A LEI Nº 13.655/2018 E O RESGATE DA SEGURANÇA JURÍDICA PARA OS GESTORES PÚBLICOS E ÓRGÃOS DE CONTROLE

Desde a aprovação do Projeto de Lei nº 7448/2017 pela Câmara dos Deputados, que acrescenta novos artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o debate tem sido imenso no MUNDO jurídico. O texto seguiu para a sanção do presidente da República, Michel Temer, gerando manifestações de diversos setores na busca por convencer o chefe do Executivo a vetar o texto.

A norma tem, em sua raiz, uma busca por evitar a judicialização dos temas que envolvem a Administração Pública e que, em muitas situações, são responsáveis pela paralisação de obras e atrasos na prestação dos serviços públicos necessários à efetivação da dignidade dos administrados. Busca, assim, garantir a capacidade de gestão do Estado, evitando-se interferências que possam retardar o processo de desenvolvimento nacional.

Para os opositores do texto, o processo representa o enfraquecimento dos agentes do Estado responsáveis pelo controle, sob o argumento de que o projeto inviabiliza a atuação de auditores e procuradores, restringindo a eficácia da atividade de controle.

O argumento repousa na exigência de que os profissionais motivem os seus atos ao determinarem ações aos administradores públicos. O projeto previa que “a motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”. O que esquecem os opositores é que a atuação dos órgãos de controle deve ter como norte a busca pelo interesse público em suas ações.

Ademais, sob a técnica legislativa e jurídica, é preciso que se reconheça o cuidado da norma no estrito cumprimento dos preceitos estabelecidos para a atividade de controle. Sob o aspecto estritamente jurídico, o projeto de lei restaurava antigos princípios – como o da Aderência a Diretrizes e Normas – e princípios já consagrados em países mais evoluídos – como o da Deferência, prestigiado pelas cortes americanas e também pelo Superior Tribunal de Justiça no Brasil. É, portanto, um engodo pretender afastar a importância do projeto sob a pecha de injuridicidade.

Sob o aspecto da responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes públicos, o projeto separava com precisão aqueles que agiram com dolo para violar os deveres republicanos e a proteção do erário, daqueles que, sem qualquer má índole, praticaram atos amparados em pareceres técnicos e jurídicos.

Equipara com rigor ao dolo o erro grosseiro. Improcede, portanto, que a lei poderia servir à impunidade, afastando-se, assim, argumentos de que a medida atrapalharia investigações como a Operação Lava-Jato. Tal argumento representa uma falácia que nada acrescenta ao debate republicano. Ao contrário, a nova lei ajudará no combate a “infantilização”[1] na Administração Pública e o medo de errar, que tem gerado a letargia do processo decisório.

Atuação dos órgãos de Controle

Em relação à atuação dos órgãos de controle, o projeto de lei estabelecia o dever mínimo para o controlador de avaliar as consequências de seus próprios atos para a sociedade. Somente os incautos podem pretender a prevalência do princípio fiat justitia, pereat mundus na atualidade.

A paralisação de uma licitação para compra de medicamentos deve apontar para o gestor que, se a compra for essencial, poderá valer-se da contratação por emergência, também prevista em lei. Poderá, inclusive, determinar que indique se tem medicamentos já em estoque.  Se, por exemplo, impedir o trânsito em via de acesso, deve avaliar se há outros mecanismos para atender ao povo. Tal responsabilidade não prejudicará em absolutamente nada o dever de controle.

Os juízes deveriam receber a petição com indicativo responsável do autor, apresentando informações sobre o que a medida proposta afeta e como pode ser atendido o interesse público. Já os tribunais de contas, guardiões constitucionais de legitimidade e economicidade, têm instrumentos de sobra para dar integral cumprimento a esse dispositivo. A história recente revela que já se imiscuem na gestão muito além do dever de julgar, oportunizando medidas com esse propósito. Note-se, inclusive, que o dever de aquilatar a responsabilidade social das decisões é dever do juiz há mais de quatro décadas, positivado no nosso direito.

Sanção com vetos

Na quinta-feira, 26 de abril, o presidente da República, Michel Temer, sancionou a proposta com vetos pontuais em parágrafos e incisos da norma, com exceção do art. 25, cujo teor foi inteiramente suprimido. Assim, o PL 7448/2017 passa a ser conhecido no ordenamento jurídico brasileiro como Lei nº 13.655/2018.

O parágrafo único do art. 23 foi vetado porque, segundo o governo, embora o caput do artigo imponha a obrigatoriedade de estabelecimento de regime de transição em decisão administrativa, controladora ou judicial que preveja mudança de entendimento em norma de conteúdo indeterminado quando indispensável para o seu cumprimento, o dispositivo trazia um direito subjetivo do administrado ao regime. Isso poderia reduzir a força da própria norma e causar insegurança.

