer como se daria essa compatibilização entre os normativos:

“[ACÓRDÃO] 9.3.2. verificou-se na Concorrência Emgea 01/2016 a escolha indevida da modalidade concorrência, do tipo técnica e preço, uma vez que não restou demonstrada a impossibilidade da especificação de critérios técnico-operacionais que viessem a estabelecer a capacidade mínima razoável de atendimento condizente com os padrões de qualidade, rendimento e produtividade dos serviços que se desejava contratar, sendo a jurisprudência do TCU remansosa quanto à obrigatoriedade de utilização da modalidade pregão, de preferência na forma eletrônica, para a contratação de bens e serviços comuns, bem como diante do disposto no art. 32, inciso IV, da Lei 13.303/2016”.[8] (grifou-se)

Em nosso sentir, não há possibilidade de conjugação dos dois diplomas legais, sendo a interpretação mais coerente a de que a intenção legislativa é a de dar preferência ao modo de disputa aberto quando se refere à adoção do pregão para a aquisição de bens e serviços comuns.
Ou seja, ao licitarem bens e serviços comuns, as estatais não devem adotar a modalidade pregão nos estritos termos da Lei 10.520, em que pese à redação dada ao art. 32, IV, da Lei 13.303/2016, mas sim devem seguir as diretrizes e os procedimentos desse novo marco legal, dando preferência ao modo de disputa aberto, conforme previsão dos art. 52 e 53, a seguir transcritos:
“Art. 52. Poderão ser adotados os modos de disputa aberto ou fechado, ou, quando o objeto da licitação puder ser parcelado, a combinação de ambos, observado o disposto no inciso III do art. 32 desta Lei.
§ 1º No modo de disputa aberto, os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de julgamento adotado.
§ 2º No modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até a data e a hora designadas para que sejam divulgadas.
Art. 53.  Quando for adotado o modo de disputa aberto, poderão ser admitidos:
I – a apresentação de lances intermediários;
II – o reinício da disputa aberta, após a definição do melhor lance, para definição das demais colocações, quando existir diferença de pelo menos 10% (dez por cento) entre o melhor lance e o subsequente.
Parágrafo único.  Consideram-se intermediários os lances:
I – iguais ou inferiores ao maior já ofertado, quando adotado o julgamento pelo critério da maior oferta;
II – iguais ou superiores ao menor já ofertado, quando adotados os demais critérios de julgamento.”
Mas é certo que, por se tratar de tema recente, novos entendimentos e orientações dos órgãos de controle e jurisdicionais podem surgir em sentido diverso, cabendo-nos, então, acompanhar com atenção as manifestações vindouras.
E você, caro internauta que acompanha o BLOG JML, qual sua opinião a respeito?

Aproveitamos a oportunidade para desejar a todos um Feliz Natal, com muita luz e paz junto aos seus familiares! E que 2017 seja um ano de muitas realizações e prosperidade!
Até lá! =)


[1] Comunicação feita pelo Ministro do TCU, Vital do Rêgo, na sessão plenária do dia 06.07.2016, disponível em http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A255C278EE0155CC342CF70C5B&inline=1.
[2] TCU. Acórdão 566/2012. Plenário: “[VOTO]4. Assim, o entendimento jurisprudencial desta Corte evoluiu no sentido de que empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que exploram atividade econômica, como regra geral, devem se submeter aos princípios licitatórios insculpidos na Lei 8.666/1993 até edição da norma prevista no § 1.° do art. 173 da CF/1988, com a redação dada pela EC 19/1998, salvo em circunstâncias excepcionais, devidamente motivadas, em que a utilização daquele diploma legal pode acarretar riscos à atividade comercial da empresa.”
[3] Comunicação feita pelo Ministro do TCU, Vital do Rêgo, na sessão plenária do dia 06.07.2016, disponível em http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A255C278EE0155CC342CF70C5B&inline=1.
[4] Lembrando que o art. 40 da Lei 13.303/16 contemplou o dever das empresas estatais de regulamentar internamente as questões relativas às licitações e aos contratos, com o intuito de preencher as lacunas da nova lei, além de adaptar osprocedimentos internos às especificidades de cada estatal, o que deve ser feito dentro do prazo de 24 meses, a contar da publicação da Lei, nos termos do seu art. 91.
[5] NIEBUHR, Joel de Menezes. Aspectos…. Acesso em 20.12.2016.
[6]FERNANDES, Murilo Jacoby. Lei 13.303/2016: novas regras de licitações e contratos para as estatais. Disponível em https://jus.com.br/artigos/50312/lei-13-303-2016-novas-regras-de-licitacoes-e-contratos-para-as-estatais. Acesso em 20.12.2016.
[7] GUIMARÃES , Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Leis das estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p.102-104.
[8] TCU. Acórdão 2853/2016. Plenário.

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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