O pregoeiro diante da inegociável dispensa da negociação

RESUMO

O presente artigo objetiva demonstrar a importância da negociação na busca de ampliar a vatajosidade nas contratações públicas, sobretudo no pregão, haja vista ser a modalidade mais utilizada pela administração, segundo o painel de compras do governo federal. Contudo, devemos asseverar que existe a necessidade de capacitar os agentes envolvidos, pois estes deverão ter expertise, bem como serem proativos no sentido de estudar o cenário, conhecer o objeto ou pelo menos serem bem assessorados pelo setor demandante para evidenciar quais são as possíveis vantagens e desvantagens da negociação, uma vez que poderão ocorrer situações em que uma “suposta vantagem” venha a reduzir a qualidade dos objetos ou dos serviços, tendo em vista que o licitante, a depender da situação, buscará compensar de alguma forma a redução dos custos negociados.

  1. Introdução

A Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA) – dispõe a respeito da negociação a partir do artigo 61 ao estabelecer que, definido o julgamento, a Administração poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado. Vale ressaltar, que apesar da lei versar sobre o tema nos artigos 90 (§4º, incisos I e II) e 107, iremos apenas nos ater ao que versa o artigo 61.

O termo negociar deve ser compreendido como uma atitude de extrema importância, por parte dos agentes públicos envolvidos no cenário das contratações, haja vista o volume de dinheiro público enredado neste contexto. Para termos uma ideia do quanto se gasta com aquisições de produtos, contratação de obras ou serviços, só no 1º semestre de 2023 o governo federal homologou cerca de R$ 59 bilhões, segundo dados do painel de compras do governo federal.

O tema licitações públicas é muito impotante para a economia nacional, pois movimenta cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro anualmente, segundo dados do Ministério da Economia.

Desse modo, quando nos deparamos com a expressividade de dinheiro empreendido no âmbito das compras governamentais, conseguimos compreender que negociar é preciso, sobretudo, em um estado gerencial no qual se buscam cada vez mais resultados que estejam ancorados na eficiência e eficácia em prol do interesse público.

Contudo, convém destacar, antes de adentrarmos ao tema negociação, quais são os atributos que devem possuir os agentes responsáveis por sua condução, especificamente, no âmbito do pregão, bem como a preferência na utilização desta modalidade licitatória.

  • O agente de contratação/pregoeiro e a importante modalidade pregão

Pois bem, cumpre inicialmente demonstrar que não há diferenças substanciais entre o agente de contratação e o pregoeiro, conforme extraímos da doutrina do ilustre professor Niebuhr (2023, p. 511) ao aduzir com sabedoria que a distinção entre agente de contratação e pregoeiro é meramente formal, ou seja, o pregoeiro é uma espécie do gênero agente de contratação, que atua na condução da modalidade pregão.

O mestre Justen Filho (2021, p. 216) argumenta que rigorosamente não existem diferenças substanciais quanto às competências do agente e da comissão de contratação, já que o conteúdo dessas competências é o mesmo.

A Lei nº 14.133/2021 busca promover a gestão por competências de acordo com seu artigo 7º, ou seja, que os agentes designados para atuar no seio dos procedimentos licitatórios tenham formação compatível ou qualificação para o despenho de suas atribuições.

A rigor, o que se pretende com a gestão por competências é que o indivíduo tenha perfil adequado, nos aspectos psicológico e funcional, e tenha capacidade técnica, ou melhor, que ele possua características como: equilíbrio emocional, proatividade, conhecimento, cognição etc.

Nesse ponto, vale ressaltar algumas características que deverá possuir esse importante agente público, quando na condução do processo licitatório, segundo nos ensina o professor Justen Filho (2013, p. 78):

[…] a atividade de pregoeiro exige algumas habilidades próprias e específicas. A condução do certame, especialmente na fase de lances, demanda personalidade extrovertida, conhecimento jurídico e técnico razoáveis, raciocínio ágil e espírito esclarecido. (grifamos)

A Lei nº 14.133/2021 dispõe, no artigo 8º, que o agente responsável será designado para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação. Já o § 5º do mesmo dispositivo estabelece que o agente responsável pela condução do pregão será designado pregoeiro.

