ENSAIOS SOBRE O PROJETO DE LEI NO. 4.253/2020: UM OLHAR SOBRE AS INOVAÇÕES QUE SERÃO TRAZIDAS PELA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

O Agente da Contratação: novas competências, maiores responsabilidades

1. Introdução
 

Não é controversa a importância institucional que guardam os servidores e empregados públicos investidos das funções de processar e julgar procedimentos licitatórios. Afinal, são eles que aplicam as normas do edital de licitação, julgam habilitação e propostas e selecionam o futuro parceiro da Administração. Estrategicamente, praticamente nada se faz na Administração Pública que não dependa da aquisição de coisas, contratação de serviços ou obras. Nesse contexto, pode-se afirmar, com segurança, que os servidores e empregados públicos são um dos principais responsáveis pela implementação das políticas públicas em todos os setores.

Tal atividade durante muito tempo foi bastante glamourizada. Dotados de competências bastante abrangentes, sem vinculação hierárquica o julgador da licitação era considerado uma espécie de autoridade soberana. O que era por eles decidido, assim ficava.

Com o tempo e o aperfeiçoamento dos métodos de controle e a modernização do próprio Direito Administrativo, essa atividade, falando de um modo geral, viu decair seu grau de importância, tanto no ambiente interno como também perante a sociedade. Tanto assim, que em sua maioria, considerando o conjunto de órgãos públicos do País, sequer é remunerada especificamente para tal função, a despeito da enorme responsabilidade que assumem junto com a investidura na função.

O fato, inexorável, é que o servidor ou empregado público investido nas funções de processar e julgar licitações devem ser valorizados, ante o conjunto de responsabilidades assumidas, bem como sua importância estratégica para o órgão ou entidade em que atuam.

O PL no. 4.253/2020 não traz nenhum dispositivo que valoriza esses servidores. Se ocupa apenas em aumentar-lhes as suas responsabilidades. É uma enorme perda de oportunidade, que espero seja corrigida, senão por uma nova lei que venha atualizar a que está para entrar em vigor[1] norma; ou, ao menos, no âmbito da regulamentação interna dos órgãos e entidades do Poder Público.

Nesse texto, que prossegue na série de ensaios sobre o PL no. 4.253/2020, vamos analisar as novidades trazidas em relação aos agentes públicos que serão responsáveis pela condução dos processos licitatórios. Antes, porém, iremos analisar a evolução normativa sobre essa importante figura no cenário público, de modo a auxiliar a compreensão das novas normas que entrarão em vigor em breve.

Discorreremos de forma um pouco mais dedicada sobre a Comissão de Licitação e Pregoeiro, considerando que muitos de suas características serão reprisadas e/ou aproveitadas pela nova norma, ao tratar do Agente da Contratação e da Comissão de Agentes da Contratação.

2. Os condutores do procedimento licitatório no antigo regime: Decreto no. 200/1967 e Decreto no. 2.300/1986

Os representantes da Administração responsáveis pela condução dos procedimentos licitatórios, desde o Decreto no. 200/67, com previsão no seu art. 141, é a nossa velha e conhecida Comissão de Licitação. Neste normativo, havia a previsão de que a “A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral e o julgamento das concorrências e tomadas de preços deverão ser confiados a comissão de, pelo menos, três membros”. Nada mais discorria sobre suas competências ou formas e requisitos de indicação dos membros ou período de investidura.

Já na vigência do Decreto no. 2.300/86, essa figura se torna um pouco mais sofisticada. Surgem a expressões permanente ou especial. A de caráter permanente, não poderia ser reconduzida para o “biênio” subsequente (art. 41, §4º). Portanto, o período em que os membros da Comissão Permanente poderia funcionar seria de, no máximo, dois anos. Posteriormente, com o Dec. 2.348/87, esse período de investidura se reduz a um ano.

Também surge a figura do responsável pelo Convite. A previsão no §1º do art. 41 era de que para esta modalidade licitatória, não seria composta Comissão.

Seria indicado um servidor responsável pela condução dos trabalhos. Portanto, a Comissão teria competência para julgar apenas as licitações nas modalidades tomada de preços e concorrência.

Também era interessante (e temerosa) o modo de investidura. Segundo o art. 41, § 2º daquele revogado Decreto, a designação da Comissão Especial e do responsável pelo Convite se daria na data da apresentação das propostas. Significava que os licitantes somente conheceriam os nomes das autoridades que conduziriam o certame no próprio dia da licitação.

Fácil imaginar que, dependendo da circunstância, se poderia dirigir a indicação dos membros ou do responsável pelo convite ao nuto do administrador e de acordo com as proponentes presentes. Vamos lembrar que eram tempos em que não se imaginava, nem de longe, os artefatos tecnológicos de que hoje dispomos. As publicações na imprensa oficial eram encaminhadas por papel (os mais experientes irão se recordar), e, dependendo da hora em eram encaminhadas, só seriam publicadas dois dias depois. Logo, ao dispor que o responsável pelo Convite ou os membros da Comissão Especial seriam designados na data da apresentação da proposta, tal indicação poderia se dar minutos antes do início do certame, já com o conhecimento de quem participaria da licitação, o que poderia ser objeto de arbitrariedades e desvios de finalidade.

Quanto aos requisitos, o Dec. no. 2.300/86 nada discorria. Isto é, qualquer um poderia integrar a Comissão de Licitação. Poderia ser servidor do quadro efetivo ou do quadro comissionado. Mas também poderia ser um indivíduo estranho ao serviço público, contratado para esse fim. Também é importante lembrar que na década de 1980 quase não se via o uso da terceirização no serviço público, uma vez que somente com a Constituição de 1988, é que passou a prevalecer o princípio do concurso pública para preenchimento de cargos e empregos públicos.

