MATRIZ DE RISCOS NA LEI N.º 14.133/2021: QUAL O RISCO MAIS IMPORTANTE A SER MITIGADO NO PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS?

A literatura que foca seus estudos em torno das contratações públicas tem se debruçado em torno da análise da matriz de riscos, instituto que, embora não seja novo,[1] constou no rol de novidades trazidas pelo legislador na Lei n.º 14.133/2021, nova lei de licitações e contratos administrativos.

A matriz de riscos, segundo definição constante do art. 6º, XXVII, é a cláusula prevista em contrato que definirá os riscos e as respectivas responsabilidades das partes.

Uma vez definida, a matriz de riscos caracterizará a base de equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, não podendo a ocorrência dos eventos nela previstos ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro stricto sensu previsto no art. 124, II, “d”.

Nas alíneas do inciso XXVII, do art. 6º, o legislador previu o conteúdo mínimo da matriz de riscos, cujo detalhamento necessariamente constará, quando for o caso, do edital do certame (art. 22) e de cláusula contratual específica (art. 92, inciso IX).

Destaca-se que, nos casos de obras e serviços de grande vulto ou diante da adoção do regime de contratação integrada ou semi-integrada, a matriz de riscos deve obrigatoriamente estar prevista em edital e, consequentemente, disciplinada no termo de contrato (art. 22, § 3º).

Dentro da matriz de riscos, portanto, devem ser antevistos os eventos futuros e incertos capazes de impactar, de forma negativa, a execução do contrato administrativo, assim como serem mensurados os riscos de cada evento e os respectivos graus de incidência, distribuindo as responsabilidades e o ônus financeiro deles decorrentes entre as partes, de acordo com as respectivas capacidades.

Houve, também, a preocupação do legislador em disciplinar, no art. 103, os requisitos para alocação dos riscos entre a Administração Pública e o particular contratado, de modo que, uma vez atendidas as condições contratuais e aquelas insertas na matriz de riscos, considera-se mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

A distribuição dos riscos eventuais entre as partes faz é de suma relevância para que a Administração Pública não se torne a “garantidora universal” das consequências advindas de eventos supervenientes e imprevisíveis.

Isto porque, as imprevisões e superveniências capazes de alterar as bases econômicas da relação jurídico-contratual inicial atingem tanto o particular quanto a própria Administração Pública, não sendo possível atribuir, exclusivamente a esta última, o ônus pelas consequências negativas delas advindas.

O problema não reside em entender o que é a matriz de risco ou como ela poderá ser eficientemente detalhada no edital ou contrato, a fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro entre os encargos definidos pela Administração Pública e a remuneração fixada pelo participar para executá-los.

Aponta-se, pela vivência prática dentro da Administração Pública, que a grande dificuldade – para não se dizer a mais complexa – é o gestor público possuir conhecimentos técnicos e aptidão suficiente para conhecer dos riscos envolvidos no negócio, de modo que a sua alocação seja desenhada de forma coerente com o objeto que se pretende contratar.

A despeito de ser uma obrigação constitucional e arraigada na vida da Administração Pública, o planejamento das ações e serviços públicos, notadamente no âmbito dos entes subnacionais, ainda é precário.

É tão precário que houve a necessidade de o legislador, mesmo após mais de 30 anos de vigência da Constituição Federal, em que se previu expressamente no art. 174, estampasse o planejamento como princípio (art. 5º) norteador do sistema de contratações da nova LLCA.

O planejamento de qualquer ação estatal, e da contratação pública de modo participar, é de suma importância para garantir a alocação eficiente dos escassos recursos públicos. Arrisca-se dizer que tal princípio é um dos pilares do sistema de contratações disciplinado pela nova LLCA.

No âmbito da nova lei, o princípio do planejamento foi concretizado através de diversos artefatos capazes de traduzir o caminho percorrido pela Administração Pública desde o surgimento da necessidade e/ou problema a ser resolvido, passando pela escolha da solução “ótima” capaz de satisfazê-la e espraiando-se por toda a execução contratual, até a finalização do pacto eventualmente celebrado.

