ALTERAÇÕES CONTRATUAIS E A INCLUSÃO DE OBJETO NOVO

Na fase interna do certame, tem a Administração o dever de realizar competente estudo acerca da contratação pretendida, de modo a descrever seu objeto de forma clara e precisa, delimitando com exatidão suas especificações, características, quantitativos, forma de execução, etc., a fim de realizar uma exitosa licitação e obter um produto ou serviço adequado a satisfazer totalmente o interesse público em voga, em atenção aos princípios que regem as atividades daqueles que gerem recursos públicos, especialmente o da eficiência, e ao que dispõe a Lei 8.666/93:

Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
(…)
§ 7o Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I – a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;
II – a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação;
III – as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material.” (grifou-se)

A descrição do objeto da licitação deve ser feita com cautela, pois deve ser delimitado com exatidão o que a Administração necessita para o atendimento à necessidade almejada por todo o período da contratação, requerendo tal procedimento a definição dos quantitativos e características que serão necessários para a satisfação do interesse em voga.

Nesse sentido é o pacífico entendimento do TCU, sumulado nos seguintes termos:

“Súmula 177: A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.” (grifou-se)

Como destacado na súmula acima, definir o objeto é essencial para garantir a isonomia entre os licitantes, a contratação mais vantajosa e o atendimento ao interesse público. Em regra, portanto, a Administração tem o dever de, por ocasião da elaboração do edital, fixar as características e quantitativos do objeto desejado durante a vigência do contrato para satisfação plena de todas as suas necessidades. Nessa linha, todos os serviços mesmo que em menor volume, deveriam ser discriminados em edital/termo de referência a fim de que fossem cotados e pudessem ser utilizados quando da contratação.

Ultrapassada a fase de planejamento da licitação, elaborado e publicado o respectivo edital, as disposições deste se tornam vinculantes, tanto para a contratante como para os licitantes. Bem por isso o planejamento adequado na fase interna da licitação é de suma importância.

Assim, por força do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, uma vez realizada a licitação, o contrato decorrente deve ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as disposições de suas cláusulas, do instrumento convocatório e da proposta selecionada como vencedora. Essa a regra expressa na Lei 8.666/93, conforme se observa:

“Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
§ 1º. Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.
§ 2º. Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta.
(…)
Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.” (grifou-se)

Porém, em hipóteses excepcionais, devidamente justificadas em face de um fato superveniente à sua celebração, tem a Administração a possibilidade de alterar o instrumento contratual, respeitados os limites definidos no ordenamento e sem desnaturar o objeto contratado.

Nesse aspecto, a Lei de Licitações:

“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
II – por acordo das partes:
(…)
§ 1º. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício, ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
§ 2º. Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:
I –  … (vetado);
II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.
(…)
§ 6º. Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.” (grifou-se)

Da leitura do preceito da Lei 8.666/93 denota-se existirem duas modalidades de alteração contratual, a saber:
a) alteração qualitativa – relacionada com as condições do objeto, aplicando-se quando fatos supervenientes ensejarem a necessidade de alteração do projeto ou das especificações do objeto para adequação técnica e melhor atendimento do interesse público (“a” do I do art. 65).

b) alteração quantitativa – enseja a alteração do quantitativo do objeto, isto é, da quantidade contratada, sendo o valor contratual utilizado apenas como parâmetro para aferição do montante a ser acrescido ou suprimido, conforme o caso, cujo limite é, para os acréscimos[1], de 25% do valor inicial atualizado do contrato no caso de compras, obras e serviços e de 50% na hipótese de reforma de edifício ou de equipamento.[2]

Importante frisar que qualquer espécie de alteração contratual, seja ela de ordem quantitativa ou qualitativa, constitui-se em situação de exceção, devendo ocorrer somente ante a ocorrência de fato superveniente, devidamente justificado no processo e que explicite os motivos que respaldam a aludida modificação, não podendo derivar de erros e/ou falhas no planejamento da licitação.

É o que ensina Jessé Torres Pereira Junior:

“Consigne-se, por fim, que as modificações qualitativas ou quantitativas no objeto de um contrato público constituem excepcionalidade a ser cabalmente justificada diante de fatos supervenientes à contratação.”[3]

O TCU já se pronunciou diversas vezes do seguinte modo:

“[ACÓRDÃO] 9.7 dar ciência à Prefeitura Municipal de Macapá/AP:
9.7.1 nos casos em que for necessário promover alterações nos projetos ou especificações referentes aos contratos celebrados pelo município, da obrigatoriedade de fazer constar, no processo administrativo relativo à contratação, de forma detalhada, a superveniência de motivo justificador da alteração contratual, de modo a demonstrar que os fatos posteriores alteraram a situação de fato ou de direito e exigem um tratamento distinto daquele inicialmente adotado, conforme prevê o art. 65, caput e inciso I, alínea “a”, da Lei nº 8.666/1993;
9.7.2 nos casos em que for necessário promover alteração de valores nos contratos firmados com a municipalidade, da obrigatoriedade de obediência aos limites estabelecidos no art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/1993.”[4] (grifou-se)