Torres (2014, p. 1) argumenta que:

O Pregoeiro é um agente público diferenciado. Sua atuação convive com a comunicação entre a realidade pública, com suas prerrogativas e normas de controle, e a realidade privada do mercado, com suas nuances próprias de competição e de regulação mercadológica. Essa convivência impõe diversos desafios, mas também permitem uma expertise e oxigenação de ideias, incomuns ao serviço público em geral. (grifamos)

Ainda sobre a figura do pregoeiro, em sua recente obra Torres (2023, p. 111) aduz:

[…] a função de pregoeiro inspirou a criação da função do agente de contratação. Se com o início da modalidade pregão, este agente público era visto apenas como o responsável pela condução da sessão da licitação, com o desenvolvimento da função ele passou a ganhar expertise e absorver outras atribuições, competências e responsabilidades, colaborando, inclusive, com atividades que eram praticadas por outros servidores e, em alguns órgãos, exercendo certa função de supervisor do procedimento licitatório como um todo.

Nessa altura, já podemos perceber a grande importância desse agente público na condução dos procedimentos licitatórios, ademais do pregão que, segundo o painel de compras do governo federal, no primeiro semestre de 2023 foi a modalidade mais utilizada, conforme gráfico que indica a quantidade de compras:

O gráfico representa, em números, 40.733 pregões realizados até 05/08/2023, ficando atrás apenas das dispensas de licitação que representam o montante de 53.075 contratações diretas.

O painel de compras do governo federal demonstra ainda, no gráfico valor das compras, as contratações diretas (inexigibilidade ou dispensa) e demais modalidades:

O valor de compras homologadas com os pregões é expressivo e chega a R$ 113.636.854.968,08. Vale frisar que, mesmo que no primeiro gráfico as contratações diretas tenham sido as mais utilizadas, o valor destas, somado às demais modalidades (R$ 21.567.611.601,21), é inexpressivo ao compararmos com o montante de verba pública gasto no pregão.

É interessante ressaltar que, das modalidades previstas na Lei nº 8.666/1993, a concorrência será a única sobrevivente, contudo, com uma modelagem diferenciada, que chega a se confundir com o pregão.

Notadamente, é claro que essa transformação da concorrência se deu em virtude das amarras burocráticas de engessamento dos gestores e, sobretudo, dos agentes públicos que conduzem o certame.

Devido ao sucesso do pregão, o legislador sabiamente deu uma nova roupagem à concorrência (celeridade, transparência e economicidade), incorporou o mesmo rito procedimental comum do pregão, inclusive no que tange à inversão de fases (julgamento x habilitação), podendo depender de as circunstâncias serem invertidas.

A Lei nº 14.133/2021 traz algumas diferenças entre ambas as modalidades que resumidamente citamos:

  • Pregão: aquisição de bens e serviços comuns; critério de julgamento é o menor preço ou maior desconto; com vedação isolada do modo de disputa fechado.
  • Concorrência: aquisição de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia; critério de julgamento é o menor preço, melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço, maior retorno econômico e maior desconto.

Torres (2023, p. 231) aduz que, por exclusão, a concorrência deve ser utilizada para os demais objetos, nos quais não se apliquem o pregão e as demais modalidades.

Por fim, devemos consignar que, independentemente da modalidade de licitação utilizada pelos órgãos ou entidades para aquisição de bens, serviços ou obras, é crucial asseverar que a eficiência na Administração Pública está nas pessoas.

Nessa linha, Santana (2009, p. 63) aduz que a eficiência na Administração Pública está nas pessoas. Para o professor, de nada adianta uma excelente plataforma de aquisições, uma excepcional estrutura física dotada de equipamentos e o que mais for necessário, se não tiver servidores capacitados a bem conduzir os procedimentos licitatórios.

Assim, em vista de ser o pregão a modalidade mais utilizada, é fundamental asseverar que as atitudes do pregoeiro durante a condução do pregão assumem um papel relevante na direção da melhor eficiência nas aquisições.

Nesse sentido, Batista e Maldonado (2008, p. 691) aduzem que na negociação a Administração necessita de profissionais mais capacitados e comprometidos institucionalmente no processo de modificar paradigmas e que tenham uma visão institucional que perpasse todos os níveis da organização.

  1. Negociação no âmbito dos pregões

Cumpre de partida traçarmos o conceito de negociação, que, de acordo com De Plácido e Silva (1996, p. 238):

[…] é comumente empregado para designar a discussão ou estudos feitos acerca de um negócio ou de um contrato, preliminarmente, para que, por eles, se chegue a um acordo e se tenha por concluído ou fechado o negócio ou o contrato. A negociação, assim, significa o entendimento preliminar, de que possa resultar o contrato ou de que possa resultar o negócio, que não se considera acabado ou concluído, enquanto as partes não se ajustam nas condições ou cláusulas, em que se possam realizar, e não firmam em definitivo, seu consentimento.