Somente para os casos de pedidos de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento para obras, serviços ou aquisição de equipamentos é que se exigia perfil específico, pois a previsão era a que deveria ser “integrada por profissionais legalmente habilitados”.

3. Os condutores do procedimento licitatório no regime da Lei no. 8.666/1993

Com o advento da Lei no. 8666/1993, que veio regulamentar o art. 37, XXI [2], da Carta Magna de 1988, a regulamentação acerca das comissões de licitações e do responsável pelo convite ficaram um pouco mais sofisticadas. Já se percebe um controle maior, mas, ao mesmo tempo, certa flexibilidade quanto à composição. É o texto que está em vigor até hoje. Senão vejamos

Art. 51.  A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação.

§ 1o  No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e em face da exiguidade de pessoal disponível, poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.
§ 2o  A Comissão para julgamento dos pedidos de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento, será integrada por profissionais legalmente habilitados no caso de obras, serviços ou aquisição de equipamentos.
§ 3o  Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.
§ 4o  A investidura dos membros das Comissões permanentes não excederá a 1 (um) ano, vedada a recondução da totalidade de seus membros para a mesma comissão no período subsequente.
§ 5o  No caso de concurso, o julgamento será feito por uma comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não.

De plano já se percebe que a indicação para integrar a Comissão de Licitação, seja permanente, seja ela especial, depende do atendimento a dois importantes requisitos. O primeiro deles é ser integrada por ao menos dois servidores pertencentes aos quadros permanentes do órgão/entidade promotor do certame. O Segundo, é que estes servidores sejam qualificados. Disso decorre que a Lei no. 8.6666/1993 reduz o campo de discricionariedade do gestor público, pois lhe retira a ampla liberdade que tinha de indicar membros das comissões de licitação, conforme dispunha até então. Obrigatoriamente, dois membros terão que ser escolhidos dentro os servidores do quadro permanente.

Por servidor do quadro permanente deve-se entender aqueles ocupantes das carreiras dos respectivos planos de cargos e salários (servidores concursados), bem como aqueles estranhos ao serviço público, mas detentores de cargo em comissão ou função de confiança de livre nomeação e exoneração — os chamados 100% DAS. Isto porque, os cargos em comissão e funções comissionadas integram o conjunto de cargos do quadro efetivo do órgão. A distinção entre eles é a natureza da investidura: nos primeiros, é de provimento efetivo (por concurso); no segundo, de provimento comissionado, que é de caráter transitório. Nos termos da Lei 8112/90, que cuida do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União:

“Art. 3° – Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único.  Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.”

Ao impor que a maioria dos componentes seja do quadro permanente do órgão, o texto da lei oferece uma impressão equivocada sobre a possibilidade de participação de indivíduos estranhos aos quadros efetivos (provimento efetivo ou comissionado), como seria o exemplo do empregado terceirizado, o que não é verdade. As atribuições da Comissão consubstanciam atos administrativos decisórios, e, para tanto, é necessário que o membro possua o múnus público que lhe confira a autoridade necessária. Esse múnus depende justamente da ligação do membro com a unidade administrativa promotora do torneio. Portanto, podem fazer parte das CPLs e CELs dos órgãos da Administração Pública:

  1. servidores detentores de cargo das respectivas carreiras;
  2. servidores cujo vínculo com o órgão seja por meio de cargo em comissão ou função de confiança de livre nomeação e exoneração (100% DAS); e,
  3. servidores requisitados de outros órgãos da Administração Pública, desde que não sejam maioria na Comissão e estejam oficialmente cedidos pelo órgão de origem.

Não podem ser designados para compor as CPLs os empregados terceirizados ou o particular contratado sem qualquer vínculo direto com a Administração Pública.

Quanto ao requisito da qualificação, a norma regente da espécie não discorre sobre a forma, conteúdo ou outro elemento que regule como se dará o reconhecimento de que a pessoa do indicado seja qualificado para a função, parecendo, em princípio, letra morta.

Como dito nas linhas introdutórias deste trabalho, o elevado grau de complexidade de seus atos, bem como sua importância estratégica exige do gestor o cuidado de indicar agentes públicos devidamente qualificados para o exercício e desempenho dessas atividades. O mínimo que se espera é que tenham domínio (não apenas conhecimento) da legislação regedora do instituto da licitação. Também devem, possuir um mínimo de entendimento técnico (não se exige, nesse caso, o domínio do assunto) que permita avaliar e julgar com segurança os documentos e propostas apresentados. Nesse sentido, vejamos as lições de Marçal Justen Filho[3], verbis:

É desejável e usual que ao menos um dos integrantes tenha conhecimento jurídico que lhe permita adequar os atos praticados aos dispositivos norteadores da licitação. Isso, porém, não é obrigatório. Não se concebe, contudo, a absoluta ausência de capacitação técnica dos membros da comissão quando o objeto licitado envolver requisitos específicos ou especiais. Ainda quando os membros da comissão não necessitem ser especialistas, é necessário que detenham conhecimentos técnico-científicos compatíveis com as regras e exigências previstas no ato convocatório. Em suma, não se admite que a comissão de licitação para construção de uma hidrelétrica seja integrada por nutricionistas. (…). Se a Administração impõe exigências técnicas aos interessados, não pode invocar sua discricionariedade para nomear comissão destituída de condições para apreciar o preenchimento de tais requisitos. O agente que não está técnica, científica e profissionalmente habilitado para emitir juízo acerca de certo assunto não pode integrar comissão de licitação que tenha atribuição de apreciar propostas naquela área.”14 (grifou-se)

No entanto, ao dispor que o indicado deverá ser qualificado, acarreta ao gestor, com maior precisão, o grau de responsabilidade na indicação, pois, caso nomeie servidor não qualificado para compor a Comissão de Licitação, poderá ser responsabilizado pelos atos deste nocivos ao interesse público, na modalidade culpa in elegendo ou culpa in vigilando.