O polêmico art. 25, que trata da ação declaratória, era um dos mais questionados pelos integrantes dos órgãos de controle no PL 7448/2017 e foi vetado na íntegra. Os integrantes do Executivo entenderam que a ação poderia acarretar em excessiva demanda judicial injustificada, tendo em vista a abrangência de cabimento para a impetração da ação por “razões de segurança jurídica de interesse geral”. Além disso, a equipe de Temer considerou haver omissão no dispositivo quanto à eficácia de decisões administrativas ou de controle anteriores à impetração da ação declaratória de validade, o que poderia se tornar “instrumento para a mera protelação ou modificação de deliberações”.

Já o inc. II do § 1º do art. 26 também foi suprimido porque poderia haver desrespeito as sanções e créditos imputados no passado em decorrência de lei. Isso poderia, na visão do governo, estimular o não cumprimento das sanções para, mais à frente, buscar negociar com as autoridades.

Por considerar uma violação ao Princípio Constitucional da Independência e Harmonia de poderes, Temer resolveu vetar o § 2º do art. 26. A autorização judicial destinada à celebração de compromisso administrativo para excluir a responsabilidade pessoal do agente público poderia comprometer a apreciação das esferas administrativa e de controle.

Espera-se a derrubada do veto, pois o argumento não prospera. Se há mudança, ordena a lógica que se faça com cautela, para permitir o ajustamento social. Afinal, em nosso país, até as leis deveriam ter uma “vocatio legis” de 180 dias. Pode o veto ser derrubado.

Um dos principais dispositivos defendidos por quem era favorável à proposta, o § 1º do art. 28, foi excluído do texto aprovado. Temer considerou que a desconsideração de responsabilidade do agente público por decisão ou opinião baseada em interpretação jurisprudencial ou doutrinária não pacificada daria excessiva discricionariedade ao administrado. Já o § 2º do mesmo artigo, que obrigava a publicação das consultas públicas e respectivas análises, foi suprimido porque acredita-se haveria morosidade e ineficiência na sistemática por parte dos órgãos ou Poderes. Princípio da aderência e deferência.

Por fim, os parágrafos do art. 28 foram retirados da lei aprovada porque os ministros acreditam que os dispositivos criariam direito subjetivo para o agente público obter apoio e defesa pela entidade, o que abriria espaço para a não exclusividade do órgão de advocacia pública na prestação, que isso causaria suposto gasto indevido e significativo para os entes subnacionais. Já é lei no Brasil, art. 30 da Lei nº 13.303/2016.

Avanço para a segurança jurídica do país

Após explicitar todos esses argumentos e contra argumentos, é importante destacar que a Lei nº 13.655/2018 tem o potencial de garantir o desenvolvimento nacional. Assegura, com ênfase inédita, a segurança jurídica e impõe um processo de transição de 180 dias para mudança jurisprudencial. Neste período, todos teremos que nos adaptar e cabe aos órgãos de controle trabalhar com afinco para garantir a adequada

A ousadia de aqui pensar em derrubada de vetos tem uma explicação lógica. No diálogo público ocorrido no dia 23 de abril de 2018, no Tribunal de Contas da União – TCU, ocorreu um fato interessante: o evento foi promovido após a aprovação do parlamento; todas as autoridades que expressaram sua exigência ao veto integral alegaram não terem sido ouvidas antes e todas essas mesmas integram a instituição que formalmente se manifestou durante a tramitação.

Por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Sócio do escritório, é advogado, mestre em direito público, professor de direito administrativo, escritor, consultor, conferencista e palestrante. Desenvolveu uma longa e sólida carreira no serviço público ocupando vários cargos, dos quais se destacam: Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Membro do Conselho Interministerial de Desburocratização, Procurador e Procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, Advogado e Administrador Postal da ECT e, ainda, consultor cadastrado no Banco Mundial. Publica periodicamente vários trabalhos, principalmente na seara do direito administrativo, com destaque para uma abundante produção de artigos científicos nas principais publicações jurídicas brasileiras: revistas Fórum de Contratação e Gestão Pública, Fórum Administrativo, O Pregoeiro, Revista ILC – Editora Zênite e caderno Direito & Justiça do Correio Braziliense. Colabora como conselheiro editorial na Editora Fórum. Como conferencista e palestrante é um dos profissionais mais solicitados no ramo, onde ministra diversos cursos, congressos e seminários em todo o país, totalizando mais de 1.000 horas.


[1]Sobre infantilização, consulte o artigo do ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas, publicado no jornal “O Globo”: O risco de ‘infantilizar’ a gestão pública.

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

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