Segundo Colaiácovo (1997, p. 15), negociação é:

O processo durante o qual duas ou mais partes, com um problema comum, mediante o emprego de técnicas diversas de comunicação, buscam obter resultado ou solução que satisfaça de maneira razoável e justa seus objetivos, interesses, necessidades e aspiração.

Quando mencionamos a expressão negociação nas licitações, podemos afirmar que é um procedimento fundamental e que este deverá garantir respeito aos princípios da transparência, da motivação, da eficiência, da eficácia e da economicidade nas contratações públicas.

Pois bem, no que se refere à negociação no âmbito do pregão, argumenta com propriedade Torres (2018, p. 947) que a atividade de pregoeiro é cada vez mais complexa. O seu importante papel ultrapassa os limites da burocracia, isto é, das regras estabelecidas pela lei. Ele é o grande negociador!

A Lei nº 14.133/2021, ao inaugurar o capítulo do julgamento, não menciona expressamente a negociação no artigo 59. Entretanto, vejamos particularmente os incisos I e III:

Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

I – contiverem vícios insanáveis;

[…]

III – apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação.

Do exposto no artigo e nos aludidos incisos, surge uma indagação. Valor acima do estimado, se assim permanecer, se trata de uma “espécie” de vício insanável?

Parece-nos que a resposta é positiva, uma vez que, se a proposta do licitante após a fase de lances permanecer acima do estimado, haverá oportunidade para sanear, ou seja, reduzir o preço. Nota-se que, neste momento, ainda não foi definido o resultado, conforme aduz o caputdo artigo 61, logo, estamos na fase de análise da proposta.

Corrobora com nosso entendimento o mestre Justen Filho (2011, p. 3), que, ao comentar sobre a negociação no âmbito da Lei nº 12.462/2011 (RDC), aduz que a negociação permite ao licitante modificar sua proposta e evitar sua desclassificação, caso sua proposta esteja acima do estimado, e, se assim ocorrer, o vício estará sanado, resultando na melhor proposta para Administração.

Com a mesma pegada, o exímio doutrinador Justen Filho (2021, p. 765), agora em sede da Lei nº 14.133/2021, argumenta sobre os efeitos negativos da possibilidade de negociação, ao lecionar que existe a possibilidade de a negociação produzir um efeito neutralizador do incentivo à apresentação da proposta de menor valor possível, pois, se o licitante tem ciência de que o defeito do preço comporta saneamento, reduzirá seu incentivo à formulação, desde logo, de proposta mais vantajosa.

Verificamos na doutrina do respeitado professor Justen Filho (2021, p. 743) entendimento de que a redação do artigo 59, inciso III, indica a existência de negociação para redução da proposta ao orçamento estimado.

Parece-nos que o professor Niebuhr (2023, p. 731) possui a mesma compreensão, ao argumentar que a redução do preço referida no artigo 59, inciso III, confunde-se com a negociação do artigo 61 do mesmo diploma.

Por oportuno, vejamos a redação do caputdo artigo 61: “Art. 61. Definido o resultado do julgamento, a Administração poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado” (Grifamos).

Ao analisarmos a redação do caputdo artigo 61 da NLLCA, depreendemos que a negociação se iniciará quando já definido o resultado, para obter condições mais vantajosas.

Vale enfatizar que ambos os dispositivos aduzem momentos distintos de negociação, uma vez que o referido no artigo 59, III, trata-se do exato instante de análise da aceitabilidade da proposta, que, caso seja superior ao orçamento, será oportunizado ao licitante sua redução, bem como se restringe ao preço.  

Todavia, na negociação expressa no artigo 61, o resultado já foi definido, ademais a Administração poderá negociar para além do preço, isto é, podem ser discutidos diversos aspectos como prazos, preços, condições de pagamento, qualidade dos produtos ou serviços, entre outros.

Com esse entendimento o professor Niebuhr (2023, p. 733):

A negociação pode abranger tanto o preço, quanto outros aspectos da proposta, como prazo de entrega, prazo de pagamento etc., com arrimo no princípio da eficência e visando ao atendimento pleno do interesse público. A propósito, o caput do artigo 61, remete a uma espécie de negociação abrangente, refere-se a “negociar condições mais vatajosas […]”, o que não se restringe ao preço. (Grifamos)

Com efeito, sobre a possibilidade de negociação no âmbito do pregão para aspectos além do preço, sempre foi assim?