O Tribunal de Contas da União conta com repositório nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO — PREFEITO MUNICIPAL — INSURGÊNCIA CONTRA IMPUTAÇÃO DE MULTA — PROCEDIMENTO LICITATÓRIO — IRREGULARIDADES — I. RESPONSABILIZAÇÃO SUBJETIVA DO GESTOR PÚBLICO — CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO — II. HOMOLOGAÇÃO DO CERTAME — APROVAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS — III. RECURSO IMPROVIDO — MANUTENÇÃO DA MULTA APLICADA. O gestor público pode ser responsabilizado subjetivamente pelos atos praticados pela comissão de licitação, uma vez que concorre para as irregularidades por culpain eligendo e, ao homologar o certame, por culpa in vigilando, ratificando os procedimentos adotados”.

O § 1º do art. 51 da Lei Geral de Licitações e Contratos manteve a previsão de que, no caso da licitação na modalidade convite, o processo e julgamento poderia se dar por servidor (e não comissão) formalmente designado. Todavia, deixa de ser uma alternativa discricionária como era na legislação anterior e tal substituição passa a ter caráter excepcional, somente será aceitável diante da exiguidade de pessoal disponível.

No que concerne à investidura, a mesma passa a ser formal. Não há mais a previsão de que em certos casos poderia se dar na data da apresentação da proposta. Ao contrário, é requisito processual a juntada do ato de designação da Comissão ou do responsável pelo convite, nos termos do art. 38, III da referida norma legal.

No que tange à investidura, a Lei Geral passa a ser mais flexível que o Decreto por ela revogado, mantendo o prazo de investidura em um ano, mas admitindo a recondução parcial para o período seguinte ao vedar, no § 4º do art. 51, a recondução da totalidade de seus membros. Ou seja, se a norma proíbe a recondução total, por consectário lógico, admite a recondução parcial[4]. Basta, portanto, substituir ao menos um membro para o período seguinte.

Assim, analisando a evolução das normas licitatórias se percebe um bom avanço quanto à regulamentação dos responsáveis por escolher o parceiro da Administração.

4. Características da Comissão de Licitação

A Comissão julgadora, que, conforme já visto, pode ser permanente ou especial conforme o prazo de designação, é órgão colegiado, assim sendo, de deliberação coletiva que decide pela maioria de votos de seus membros. É órgão abstrato destituído de personalidade jurídica própria, mas possuidora de capacidade judicial, ou seja, pode demandar ou ser demandada em juízo. Tanto que é frequente vermos as Comissões de Licitação serem indicados como autoridade coatora em ações de mandados de segurança contra atos de sua esfera de competência.

As Comissões devem sempre, por óbvio, ser formada por número ímpar de membros, sendo o mínimo de três servidores. Afinal, se a nomeação recair em um servidor apenas não haverá comissão; se forem dois ou número par, já teremos uma comissão, mas poderá haver empate nas deliberações.

São figuras das Comissões:
a) Presidente
É a autoridade da Comissão a quem cabe a direção dos trabalhos. É desejável que o escolhido tenha conhecimento na matéria, mas não necessariamente deve ser o mais preparado ou o mais antigo. Muitas vezes o profissional que detém maior conhecimento não tem facilidade de trabalhar em equipe, o que é essencial, tratando-se de um colegiado, ou ainda não tem perfil de liderança, caso das pessoas muito tímidas. Considero fundamental que a escolha do Presidente deve recair em servidor que, além de possuir domínio da legislação e do processo licitatório, apresente perfil de liderança, capacidade de atuar em equipe, equilíbrio e controle emocional.

b) Vice-Presidente ou Presidente em exercício
É o servidor indicado pelo Presidente ou pela autoridade superior para substituir o Presidente em suas faltas ou impedimentos legais. Poderá ser fixo, no caso da indicação do Vice, ou eventual, nas hipóteses de atuação “em exercício”. Neste último caso, a indicação poderá variar entre os membros. Não compete ao Vice-Presidente a indicação de outro membro para substituí-lo.

c) Membro
É o componente da Comissão investido na função precípua de proferir voto nas deliberações do colegiado. Cumpre ao membro atender às determinações do Presidente no que concerne à ordem e andamento dos trabalhos. Poderá receber do Presidente atribuição específica tal como examinar recursos e elaborar o relatório correspondente (relator do recurso), realizar pesquisas e diligências internas ou externas entre outras funções. Não está subordinado ao Presidente nas funções de voto, tendo independência técnica para votar segundo sua convicção pessoal, devendo, em caso de ter sido voto vencido, elaborar as justificativas que o conduziram a divergir da maioria (declaração de voto vencido).

d) Secretário
É o membro a quem incumbe a organização do “escritório” da Comissão. Deve ser escolhido dentre aqueles que possuem maior sentido de organização. Será o responsável pela lavratura das Atas das reuniões e das sessões de julgamento, pela elaboração de relatórios estatísticos, montagem dos processos (apensações, entranhamentos, juntadas etc.), preparo das correspondências internas e externas e todos os demais atos típicos de secretaria. Poderá ou não votar conforme sua designação e seu vínculo com a Administração. Caso não tenha poder de voto, poderá ser indicado até mesmo um colaborador terceirizado para esse mister.

e) Assistente ou Consultor
Não faz parte da Comissão. Em certos casos a Comissão se verá diante de casos em que se exigirá conhecimento específico e mais aprofundado sobre questões de natureza técnica relacionadas ao objeto posto em disputa e que foge ao conhecimento técnico dos membros componentes. Nessas situações, o Presidente poderá convocar outros profissionais para funcionarem como agentes consultivos do colégio, visando balizar futura decisão.