Mais do que isso, o planejamento das contratações públicas deve ser iniciado com a elaboração eficiente do Plano de Contratações Anuais do órgão ou entidade, que deve estar compatibilizado com as leis maiores de planejamento orçamentário (PPA, LDO e LOA) e ser amplamente divulgado e mantido à disposição da sociedade em seu portal eletrônico oficial.

É dentro do planejamento inicial, portanto, que deve estar inserida a avaliação, levantamento, mensuração e quantificação de todos os riscos possíveis de existir no âmbito da licitação e da execução do contrato administrativo.

A avaliação e mensuração de riscos depende de uma série de fatores, dentre os quais aqueles existentes e próprios do mercado em que se situa o objeto almejado pela Administração Pública. Deve o gestor, desse modo, conhecer a realidade mercadológica e, a partir de uma análise de cenários, planejar o melhor formato para que a alocação dos riscos ocorra de forma equilibrada, consistente e eficaz, de modo a não gerar desiquilíbrio entre as partes.

Não há como banalizar a atividade de planejamento e de definição da matriz de riscos do futuro contrato a ser celebrado, uma vez que ela, em conjunto com as obrigações contratuais e a remuneração definida pelo particular, constituirá a base do equilíbrio econômico-financeiro inicial da avença.

Para que o planejamento seja eficaz a ponto de prevenir lesões ao interesse público, assim como às expectativas do particular contratado, é necessário que o gestor público possua know-how para desenhar as bases de equilíbrio inicial do contrato o mais próximo possível da realidade.

O desenho da matriz de riscos não deve se basear em processo simples do famoso “Ctrl + C e Ctrl + V”. Deve-se levar em consideração a experiência própria do órgão ou ente com a execução daquele objeto, assim como as realidades próprias do mercado em que ele esteja inserido.

Noutras palavras, a matriz de riscos eventualmente elaborada para uma obra de construção de uma creche em determinado Município poderá não fazer frente aos riscos reais existentes na execução de obra similar a ser executada no âmbito de outro Município.

Assim sendo, o maior risco a ser mitigado dentro do planejamento das contratações públicas não está atrelado, em si, à deflagração do certame ou execução do contrato, mas sim à incompetência técnica do gestor para compreender a importância da definição e alocação de riscos inerentes ao futuro pacto a ser firmado pela Administração Pública.

Nesse sentido, a autoridade máxima do órgão ou entidade da federação deverá observar efetivamente o disposto no art. 7º da LLCA, que determina a gestão por competências no que concerne à designação de agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução da referida lei.

A expressão “competências” referida na norma geral de licitações não se refere à competência estudada no campo dos atos administrativos,[2] mas sim ao conjunto de atividades atribuído a um determinado cargo.

Assim, a função de planejamento e elaboração da matriz de riscos deverá ser acometida ao agente público que possua, dentro do rol de atribuições do cargo que ocupa, competência para o desenvolvimento dessa atividade.

Esse requisito, aliás, é reforçado pelo inciso II do art. 7º, de modo que a autoridade máxima deverá indicar agente público que possua atribuições interligadas à matéria de licitações e contratos, assim como formação ou qualificação compatível com tais atribuições a serem exercidas.

É esse, portanto, o maior risco que a alta administração da entidade ou ente da federação, no âmbito de aplicação da LLCA, deverá estar apta a mitigar.
 

 

 


[1] A ideia de matriz de riscos foi prevista dentro das diretrizes traçadas pelo art. 4º da Lei n.º 11.074/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas – PPP), justificada pela necessidade de repartição objetiva dos riscos que permeiam os contratos de longo prazo, cuja execução apresenta grandes complexidades (cf.  art. 5º, III).
 
[2] Neste campo de estudo, tem-se que a competência é o conjunto de atribuições prevista para um órgão, entidade e agente público fixada em lei. É uma das condições de validade do ato administrativo, que deverá estar incluído no rol das atribuições legais do agente que o praticou. NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. 11. ed. Barueri: Atlas, 2022 p. 158; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 44. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Malheiros, 2020 p. 155.
 

 

 

 

 

 

 

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