Parece-nos que não, tendo em vista o que consta na tabela 1 comparativa abaixo:

Depreendemos dos dispositivos que existe apenas a possibilidade de negociar o valor, bem como é vedada qualquer condição diferente da estabelecida no edital, ou seja, nunca poderá negociar outros aspectos.

Diferentemente ocorre com o artigo 61 da Lei nº 14.133/2021, que dispõe claramente que a Administração poderá negociar condições mais vantajosas. Para ilustrar, suponha que, numa determinada licitação para aquisição de um equipamento (tomógrafo) que no edital exista a previsão de 12 meses de garantia, poderá ocorrer na negociação que o fornecedor que já esteja com o valor da sua proposta adequado ao estimado pela administração ao ser instado a oferecer proposta mais vantajosa não aceite reduzir o valor da proposta inicial, mas, por outro lado, ofereça ampliar a garantia para 24 meses e reduzir o prazo de entrega.

É fundamental registrar que todas as propostas sejam avaliadas de forma imparcial e que as decisões sejam baseadas em critérios objetivos. Ademais, temos que ter em mente que a negociação em licitação não pode ser empregada como forma de favorecimento ou direcionamento da contratação para um determinado licitante, tampouco ameaça de desclassificação ou revogação da licitação, haja vista que o dispositivo que versa sobre o tema não condiciona que propostas no mesmo patamar ou abaixo do estimado sejam obrigatoriamente reduzidas pelo licitante.

O pregoeiro necessita estudar o cenário, ou melhor, ser proativo, conhecer o objeto ou pelo menos ser bem assessorado pelo setor demandante para evidenciar quais são as possíveis vantagens e desvantagens da negociação. Nesse quadrante, Justen Filho (2021, p. 764):

A negociação adicional pode ser justificada quando existirem indícios de que a situação ainda comporta a concessão de outras vantagens para a Administração. Não há cabimento em adotar a negociação de modo compulsório, sem que a Administração disponha de dados concretos que justifiquem a sua insistência. É indispensável à Administração tomar em vista que, se a disputa foi intensa e se foi atingido o menor preço possível, qualquer outra vantagem pode comprometer a exequibilidade da proposta.

Significa dizer que poderá ocorrer, na suposta “vantagem”, redução da qualidade do objeto ou prestação do serviço, tendo em vista que o licitante, a depender da situação, buscará compensar de alguma forma a redução dos custos negociados.

Por isso, é necessário para a eficiência nas licitações que o pregoeiro possua expertise e siga um roteiro predefinido, por exemplo:

  • Preparo: inicialmente é fundamental conhecer o objeto da licitação, seus prazos, suas exigências técnicas, o orçamento disponível e demais detalhes relevantes que ajudarão a argumentar de forma mais embasada durante as negociações;
  • Definição dos objetivos: conhecer quais serão os propósitos e prioridades na negociação, com uma elaboração clara dos objetivos para direcionar os esforços na tomada de decisões mais assertivas;
  • Conhecer o mercado fornecedor: entender o cenário atual do mercado e as condições dos concorrentes, permitindo melhor avaliação da proposta com o intuito de fomentar a contraproposta mais fundamentada, levando em consideração fatores como qualidade, prazo de entrega e custos;
  • Comunicação aberta: a negociação requer diálogo aberto e transparente entre as partes envolvidas que requer uma postura receptiva permitindo propositura de soluções mais criativas a um acordo que seja favorável para todos.

Igualmente, atender algumas diretrizes gerais sobre negociações em licitações, como:

  • Transparência: as negociações devem ser conduzidas com transparência e demais princípios;
  • Igualdade de tratamento: todos os participantes devem receber o mesmo tratamento durante as negociações, garantindo que nenhuma parte seja favorecida indevidamente;
  • Documentação adequada: Todas as negociações devem ser devidamente documentadas, registrando as discussões, decisões tomadas e quaisquer alterações acordadas. Isso ajuda a garantir a transparência e a prestação de contas.