Como dito, são figuras estranhas às Comissões de Julgamento, não integrando seu corpo. Não se responsabilizam solidariamente pelas opiniões e pareceres apresentados, nem tampouco retira dos membros a responsabilidade da legalidade das decisões em que atuaram com agentes consultivos. A comissão não estará obrigada a seguir a indicação ou opinião do consultor, podendo decidir de forma contrária àquela indicada, desde que fundamentadamente. Contudo, se for pela mesma direção, reduz-se a responsabilidade ante a eventual declaração de nulidade do ato que teve apoio em parecer técnico de consultores. Para isso, é relevante que se convoque profissional cujo conhecimento seja reconhecidamente profundo o suficiente a justificar sua oitiva. Caso contrário, a Comissão responderá com culpa in eligendo no caso de nulidade por parecer despropositado.

4.1 Das atribuições, competências e responsabilidades

Cumpre às Comissões de Licitação a função básica de decidir a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração, por meio de deliberação coletiva.

Os atos da Comissão julgadora são estritamente vinculados à lei e ao edital, deles não podendo afastar-se em momento algum. A Comissão não tem poder para alterar os critérios do julgamento no momento da abertura dos envelopes, ou deixar de exigir algum documento previsto no edital, salvo se reconhecidamente irrelevante e impertinente ao específico objeto do contrato, ou flagrantemente contrário à lei ou ao interesse público.

A responsabilidade pela legalidade das decisões da CPL é solidária entre seus membros, ou seja, respondem, todos, por eventual prática ilegal de atos da sua esfera de atuação. Somente se exime de responsabilidade de tomada de decisão contrária à lei aquele membro que deixou lavrado em ata posicionamento contrário por meio de voto fundamentado (voto vencido).

A decisão da Comissão é imutável, salvo no caso de exercício de juízo de retratação ou por decisão devidamente fundamentada da autoridade superior. Não responde, pois, hierarquicamente a qualquer autoridade administrativa, possuindo independência técnica. Significa dizer que não está obrigada a decidir de um jeito ou de outro em virtude de ordem superior. A modificação da decisão da CPL somente se opera por força de outra decisão fundamentada por autoridade a ela superior.

Muito se diz a respeito da atuação das CPLs em relação a atos administrativos não ligados diretamente às licitações. Há órgãos que enfrentam graves problemas de disponibilidade de mão de obra qualificada e, o mais das vezes, terminam por sobrecarregar as Comissões de Licitação com funções que não lhes são próprias, mormente, nos casos de contratação direta.

Em princípio, as Comissões somente possuem competência para decidir sobre as questões relativas ao Registro Cadastral e as relativas ao julgamento das licitações. Na ausência de regulamentação interna corporis que confira outras atribuições, a CPL não tem competência para falar sobre processos que não cuide ou de registro cadastral ou de licitação, devendo ser recusada a solicitação de intervenção em processos de natureza diversa. Entretanto, as atribuições de uma CPL, ou de seu Presidente, podem ser estendidas de acordo com a conveniência da autoridade superior, que poderá ampliá-las por ato específico.
Dito isto, e com apoio na lição de Gasparini,[5] podemos relacionar quais os atos que via de regra não alcançam a competência natural das CPLs:

  1. a convocação dos vencedores do torneio para a retirada da nota de empenho ou assinatura do contrato;
  2. recebimento do objeto ou fiscalização do contrato[6];
  3. apuração de ilícitos contratuais, exceto em relação à instrução do processo;
  4. manifestação sobre as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade;
  5. aprovação da minuta do edital;

4.1.1 Atribuições do Presidente da CPL

Ao atuarem, as Comissões usam de poder administrativo, direcionando comandos como verdadeiras autoridades que são. Nesse passo, suas determinações ganham força coercitiva e somente podem ser desfeitas de ofício (sem provocação de terceiros) pela própria Comissão, por meio de juízo de retratação, ou reformadas mediante decisão de autoridade superior. Mas não é só por meio das decisões do colegiado que a CPL se manifesta, pois a atuação do colegiado depende, em muitos casos, dos atos típicos de direção, seja na condução das sessões de licitação, seja na instrução ordinária dos processos que lhes são cometidos. É na pessoa de seu Presidente que a CPL se expressa em tais hipóteses.

Não há subordinação entre os membros da CPL perante seu presidente no que se refere às decisões do colegiado. Mas é ele quem tem a competência de dirigir os trabalhos da equipe, justamente nas hipóteses acima tratadas. Assim entendido, o Presidente tem a responsabilidade pela condução dos trabalhos, decidindo questões atinentes ao desdobramento da sessão, pois a ele compete o dever de mantê-la em tom de harmonia e tranquilidade para o desenvolvimento dos trabalhos. Mas, não só. A licitação é movimentada por meio de processo administrativo, que tem tramitação orientada também pelo Presidente da CPL, o qual oficia nos autos por meio de despachos. São, portanto, atos de competência privativa do Presidente da CPL:

no que se refere à sessão de julgamento

  1. designar a data e hora para recebimento dos envelopes de habilitação e proposta da licitação;
  2. convocar os membros que deverão compor a turma julgadora, bem como outros indivíduos, servidores ou não, para funcionar como consultor técnico da Comissão;
  3. indicar o membro que o substituirá em faltas ou impedimentos legais;
  4. indicar o membro que irá secretariar a sessão;
  5. dar início aos trabalhos, ou seja, abertura da sala de sessão e chamamento dos licitantes presentes;
  6. votar;
  7. promover o anúncio das decisões do colegiado, falando em nome da Comissão;
  8. decidir pela suspensão da sessão, bem como a sua reabertura, respeitados os prazos legais, quando for o caso;
  9. zelar pela tranquilidade dos trabalhos, podendo proibir o uso de celulares na sessão, determinar o número máximo de representantes por licitante, determinar a retirada de uma ou mais pessoas em razão de turbação ao ambiente de julgamento, determinar o esvaziamento do plenário para que a Comissão possa deliberar, podendo, para tanto e se for absolutamente necessário, solicitar força policial para fazer cumprir suas determinações;
  10. decidir pedidos de diligência formulados por um dos membros ou licitante;[7]
  11. submeter os autos, após o julgamento, à autoridade superior para fins de adjudicação e homologação do resultado do certame;
  12. delegar qualquer das funções acima a um dos membros presentes.

