MEU CONTRATO EMERGENCIAL ESTÁ CHEGANDO A 180 DIAS, E AGORA DOUTOR?

Como se sabe, a Lei nº 8.666/93 que trata de licitações e contratos administrativos prevê algumas hipóteses em que o gestor poderá contratar sem instaurar o processo formal de seleção conhecido como Licitação.

Pois bem, aqui nos interessa o art. 24, IV, que dispensa a licitação para caso de emergência ou calamidade pública, conforme se transcreve:

“Art. 24. É dispensável a licitação:
(…)
IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”

Nesse texto não pretendemos explicitar de maneira profunda quais são os fatos que justificam a contratação emergencial. Basta, para esse momento, sabermos que são ocorrências que exigem a imediata e direta contratação de uma solução pelo administrador, visto que a instauração do processo formal de licitação ocasionaria prejuízo ao interesse público em razão de sua demora.

Pertinente salientar que a solução contratada deve ser apenas suficiente para dar conta de uma situação transitória, realmente urgente, o que se coaduna com a vigência do ajuste, que é limitada a 180 dias, conforme determinação do art. 24, IV da Lei n.º 8666/93, pois, como regra geral, espera-se que nesse prazo a Administração possa tomar as medidas cabíveis à solução definitiva, realizando as contratações necessárias através de licitação.

Todavia, em que pese a limitação legal de 180 dias, essa não pode ser aplicada de forma absoluta. Devemos ter como pano de fundo a existência de uma emergência ou calamidade pública e que essa deve ser solucionada, ou no mínimo amenizada.

Assim, a contratação emergencial deve durar enquanto persistir a situação excepcional, de urgência ou calamidade.
E nesse ponto, estamos bem acompanhados pela doutrina. Veja o que diz Marçal Justen Filho:

“No entanto, ainda que indesejável, a prorrogação não pode ser proibida. Nesse ponto, a lei deve ser interpretada em termos. A prorrogação poderá ocorrer, dependendo das circunstâncias supervenientes. Embora improvável, poderiam suceder-se duas calamidades em uma mesma região, de modo que a segunda impedisse a regular execução do contrato firmado para atender situação emergencial criada pelo evento anterior.
Por outro lado, não se pode descartar de modo absoluto a possibilidade de situações concretas em que a eliminação do risco de dano envolva uma atuação que ultrapassará necessariamente o prazo de 180 dias.
(…)
Essas controvérsias devem ser examinadas segundo outro enfoque, tomando em vista a natureza preventiva da contratação emergencial. Configura-se uma espécie de atividade acautelatória de interesses relevantes.
(…)
Por isso, o próprio limite de 180 dias deve ser interpretado com cautela. Afigura-se claro que tal dimensionamento pode e deve ser ultrapassado, se essa alternativa for indispensável a evitar o perecimento do interesse a ser protegido.
(…)
A autoridade responsável deve formalizar nos autos do procedimento administrativo as razões para eventual prorrogação do prazo de 180 dias na execução do contrato (…)”[1]

No mesmo sentido, também segue o Acórdão nº 2840/2011 do Plenário do Tribunal de Contas da União:

“46. O Tribunal tem entendimento pacífico nesse tocante, sendo assente que é vedada a prorrogação de contrato fundamentado na dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública, exceto em hipóteses restritas, resultantes de fato superveniente, e desde que a duração do contrato se estenda por lapso de tempo razoável e suficiente para enfrentar a situação emergencial.”

Imagine-se, também, e é comum acontecer, que a Administração seja impedida de proceder ou dar seguimento a uma licitação devido a diversas demandas judiciais incidentes sobre o procedimento. Sabendo-se da celeridade de nosso sistema judiciário fica fácil perceber que a formalização dessa contratação pode se delongar por anos. Nessas hipóteses tem-se admitido a contratação direta fundada em emergência pelo tempo que for necessário até a resolução de mérito da ação judicial e efetiva contratação por meio de licitação.

Mas nesses casos, nos alinhamos à doutrina de Joel de Menezes de Niebuhr, que ao invés de defender a prorrogação dos contratos emergenciais por mais de 180 dias, entende que as contratações devem ser renovadas sob o mesmo fundamento. Ou seja, deverá ser formalizado novo contrato pelo tempo necessário, limitado a 180 dias, com o fundamento na mesma situação de urgência ou calamidade, já que essa persiste[2]. A nosso ver, pelo menos juridicamente, tal entendimento é mais consentâneo à disposição legal, visto que o inc. IV do art. 24 veda terminantemente a prorrogação desses contratos.

Por derradeiro, esse mesmo autor entende que o prazo de execução dos contratos emergenciais poderá ser prorrogado face a ocorrência de fatos supervenientes que impeçam o contratado de cumpri-lo em tempo hábil, justificando-se a prorrogação nos moldes do § 1º do art. 57, segundo o qual “os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra” o referido fato superveniente impeditivo.

Veja-se que aqui o que se prorroga são os prazos de execução e que não se confundem com prazos de vigência do contrato, mas isso é assunto para um próximo post (leia aqui).


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2014, p. 411.
[2] NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade de licitação pública. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 253

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