Oportuno mencionar ainda, resumidamente, algumas dicas do professor Vinícius Martins (2021):

  • No procedimento eletrônico, utilize o chat e deixe para negociar no momento em que identificar que o licitante cumpre os requisitos de aceitabilidade técnica da proposta e de habilitação;
  • Solicite contraproposta menor que a pretendida pela Administração, pois provavelmente o licitante ofertará outra proposta;
  • Avalie o vulto de cada vencedor, caso seja um licitação com diversos itens e licitantes diferentes, ou seja, tenha prioridades no esforço;
  • Ocorrendo vários licitantes vencedores no mesmo certame, organize uma agenda virtual e disponibilize no quadro aviso do sistema com data e horários para cada licitante;
  • Avalie a possibilidade de descontos pelo quantitativo de itens vencidos pela mesma empresa em uma mesma licitação com vários itens;
  • Compare o preço praticado pelos concorrentes locais e regionais, assim como pela mesma licitante, provisoriamente vencedora em outros órgãos, por exemplo, no painel de preços do governo federal, visando obter uma coerência nos valores ofertados.

Utilizando-se de tais premissas entre outras, observando sempre os princípios administrativos, será possível obtermos propostas mais vantajosas, por isso, para ilustrar é crucial mostrarmos em números algumas negociações, como a ocorrida em excelente pesquisa realizada pelo Instituto Federal do Paraná – IFPR de aquisição de diversos produtos e contratação de serviços, no período de março de 2014 até setembro de 2016, no qual foi realizado um total de 111 pregões, na forma eletrônica, contudo, apenas em 59 ocorreu a possibilidade de negociação entre pregoeiro e licitante. Assim, confira a tabela 2:

Realizamos a mesma pesquisa no portal de compras do Governo Estado do Rio de Janeiro, a fim de verificar a economia gerada com as técnicas de negociação e aleatoriamente selecionamos um pregão eletrônico da Fundação Saúde do Estado realizado no ano de 2023, conforme a tabela 3:

Portanto, a negociação em licitação é um instrumento importante para garantir uma contratação mais eficiente e adequada às necessidades da administração pública. No entanto, é essencial que seja conduzida de forma transparente, respeitando as regras do processo licitatório e garantindo a igualdade entre os participantes.

Vale pôr em relevo, nesse ponto, os ensinamentos do professor Justen Filho (2013, p. 78): […] O pregoeiro não desempenha mera função passiva (abertura de propostas, exame de documentos etc.), mas lhe cabe inclusive fomentar a competição – o que significa desenvoltura e ausência de timidez.

3.1 Negociação e orçamento sigiloso

No âmbito das modalidades de licitação previstas na Lei nº 8.666/1993, por força do artigo 40, § 2º, inciso II, o orçamento sigiloso é vedado, tendo em vista que o dispositivo versa que o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários deve constar no edital.

Por outro lado, inicialmente a Lei nº 10.520/2002 que instituiu o pregão não versou sobre o tema, mas o Decreto nº 10.024/2019 trouxe a possibilidade da efetiva utilização do orçamento sigiloso. Importante relembrar que o referido normativo revogou o antigo Decreto nº 5.450/2005, que regulamentava a modalidade pregão.

A NLLCA movimentou-se em relação ao orçamento sigiloso, trazendo em seu bojo a previsão de que, havendo justificativa, o orçamento poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação para os órgãos de controle interno e externo. 

Torres (2023, p. 203) aduz que:

A ocultação da estimativa de custos (orçamento sigiloso), pela Administração, pode equilibrar um pouco a assimetria de informações entre ela e os licitantes, o que, dependendo da modelagem adorada, pode induzir que os licitantes apresentem propostas iniciais mais próximas de seus preços efetivos, além de gerar certa vantagem para o agente de contratação ou pregoeiro, na fase de negociação.

Para Justen Filho (2021, p. 405):

A manutenção do sigilo durante eventual negociação entre a Administração e o licitante propicia problemas relevantes e não se traduz em benefício efetivo. Desenvolver negociação sem revelar o valor do orçamento envolve dificuldades muito significativas. O agente público é colocado em posição muito precária, eis que lhe é vedado indicar o limite máximo aceitável do valor. Já o licitante, por desconhecer o referido valor, formula reduções que, em muitos casos, são irrelevantes. Em muitos casos, a proposta será desclassificada e o agente público deverá reiniciar os seus esforços em face dos demais licitantes. De modo genérico, o resultado é um conjunto de mal-entendidos e de esforços desperdiçados. Por outro lado, a fase competitiva se encerrou e se obteve, em princípio, a proposta de valor mais reduzido possível. A revelação do valor do orçamento nesse momento não afeta o processo de formação das propostas. A revelação do valor do orçamento, depois do encerramento da fase competitiva, permite a todos os envolvidos atingirem um resultado simples e rápido. Tendo conhecimento do valor orçado, os envolvidos poderão atingir uma solução em curto espaço de tempo.