na instrução dos processos administrativos cometidos à CPL

  1. receber os processos para deliberação do colegiado, estabelecendo a pauta das reuniões;
  2. presidir a instrução dos processos, determinando juntadas, entranhamento e desentranhamento de documentos, apensações de outros autos, abertura de novos volumes;
  3. autorizar extração de cópias;
  4. determinar arquivamento e desarquivamento;
  5. encaminhar a minuta do edital para aprovação da assessoria jurídica com o parecer da Comissão;
  6. solicitar informações, laudos ou pareceres de órgãos técnicos;
  7. oficiar a outros setores da Administração ou outros órgãos ou entidades externas no interesse da CPL;
  8. dar ciência, por ofício, das informações atinentes às licitações, tais como resultado do julgamento das impugnações, respostas aos pedidos de esclarecimento, adiamentos etc.;
  9. assinar as publicações oficiais da CPL;

As determinações do Presidente constituem verdadeiros atos de império, e, em alguns casos, puro exercício de seu poder de polícia. Quando o Presidente determina que na sessão não se poderá utilizar telefones celulares, os administrados devem atender à tal determinação sob pena de incursão nas penas do art. 330 do Código Penal, crime de desobediência. A forma de tratar a CPL, principalmente, seu Presidente, se desrespeitosa, também poderá ser tida como conduta criminal com previsão previsto no mesmo Código como crime de desacato.

4.2 Da Comissão Especial de Licitação

É o órgão colegiado que possui a mesma natureza e competência da CPL. Difere desta, fundamentalmente, pela transitoriedade da sua designação.

Como o próprio nome diz, a comissão permanente é designada por um prazo fixo, durante o qual assumirá a competência de processar e julgar todas as licitações que lhe forem cometidas. Já a especial é criada, via de regra, com o intuito de processar e julgar uma licitação específica. Nada obsta, contudo, que lhe seja atribuída a competência para julgar outras licitações, desde que arroladas no ato de designação.

É normalmente criada para licitações que envolvem grande soma de recursos ou de alta complexidade tecnica. É formada, na maioria dos casos, por servidores de alto escalão ou de grande conhecimento técnico sobre o objeto a ser licitado.

5. O surgimento da figura do Pregoeiro: características, competências e distinções em relação às Comissões de Licitação.

No ano de 2000 entra em vigor a MP 2.026/2000, criando a modalidade pregão para utilização no âmbito dos órgãos e entidades da União. No ano de 2020, é convertida na Lei no. 10.520/2002, estendendo sua utilização por todos os entes da Federação.

Com o advento dessa novel modalidade, surgem também dois novo agentes administrativos que passariam a ser a competentes para processar e julgar as licitações a serem realizadas nesta modalidade: o Pregoeiro e a equipe de apoio.

Ao contrário das Comissões de Licitação, o Pregoeiro se constitui em um órgão (ou autoridade) singular. A equipe de apoio guarda funções de mera de secretaria, não participando do julgamento, e, consequentemente, não respondendo solidariamente às decisões do Pregoeiro.

A característica, em termos de julgamento, mais peculiar é exatamente o fato de que o Pregoeiro decide sozinho. Nada impede que a entidade designe servidores para a equipe de apoio com condições de opinar sobre as situações da sessão de julgamento, seja do ponto de vista jurídico-procedimental, seja do ponto de vista técnico, o que em verdade considero ato de boa prática. Porém, será sempre o Pregoeiro a autoridade que expedirá o ato decisório. Não caberá o argumento de induzimento ao erro em caso de cometimento de falhas ou ilegalidades em virtude de opinião técnica ofertada por membro da equipe de apoio ou de consultores especializados. A atuação de assistentes e consultores técnicos segue os mesmos princípios já acima vistos para as Comissões de Licitação.

As competências e os poderes do Pregoeiro são exatamente os mesmos do Presidente de Comissões de Licitação, tanto no que diz respeito ao julgamento do certame em si, como na direção do rito processual.
São de responsabilidade do pregoeiro:

  1. credenciar os interessados;
  2. receber as propostas e os lances do pregão;
  3. analisar sua aceitabilidade;
  4. classificar as propostas e os lances;
  5. receber a documentação e proceder à habilitação do ofertante melhor classificado;
  6. admitir e processar os recursos interpostos;
  7. adjudicar o objeto do certame ao vencedor;
  8. elaborar a ata de julgamento
  9. conduzir os trabalhos da equipe de apoio.
  10. encaminhar o processo devidamente instruído para o julgamento dos recursos, adjudicação, homologação e contratação pela autoridade competente;
  11. zelar pelo bom andamento da sessão, evitando turbação nos trabalhos; e
  12. a prática dos demais atos pertinentes ao procedimento

De especial, é bom anotar que o exercício desta função depende de participação em curso de capacitação específica, sem a qual a autoridade superior não poderá indicar o servidor, isso, de acordo com o art. 7º, par. único do Decreto #.555/2000. Mais recentemente, o Decreto Federal no. 10.024/2019 não condiciona a nomeação para a função de Pregoeiro à capacitação específica, mas exige dos órgãos que estabeleçam planos de capacitação continuada nesse sentido (art. 16, §3º).

