OS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS RESPONDEM PELOS ENCARGOS TRABALHISTAS DOS TERCEIRIZADOS?

A Lei 8.666/93, aplicada subsidiariamente ao Sistema S[1], prevê o seguinte:

“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)”. (grifou-se)

Portanto, segundo a Lei de Licitações, a Administração Pública (ou quem lhe faça as vezes), é responsável solidária pelos encargos previdenciários devidos, mas não possui qualquer responsabilidade por eventuais encargos trabalhistas.

Contudo, mesmo com essa específica previsão legal, a justiça trabalhista entende que o ente público, na qualidade de tomador de serviços, responde subsidiariamente por encargos trabalhistas devidos e não pagos ao empregado, nos casos em que restar demonstrada sua culpa in vigilando, ou seja, quando falhar na fiscalização da execução do contrato, conforme redação dada à Súmula 331/TST, que foi alterada após o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº16), em que o STF declarou a constitucionalidade do conteúdo do art. 71, §1º da Lei de Licitações:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”. (grifou-se)

Assim, a rigor, como forma de afastar, ou ao menos mitigar eventual responsabilidade subsidiária na seara trabalhista, é fundamental que a entidade exerça efetivamente seu dever de fiscalização dos contratos, exigindo da empresa contratada a manutenção de suas condições de habilitação durante toda a execução contratual[2], comprovando, especialmente, que está em situação fiscal e trabalhista regular e recolhe todos os encargos adequadamente.

A Corte Federal de Contas, inclusive, vem reconhecendo a possibilidade de se reter pagamentos devidos à contratada em valores correspondentes às obrigações trabalhistas e previdenciárias inadimplidas, incluindo salários, demais verbas trabalhistas e FGTS, relativas aos empregados dedicados à execução do contrato, como medida preventiva e acautelatória, consoante restou consignado no Acórdão 3301/2015-Plenário.

Todavia, ainda que a Entidade atue de forma diligente e cautelosa, fiscalizando adequadamente seus contratos de terceirização de serviços, eventual responsabilidade trabalhista subsidiária não resta de todo afastada e pode vir a ser reconhecida no caso concreto pela Justiça do Trabalho, tendo em vista que o Tribunal Superior do Trabalho entende que o inciso V da Súmula 331/TST não seria aplicável às Entidades do Sistema “S”, por não serem integrantes da Administração Pública, trazendo à colação a seguinte decisão dessa Corte Superior, em cujo voto o Ministro-Relator destacou diversos outros precedentes aplicáveis aos Serviços Sociais Autônomos:

“Nesse sentido são os seguintes precedentes:
RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SISTEMA ‘S’. SÚMULA Nº 331, ITEM IV, DO TST. Os serviços sociais autônomos, na condição de pessoas jurídicas de direito privado, não se sujeitam aos ditames da Lei nº 8.666/1993, não havendo que se falar no exame da conduta culposa para a responsabilização pelos débitos trabalhistas da empresa prestadora de serviços, mas sim na responsabilidade objetiva prevista no item IV da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. (TST-RR-1149-90.2010.5.03.0060, Relator Ministro Emmanoel Pereira, Ac. 5ª Turma, DEJT de 27.4.2012).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. DESNECESSSIDADE DE EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO, NA FORMA DO ARTIGO 37, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os serviços sociais autônomos, embora passíveis de fiscalização pelo Tribunal de Contas da União, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, pois são custeados por dinheiro público oriundo da arrecadação das contribuições parafiscais, não integram a Administração Pública e, por isso, para a contratação de seus empregados, não estão obrigados à realização de concurso público, assim como o previsto para admissão de servidores na Administração Pública direta e indireta, não se submetendo, portanto, às regras impostas pelo artigo 37, inciso II e § 2º, da Constituição Federal, conforme jurisprudência unânime desta Corte. Recurso de revista não conhecido. (TST-RR-76300-98.2008.5.14.0004, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, DEJT de 24.05.2013).
RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TERCEIRIZAÇÃO. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. I. A Corte Regional manteve a sentença em que se imputou ao segundo Reclamado (SESI) a responsabilidade subsidiária no pagamento das verbas trabalhistas deferidas ao Reclamante. Entendeu que o Recorrente é “subsidiariamente responsável pelos ônus decorrentes da presente lide, sendo inquestionável que se locupletou das atividades e da força de trabalho do reclamante e de outros tantos empregados da primeira reclamada em proveito próprio”. Acrescentou que “haverá responsabilidade subsidiária independentemente de ficar evidenciada no caso concreto a conduta culposa da tomadora de serviços, posto que, esta possui dever de fiscalização em relação à prestadora de serviços, sob pena de incorrer em culpa in eligendo e culpa in vigilando, integrando a certidão de julgamento as razões de assim decidir”. II. O segundo Reclamado (SESI) pleiteia a reforma do acórdão regional, para afastar a responsabilidade subsidiária que lhe foi imposta no pagamento das verbas trabalhistas deferidas ao Reclamante. Argumenta que “o Recorrente, SESI, ainda que considerado entidade ‘paraestatal’, também está sujeito à lei 8.666, exatamente por se manter fundamentalmente por recursos públicos, sendo inclusive fiscalizado/auditado pela CGU e pelo TCU, pelo que, só seria subsidiariamente responsável caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações)”. Sucessivamente, caso mantida a condenação, requer a “limitação da responsabilidade subsidiária atribuída ao recorrente”. III. Primeiramente, cumpre esclarecer que a presente demanda tramita sob o rito sumaríssimo, procedimento em que o recurso de revista é admitido apenas por (a) violação direta da Constituição Federal ou (b) contrariedade a Súmula deste Tribunal (art. 896, § 6º, da CLT e OJ/SBDI-1 nº 352 do TST). Assim, é inviável o prosseguimento do recurso de revista em face da indicação de violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, bem como de divergência jurisprudencial. IV. Os serviços sociais autônomos (como é o caso do Recorrente – SESI) não se incluem no rol de entes da Administração Pública direta e indireta. Assim, inaplicável ao caso o entendimento contido no item V da Súmula nº 331 do TST, porquanto o referido verbete sumular se destina aos “entes integrantes da Administração Pública direta e indireta”. V. Ao determinar que o Recorrente é “subsidiariamente responsável pelos ônus decorrentes da presente lide, sendo inquestionável que se locupletou das atividades e da força de trabalho do reclamante e de outros tantos empregados da primeira reclamada em proveito próprio”, o Tribunal Regional julgou a controvérsia de acordo com o entendimento contido no item IV da Súmula nº 331 do TST. Portanto, inviável o processamento do recurso de revista por indicação de contrariedade a esse Enunciado. VI. Relativamente ao pedido sucessivo, o Recorrente aponta ofensa ao art. 5º, II, da CF/88, sob o argumento de que não há previsão legal para a imputação da responsabilidade subsidiária. Entretanto, não há violação do referido preceito constitucional, pois a Súmula nº 331 do TST é fruto da interpretação de toda a legislação que disciplina a responsabilidade trabalhista do tomador de serviços na terceirização e expressa a jurisprudência consolidada desta Corte a respeito da matéria. Portanto, ao resolver a controvérsia com base na Súmula nº 331, IV, do TST, o Tribunal Regional decidiu com amparo no art. 8º da CLT, em que se reconhece expressamente a jurisprudência como fonte de direito. VII. Recurso de revista de que não se conhece. (TST-RR- 1604-72.2011.5.03.0043, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, DEJT de 10.05.2013).
ENTIDADES INTEGRANTES DO SISTEMA “S”. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.[3]

Mas mesmo diante dessa possibilidade, por óbvio, não deve o Sistema “S” descuidar de seu dever de fiscalização sobre os contratos celebrados, na medida em que a acurada fiscalização pode permitir que o Sistema S tome medidas acauteladoras assim que identificado eventual descumprimento dos encargos trabalhistas pela empresa contratada, minimizando aludida responsabilidade.


[1] Conforme o entendimento tradicional e majoritário que impera no âmbito do TCU, a exemplo da manifestação contida no Acórdão 3454/2007 – Primeira Câmara:“A exigência de que o Estatuto das Licitações e Contratos seja observado por entidades do Sistema ‘S’ pode ser justificada em duas hipóteses: ausência de regra específica no regulamento próprio da entidade ou dispositivo, do mesmo regulamento, que contrarie os princípios gerais da Administração Pública e os específicos relativos às licitações e os que norteiam a execução da despesa pública.”
[2] Nos termos do art. 55, XIII da Lei de Licitações, aplicada subsidiariamente a entidadeeque assim estabelece:“Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:(…)XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”.
[3] TST-AIRR-908-53.2011.5.03.0102. 7ª TURMA. J. 02/06/2015. DEJT 05/06/2015.

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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