Parece-nos que a posição do doutrinador se alinha ao entendimento do TCU no Acórdão nº 306/2013 do Plenário, ainda que seja no âmbito da RDC: “Nas licitações regidas pelo RDC, é possível a abertura do sigilo do orçamento na fase de negociação de preços com o primeiro colocado, desde que em ato público e devidamente justificado”. A essa posição também nos filiamos!

4 Negociação é uma faculdade ou obrigação

O pregoeiro é livre, diante das propostas apresentadas pelos licitantes?

Justen Filho (2021, p. 764) argumenta que a negociação não é obrigatória quando o valor ofertado for igual ou inferior ao orçamento estimado. Contudo, entende ser obrigatória, caso a proposta supere o valor máximo admitido pela Administração.

Sobre o tema, Carvalho (2023, p. 294) aduz:

[…] apesar de o texto ser sempre o ponto de partida na interpretação da norma, é necessário que outros métodos sejam razoavelmente empregados. No presente caso, a busca pela melhor proposta no processo licitatório é valor fundamental da nova lei de licitações. Como o administrador é mero gestor de coisa alheia, parece que, em verdade, pelo menos a tentativa de negociação seja obrigatória. Um verdadeiro poder dever.

Vejamos a decisão do Plenário do TCU no Acórdão nº 2.049/2023:

Na modalidade pregão, a negociação com o licitante vencedor visando obter melhor proposta para a Administração deve ser realizada mesmo se o valor ofertado for inferior àquele orçado pelo órgão ou pela entidade promotora do certame. (art. 38, caput, do Decreto nº 10.024/2019)

No que se refere à negociação, quando os itens são agrupados, vejamos decisão do Plenário do TCU no Acórdão nº 1.872/2018:

Quando se trata de certames engendrados sob a forma de adjudicação por grupos de itens, a questão da negociação apresenta um contorno particular. Com efeito, a negociação pode envolver itens específicos ou o grupo como um todo. Assim, ao concordar com a negociação, o licitante pode aceitar diminuir o preço unitário de um ou mais itens, ou reduzir o valor global do grupo de que foi vencedor. No primeiro caso, não há diferença em relação à negociação realizada em licitações com adjudicação por itens.

Portanto, observamos que a recomendação, de acordo com os entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União, é no sentido do poder dever da Administração Pública em negociar com o mais bem classificado no certame licitatório.

5 Conclusão

No ano de 2023, só no primeiro semestre o governo federal homologou cerca de R$ 59 bilhões em contratações públicas, segundo dados do painel de compras do governo federal. Desse modo, podemos perceber a expressividade de dinheiro empreendido no âmbito das compras governamentais.

A partir desse cenário, conseguimos compreender que negociar é preciso, sobretudo, em um estado gerencial no qual se buscam cada vez mais resultados, que estejam ancorados na eficiência em prol do interesse público.

A negociação desempenha um papel crucial nas licitações, permitindo que a administração encontre a melhor solução para as suas necessidades com economia dos recursos públicos, para garantir outras políticas sociais.

No entanto, é essencial que seja conduzida de forma transparente, respeitando as regras do processo licitatório e garantindo a igualdade entre os participantes.

O pregoeiro necessita estudar o cenário, ou melhor, ser proativo, conhecer o objeto ou pelo menos ser bem assessorado pelo setor demandante para evidenciar quais são as possíveis vantagens e desvantagens da negociação, uma vez que poderá ocorrer situações em que uma “suposta vantagem” venha reduzir a qualidade dos objetos ou dos serviços, tendo em vista que o licitante, a depender da situação, buscará compensar de alguma forma a redução dos custos negociados.

Vale registrar que o licitante não é obrigado a negociar quando sua proposta estiver adequada ou abaixo do valor máximo estimado pela administração, porém, caso sua proposta esteja acima, deverá adequar (corrigir o vício) para não ser desclassificado.

Corroboramos com o entendimento do professor Niebuhr (2023, p. 730) ao argumentar que é importantíssimo que os agentes estatais procedam ao efetivo controle dos preços que lhe são ofertados em licitação pública, pois os contratos administrativos decorrentes de licitação são custeados por recursos públicos, que devem ser geridos com austeridade.

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