A lei não fixa um número mínimo de componentes para a equipe de apoio, cabendo, a cada órgão ou entidade determinar o que lhe for mais conveniente. Como o Pregão é julgado por autoridade singular, não haverá a necessidade de quorum mínimo, podendo a sessão ser iniciada somente com a presença do próprio Pregoeiro, assim como poderá o mesmo deixar de convocar ou revogar a convocação de um ou mais membros da equipe de apoio.

A equipe de apoio deverá ser integrada, em sua maioria, por servidores ocupantes de cargo efetivo ou emprego da administração, preferencialmente pertencentes aos quadros do órgão ou entidade promotora do evento. Portanto, se é imperativo, o Pregoeiro deve ser servidor efetivo ou em comissão da unidade licitadora e sua equipe de apoio deverá ser formada com a maioria de servidores do quadro efetivo. Como a lei diz “preferencialmente” do órgão licitante, subentende-se que somente na impossibilidade de indicar servidor daquela unidade administrativa é que se poderá designar servidor de outra unidade à disposição daquele.

Em oposição ao caso do Pregoeiro, a equipe de apoio não necessita passar por curso de capacitação para funcionar, exatamente porque exerce atividade auxiliar, de secretaria, não tomando decisões e, portanto, não assumindo responsabilidades quanto à legalidade do procedimento.

6. PL 4.253/2020: o Agente da Contratação

A nova lei de licitações, quando sancionada trará uma nova figura que se constituirá na autoridade julgadora de licitações. Ao mesmo tempo, fará desaparecer a figura da Comissão de Licitação. Trata-se do Agente de Contratação e da Comissão de Contratação.

Tais agentes se acham assim definidos no art. 6º, incisos L e LX:

Art.6º. Para os fins desta Lei, consideram-se:
[…] L – comissão de contratação: conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares;

LX – agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação.

Diferentemente do Pregoeiro e da maioria da composição das atuais Comissões de Licitações, o agente de contratação não necessita ser do quadro permanente do órgão promotor do torneio, mas deverá integrar os quadros permanentes da Administração Pública, que é definida no inciso II do mesmo artigo, verbis:

III – Administração Pública: administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e as fundações por ele instituídas ou mantidas;

Em outro dizer, significa que o agente da contratação terá de ter vínculo com qualquer órgão de qualquer Poder ou esfera de Governo para ser indicado para processar e julgar a licitação.

Na definição, ainda, se nota um pequeno rol de competências, o que já significa um avanço em relação à legislação atual, que, sobre o assunto, é silente. Vê-se que o agente da contratação será autoridade administrativa, cujos atos expedido terão os mesmos pressupostos e gozarão das mesmas prerrogativas de qualquer ato administrativo, tais como presunção de legalidade e legitimidade e autoexecutoriedade. Todavia, sua atuação ficará restrita ao processo licitatório.

Também fica explícito que o agente da contratação será o responsável pela condução da instrução do processo licitatório e responsável “pelo bom andamento da licitação.

Há muito já vinha defendendo a ideia[8] segundo a qual o Presidente da Comissão de Licitação (ou Pregoeiro) devesse ser conferida a estas autoridades tão logo deflagrada a licitação. Isto porque a rotina administrativa consistente em apresentar o processo à autoridade julgadora com a licitação já agendada, edital aprovado pela Assessoria Jurídica, dúvidas e impugnações já dirimidas por outros servidores que não irão julgar o torneio, sistema o sistema adotado por muitos órgãos, é contraproducente e mesmo nocivo ao bom andamento da licitação.

A nova lei também mantém a previsão de instalação de órgão colegiado, que passará a se chamar Comissão de Contratação. Esta comissão será responsável por processar e julgar licitações na modalidade diálogo competitivo (art. 32, §1º, XI) e, em especial, os procedimentos auxiliares da licitação, a saber: credenciamento; pré-qualificação; procedimento de manifestação de interesse; sistema de registro de preços; e registro cadastral (art. 77).

6.1 Requisitos de investidura

Conforme dispõe o art. 7º do PL no. 4.253/2020, a autoridade competente terá de observar os seguintes requisitos para nomeação de agentes de contratação:
a) ser servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública (inciso I);

O dispositivo não abre espaço para que sejam designados servidores 100% comissionados, estranhos ao serviço público, pois, conforme já explanado alhures, somente os servidores concursados é que podem ser considerados servidor efetivo pertencentes aos quadro permanente do órgão.

b) deverão ser escolhidos dentre aqueles que já tenham atribuições relacionadas às licitações ou possuam formação ou qualificação compatível atestada por escola de governo criada e mantida pelo Poder Público (inciso II);

O texto faz parecer que do servidor que já atua em atividade relacionada às licitações não será exigível que detenha formação ou qualificação com atestação na forma acima descrita. Por atividade relacionada às licitações, pode se entender todas as atividades que que compõe o ciclo da contratação, que parte da definição da demanda até o recebimento definitivo do objeto do contrato.

Assim, poderão ser designados como agente de contratação os servidores que atuam: no setor de compras, de contratação direta; que elaboram estudos preliminares, termos de referência e projetos básicos; responsáveis pela pesquisa de mercado; servidores que são lotados nos setores de licitação; claro, os que já atuam como membros de comissão de licitação ou pregoeiro; fiscais e gestores de contratos. Mesmo os servidores que não estejam atualmente atuando em uma dessas atividades, mas que já possuam experiência, poderão ser imediatamente designados para a função, devendo o órgão, também como já nos referimos, priorizá-los no plano de capacitação e atualização que deverá ser elaborado pelo Gestor.