Adote a prática de registrar nos processos licitatórios e nos processos deles decorrentes – processos de acompanhamento de contratos de obras e/ou serviços – as devidas justificativas para as alterações contratuais, com as demonstrações analíticas das variações dos componentes dos custos dos contratos, conforme previsto na Lei 8.666/1993 (art. 65).”[5] (grifou-se)

“Observe o princípio de que a execução de itens do objeto do contrato em quantidade superior à prevista no orçamento da licitação deve ser previamente autorizada por meio de termo aditivo contratual, o qual deverá atender aos requisitos a seguir:
ser antecedido de procedimento administrativo no qual fique adequadamente consignada a motivação das alterações tidas por necessárias, que devem ser embasadas em pareceres e estudos técnicos pertinentes, bem assim caracterizar a natureza superveniente, em relação ao momento da licitação, dos fatos ensejadores das alterações.
– ter seu conteúdo resumido publicado, nos termos do art. 61, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993.”[6] (grifou-se)

Vale ser destacado, ainda, que as alterações contratuais não podem, em hipótese alguma, desnaturar o objeto inicialmente estipulado, sendo vedada também a inclusão de produtos/serviços não previstos originariamente, pois tais procedimentos não possuem amparo legal e afrontam vários princípios administrativos, como o da própria licitação, da vinculação ao instrumento convocatório, da isonomia, etc.

Marcio Cammarosano esclarece sobre o tema:

“É bem verdade que a inexistência, em princípio, de limites rígidos expressos em lei, para alterações qualitativas, ou determinadas por fatores não previstos quando da licitação e assinatura do contrato, se não obstam os aditamentos que se fazem indispensáveis à consecução dos objetivos legitimamente colimados, ou que se apresentam como acentuadamente recomendados por razões de ordem técnica, não tem o condão de fazer desaparecer possíveis responsabilidades por imprevidências injustificáveis da Administração à época do certame licitatório.
Também é verdade que a inexistência de limites rígidos para fazer frente a alterações qualitativas e ou situações imprevistas não autoriza desnaturar o objeto do contrato, nem realizar intervenções de tal ordem que lhe alterem profundamente as características consoante inicialmente concebidas e consubstanciadas no projeto e orçamento anexos ao edital do certame licitatório.”[7] (grifou-se)

E o TCU sinaliza no seguinte sentido:
“[alterações] unilaterais qualitativas – que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão (…)”[8]

“[VOTO] Ainda que se admitisse a ocorrência de acréscimo no valor do contrato, em razão das significativas mudanças na concepção original da obra, seria forçoso reconhecer, à toda evidência, que a integridade do objeto contratual inicialmente pactuado, qual seja, a construção do aeroporto, manteve-se inalterada.
As mudanças sobrevindas ao contrato possuíam natureza eminentemente qualitativa, não rompendo a fronteira do obrigatório respeito ao objeto contratual, limite implícito à mutabilidade do contrato administrativo, admitida no ordenamento jurídico. O termo aditivo manteve a essência do objeto imediato contratado, alterando, entretanto, as especificações estabelecidas no Projeto Básico inicial, com vista à melhor adequação técnica e operacional do empreendimento à nova dimensão que lhe fora conferida pelas especificações ditadas.”[9] (grifou-se)

Pode-se observar que foram incluídos quatro novos postos de trabalho no escopo do contrato nº 001/2006, via 3º termo aditivo, que não estavam contemplados no contrato inicialmente firmado. Tal fato caracteriza alteração do objeto do contrato, o que não é permitido na legislação vigente. Aditamentos ou supressões em contratos vigentes só podem ser efetuados quando não há alteração do objeto pactuado, de acordo com o estabelecido no art. 65, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93, caso contrário as condições pactuadas inicialmente para a disputa estariam sendo rompidas, com a consequente quebra do caráter isonômico e competitivo entre os licitantes.”[10] (grifou-se)

Portanto, temos que a alteração contratual, especialmente a qualitativa, não deve ser utilizada para que a Administração inclua serviço que não foi anteriormente contemplado nos instrumentos da contratação, devendo, nesta hipótese, realizar nova licitação para contratação do objeto almejado.


[1]A Lei 8.666/93 excepciona a supressão bilateral, admitindo para esse a superação do limite de 25% (inciso II do § 2º do art. 65).
[2]Em regra, segundo aposição defendida pelo TCU, os limites percentuais aplicam-se indistintamente para as alterações unilaterais quantitativas e qualitativas, admitindo-se, entretanto, em situações excepcionalíssimas, nas hipóteses de alterações qualitativas queeste limite seja extrapolado, desde que atendidas todas as exigências apontadas da Decisão nº 215/1999 – Plenário.
[3]JUNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 713.
[4]TCU. Acórdão nº 6841/2011. Primeira Câmara.
[5]TCU. Acórdão 297/2005. Plenário.
[6]TCU. Acórdão 554/2005. Plenário.
[7]CAMMAROSANO, Márcio. Aditamentos qualitativos e quantitativos dos contratos  administrativos e os limites legais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 18, 2012.  Disponível em:.
[8]TCU. Decisão 215/1999. Plenário.
[9]TCU. Acórdão 396/2003. Plenário.
[10]  TCU. Acórdão 1373/2012. Primeira Câmara.

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