Em relação a servidores não experimentados no campo das licitações, a norma parece estabelecer uma espécie de reserva de mercado às Escolas de Governo, pois estabelece como requisito de indicação, a certificação por estas entidades.

Nesse contexto, preciso manifestar minha preocupação. Penso que esta estratégia é muito perigosa em termos de efetividade das capacitações. Isso considerando dois fatores primordiais. O primeiro deles é a conhecida falta de estrutura da maioria dos órgãos públicos para criação e manutenção de escolas de governo. Considerando que a esmagadora maioria dos município mal têm pessoal qualificado para realizar suas licitações, bem como autarquias estaduais e ainda o estado de pré-falência de muitos estados da Federação, certamente, a curto/médio prazo, haverá muito dificuldade desses órgãos oferecer o necessário treinamento.

O outro ponto diz respeito à qualificação do corpo discente dessas escolas. É cediço que os profissionais mais bem colocados no mercado, aqueles que gozam de reputação em âmbito nacional e são os mais prestigiados e requisitados no País, raramente fazem parte do corpo de instrutores de escolas de governo em razão da baixa remuneração normalmente oferecida. Esse fato certamente limitará o nível de qualidade do treinamento, o que importará, em última análise, em prejuízo à sociedade com servidores capacitados aquém da qualidade necessária.

c) não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil (inciso III);

O que na atual norma geral de licitações e contratos está colocado no capítulo destinado aos impedimentos de licitar e contratar com o Poder Público (art. 9º, da L. 8.666/963), aqui se vê deslocado como condição de indicação de pré-requisito para investidura na função. Com efeito, o Tribunal de Contas da União foi levado a decidir inúmeras vezes em processos que culminaram na caracterização indireta de servidor em razão de, por exemplo, o Presidente da Comissão ser cônjuge de representante ou responsável técnico de licitante. Confira-se, à guisa de exemplo:

A relação de parentesco entre o sócio da empresa vencedora do certame e o autor do projeto caracteriza a participação na licitação, o que afronta o disposto no art. 9º, § 3º, da Lei 8.666/93. (Informativo de Licitações e Contratos 163/2013)

Diante da relação de parentesco entre agente público, com capacidade de influir no resultado do processo licitatório, e sócio da empresa vencedora do certame, resta configurada grave violação aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade, assim como desobediência ao art.9º, inciso III, §3º e §4º, da Lei 8.666/93, e aos arts.18, inciso I, e 19 da Lei 9.784/99. (Boletim de Jurisprudência 20/2013)

Portanto, aqui não vemos nenhuma novidade, mas considero importante ter tornada expressa a vedação à participação indireta.

Já no § 1º do art. 7º, vemos importante destaque ao dever do Gestor de bem indicar o agente da contratação respeitando o princípio da segregação de funções.

Sendo uma regra afeta ao controle interno, visa tal princípio evitar falhas ou fraudes na entidade na medida em que orienta a descentralização do poder administrativo, segmentando as funções de execução operacional, custódia física e contabilização. Ninguém deve ter sob sua inteira responsabilidade todas as fases inerentes a uma operação. Cada uma dessas fases deve, preferencialmente, ser executada por pessoas e setores independentes entre si.

No campo das contratações públicas essa orientação não é inovadora. A uma, porque prevista no art. 70 da CRFB; a duas, porque presente em vários normativos, tais como IN 01/2019 (contratação de soluções de TI); Lei no. 13.303/2016 (Lei das Estatais) ente outras.

Na jurisprudência, o dever de segregar funções vem sendo perseguido pelo TCU há bastante tempo. Confira-se:

9.1.7. discipline a segregação de funções nos setores que desempenham as atribuições inerentes às licitações e contratos, de forma a minimizar a possibilidade de desvios e fraudes. (Ac. No. 415/2013, Plenário)

Cumpre finalidade de inibir condutas em desarmonia com os princípios da moralidade e da impessoalidade, bem como previne conflito de interesses. Por meio da divisão de tarefas, se obtém especialização das várias atividades que compõe o ciclo da contratação, o que aumenta a efetividade e qualidade do gasto público, com sensíveis ganhos de eficiência e de produtividade no desempenho de rotinas relacionadas à execução das despesas públicas.

Não se pode deixar de consignar que a atenção à segregação das funções visa também evitar a sobrecarga de tarefas a que normalmente é acometido o servidor imbuído nas funções de julgar licitações. Não raro, um mesmo servidor recebe as atribuições de elaborar Termos de referência e projetos básicos, pesquisa de preços, elaboração de editais de licitação e ainda julgar o procedimento licitatório e, não raro, também o de acompanhar a execução de vários contratos.

No campo prático, podemos afirmar que, são incompatíveis com a função de agente de contratação, as funções relacionadas à execução da despesa e sua regularidade: controladores internos, ordenadores de despesa, assessores jurídicos.

Também é desejável que não recaia sobre os ombros do agente de contratação a fiscalização de contratos, salvo se seu objeto for relacionado justamente a essa atividade.

No que se refere aos atuantes em setores de contratos, compras e contratação direta, que cuidam de pesquisa de mercado e atividades afins, em que pesa não haver, no meu sentir, impedimento, é desejável que não se sobrecarreguem com a função de processar e julgar licitações

Nada obstante, é importante reconhecer que a realidade neste País, aqui já mencionada, em relação à escassez de mão de obra qualificada, impedirá a adequada segregação de funções.

6.2 A equipe de apoio

Assim como a figura do Pregoeiro, a da equipe de apoio foi recepcionada na nova lei:

Art. 8º, […] § 1º – O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.
[…] § 5º Em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro.

Note que o dispositivo, de plano, não deixa dúvida de que a equipe de apoio não responde pelos atos de julgamento da licitação, a exemplo do que hoje ocorre no pregão. Mas discorre sobre uma exceção, consistente na hipótese de a equipe de apoio induzir em erro o agente de contratação.

Tal disposição deve ser interpreta em consonância com o art. 28 da LINDB, o qual aponta que o agente público somente responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas nos casos de erro grosseiro.

Sendo assim, a indução do agente de contratação em erro capaz de responsabilizar o componente da equipe de apoio deve ser cometida com erro grosseiro.

A MP nº 966, de 13.5.2020, apresenta uma proposta de conceito de erro grosseiro:

Art. 2º: “Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Já seu art. 3º, aponta que a aferição do erro grosseiro deve considerar vários aspectos, como os obstáculos e as dificuldades reais do agente; a complexidade da matéria e das atribuições do agente; a circunstância de incompletude de informações; as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a conduta; e o contexto de incerteza sobre as medidas mais adequadas para o combate à pandemia (incisos I a V).

Nada obstante, certo é que a caracterização de erro grosseiro sempre será premida de uma dose importante de subjetivismo. Enquadrar a conduta qualificada como erro grosseiro para fins de responsabilização do agente, diante da situação concreta será um árduo desafio.

Sobre as atribuições da equipe de apoio, vide o capítulo 5 supra.

Conclusões

O funcionamento, a forma de investidura, e regras de atuação deverão ser alvo de regulamento próprio de cada órgão/entidade, nos termos do art. 8º, § 3º.

É salutar que cada órgão estabelece, de acordo com as suas condições e estrutura administrativa, os pormenores da atuação desses agentes públicos, bem como estabeleça, de acordo com cada realização orçamentária, re necessária remuneração para atuação nessas funções.

A exemplo das funções de fiscal de contratos, o servidor, uma vez designado, não pode recusar o encardo sob pena de cometimento de falta funcional. Mas, não se sentindo em condições de bem exercê-la, seja por excesso de atribuições; seja por desconhecimento técnico, poderá comunicar à autoridade competente tal fato que, insistindo na indicação, assumirá responsabilidade por culpa in elegendo.


[1] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.   
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 908.
[3] Nesse sentido: “Dúvida tem perturbado a aplicação da norma do § 4º: a composição da Comissão há de ser integralmente alterada a cada ano, ou será possível reconduzirem-se seus membros para novo período? Viável a recondução desde que assegurada a renovação parcial anual. Ou seja, alguns dos membros da Comissão poderão ser reconduzidos para segunda investidura consecutiva à primeira desde que outros sejam substituídos após um ano e mantida a proporção do caput do art. 51.” (JUNIOR, Jesse Torres Pereira. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 603); “A Lei permite a recondução de parte dos membros da comissão. Se outra fosse a intenção normativa, seria desnecessário o vocábulo ‘totalidade’. Assim, se o texto legal fosse redigido na forma ‘vedada a recondução de seus membros (…)’, seria indubitável que nenhum dos membros da comissão poderia ser reconduzido. A utilização do vocábulo totalidade produz outro significado na oração, conduzindo à conclusão de que a vedação incide sobre a recondução de todos os membros da comissão.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários…, p. 911)
[4] Comissões de Licitação, NDJ, 2ª. ed., p.15.
[5] Há casos em que um dos membros acumula outras funções no órgão, inclusive o de fiscal de contrato, mas a acumulação funcional do servidor não se confunde com o colegiado como um todo, isto é, a CPL não herda as funções de seus membros exercidas fora da Comissão.
[6] Alguns autores entendem que a decisão sobre a promoção ou não de diligência é atribuição do colegiado. Discordamos em virtude de se tratar de ato típico de condução de julgamento. O resultado da diligência determinada pelo Presidente poderá ou não ser aproveitado pelos membros no momento de cada um proferir seu voto. No caso de não realização de diligência, o membro insatisfeito poderá consignar em ata que entendia pela sua realização.
[7]Em nosso Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei n. 8.666/93 (IBAM/Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2011), assim manifestei: […] Para que possa ver sua tarefa facilitada, sem sobressaltos e com pleno conhecimento do objeto, das exigências técnicas e de habilitação, faz-se mister que oÓrgão Julgador acompanhe o processo tão logo haja minuta do edital. Deste modo, será ele que irá dirimir dúvidas acerca da interpretação do edital; poderá verificar os critérios de aceitabilidade de preços e de julgamento e, eventualmente corrigir ou esclarecer critérios fixados que se mostrem ambíguos ou obscuros; designar data e hora para a realização da sessão. Com isso, ao receber os envelopes para o julgamento do torneio, o Órgão Julgador terá pleno conhecimento do processo e do objeto e, claro, terá muito menos dificuldade de aplicar as normas do edital.
 

[8]Em nosso Curso Prático de Licitações, os segredos da Lei n. 8.666/93 (IBAM/Lúmen Juris, Rio de Janeiro, 2011), assim manifestei: […] Para que possa ver sua tarefa facilitada, sem sobressaltos e com pleno conhecimento do objeto, das exigências técnicas e de habilitação, faz-se mister que oÓrgão Julgador acompanhe o processo tão logo haja minuta do edital. Deste modo, será ele que irá dirimir dúvidas acerca da interpretação do edital; poderá verificar os critérios de aceitabilidade de preços e de julgamento e, eventualmente corrigir ou esclarecer critérios fixados que se mostrem ambíguos ou obscuros; designar data e hora para a realização da sessão. Com isso, ao receber os envelopes para o julgamento do torneio, o Órgão Julgador terá pleno conhecimento do processo e do objeto e, claro, terá muito menos dificuldade de aplicar as normas do edital.
 

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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