Quais atributos deve o serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual reunir para ser considerado singular?

Singular, é a particularidade que um objeto apresenta que o distingue dos demais da sua espécie.

É o que se extrai do conceito contido na Enciclopédia Significados:

“Singular é um adjetivo referente ao que é único, exclusivo, peculiar, raro ou que se diferencia dos demais pela sua excepcionalidade. Como um adjetivo, a palavra singular pode ser aplicada para expressar diversos significados, envolvendo desde o estado de surpresa, espanto ou para indicar a invulgaridade de algo.”[1] (grifou-se)

E ao discorrer sobre o tema em exame a doutrina especializada esclarece:

“Por natureza singular do serviço há de se entender aquele que é portador de tal complexidade executória que o individualiza, tornando-o diferente dos da mesma espécie, e que exige, para a sua execução, um profissional ou empresa de especial qualificação.”[2] 

“A inviabilidade de competição apenas ocorre nos casos em que a necessidade estatal apresenta especificidade, que demandam uma solução diferenciada. Quando o interesse estatal puder ser satisfeito por uma prestação padrão, desvestida de alguma peculiaridade, a competição será possível e será obrigatória a licitação. Portanto, a singularidade se configura tanto em relação ao serviço a ser prestado como relativamente à necessidade administrativa a ser atendida.”[3]

Nessa toada, pode-se dizer que o serviço técnico especializado, para ser considerado singular, deve possuir atributos específicos, complexos e/ou incomuns que o diferenciem dos usualmente contratados e até mesmo dos ordinariamente realizados no seu mercado próprio.

A contratação não pode, assim, ser relativa a serviço técnicos especializados corriqueiros, sem maiores complexidades e que possam ser prestados por todo e qualquer profissional devidamente capacitado para exercer a sua profissão e que atenda as exigências previamente estipuladas. É o que se verifica, por exemplo, na contratação da grande maioria de projetos básicos de obras e serviços de engenharia, os quais, apesar de tidos como serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, são usuais, admitem a fixação de critérios objetivos de seleção e a consequente comparação de propostas, implicando na viabilidade competição.

Diante disso, tem-se que a singularidade, no que tange a contratação de serviços técnicos profissionais especializados de natureza predominantemente intelectual, se encontra relacionada às peculiaridades e às especificidades que esses e a necessidade a ser atendida devem conter para justificar a impossibilidade da comparação objetiva de propostas e conduzir, consequentemente, à inexigibilidade de licitação por conta de inviabilidade de competição.

Válidas, a propósito, as manifestações do Tribunal de Contas da União:

PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 355/2018

COLEGIADO

Primeira Câmara

ACÓRDÃO

Acórdão 10940/2018-TCU-Primeira Câmara, Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Benjamin Zymler

ENUNCIADO

Para fim de contratação com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, serviços advocatícios podem ser considerados como singulares não apenas por suas características abstratas, mas também em razão da relevância do interesse público em jogo, a exigir grande nível de segurança, restrição e cuidado na execução dos serviços, a exemplo de demandas judiciais envolvendo valores de indenização muito elevados, que coloquem em risco a sobrevivência da entidade contratante.

TEXTO

No exame da prestação de contas da Companhia Energética do Piauí (Cepisa) relativa ao exercício de 2010, dois atos foram tidos como suficientemente graves pelo TCU para julgar irregulares as contas dos responsáveis (Acórdão 1.936/2016 Primeira Câmara), ambos relacionados à contratação de escritório de advocacia, por inexigibilidade de licitação, para a prestação de assessoria jurídica em processos judiciais e administrativos. As contratações foram reputadas como irregulares, entre outros motivos, porque os serviços não seriam de natureza singular, um dos pressupostos exigidos no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993. Inconformados, os responsáveis interpuseram recursos de reconsideração contra a referida deliberação, aduzindo, entre outros argumentos, que “a contratação era necessária em reforço ao departamento jurídico da entidade e envolvia fornecedores de expertise reconhecida e suficiente para dar suporte estratégico em casos de alto relevo” e que “a Cepisa estava sendo alvo de inúmeras ações no campo regulatório de energia elétrica, com pretensões e atos de escritórios e advogados que causavam risco para o próprio abastecimento do Estado do Piauí e para sua própria sobrevivência, já que os pleitos que lhe eram impingidos e as sanções que lhe podiam ser aplicadas pela Aneel colocavam em risco a continuidade da atuação da concessionária”. Em seu voto, o relator externou o seu entendimento de que a singularidade pressupõe “complexidade e especificidade”, razão por que “a natureza singular não deve ser compreendida como uma situação de ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada que exige grande nível de segurança, restrição e cuidado“. Para o relator, no caso concreto, afigurava-se “inegável que os serviços colocados sob a responsabilidade do escritório contratado eram estratégicos e de grande relevância, ligados à regulação do setor energético e à atuação da Cepisa”. A corroborar tal assertiva, ressaltou que “os recorrentes relacionaram demandas que colocavam em risco o abastecimento de energia e a sobrevivência da própria empresa, uma vez que envolviam litígios acerca de indenizações de elevadíssimos valores. Citaram, ainda, ações civis públicas em que se questionava a qualidade do fornecimento de energia ou se pretendia impor à concessionária pesadas condutas, redução do prazo de ressarcimento de consumidores supostamente lesados e multa de milhões de reais a título de danos morais. Mencionaram, ainda, diversas demandas tributárias, dentre elas execuções fiscais do Estado do Piauí, com discussões que superaram a cifra dos treze milhões de reais, em dados históricos. Outras ações mencionadas discutiram dívidas havidas pela Águas e Esgotos do Piauí S.A (Agespisa) relativas a faturas de serviços, com débitos históricos da ordem de R$ 159.274.574,28”. Diante desse contexto, anuiu à manifestação do titular da unidade técnica no sentido de que “a natureza singular está aí: a própria sobrevivência da empresa estaria em jogo (…). A materialidade, portanto, a singularidade, também estariam provadas pela natureza das ações. Sabemos que as ações coletivas, como a ação popular e a ação civil pública, impõem pesados ônus ao sucumbente, devido ao caráter ‘erga omnes’ da condenação (no caso todos os consumidores do Piauí)”. Por fim, ao enfatizar que “o objeto é caracterizado como singular não pelas suas características abstratas, mas pela relevância dos interesses públicos em jogo”, o relator concluiu ter restado demonstrada a “impossibilidade fática de a entidade assumir, por seu corpo próprio de advogados, a execução dos serviços em comento”. Acolhendo o voto do relator, o colegiado decidiu dar provimento aos recursos de reconsideração. Acórdão 10940/2018 Primeira Câmara, Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Benjamin Zymler.” (grifou-se)

ACÓRDÃO

Acórdão 2993/2018-Plenário

DATA DA SESSÃO

12/12/2018

RELATOR

BRUNO DANTAS

ÁREA

Licitação

TEMA

Inexigibilidade de licitação

SUBTEMA

Serviço técnico especializado

OUTROS INDEXADORES

Caracterização, Singularidade do objeto

TIPO DO PROCESSO

DENÚNCIA

ENUNCIADO

O conceito de singularidade de que trata o art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993 não está vinculado à ideia de unicidade, mas de complexidade e especificidade. Dessa forma, a natureza singular não deve ser compreendida como ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado.”

PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 220/2014

COLEGIADO

Plenário

ACÓRDÃO

Acórdão 2832/2014-TCU-Plenário, TC Processo 021.606/2010-2, relator Ministro Walton Alencar Rodrigues, 22/10/2014

ENUNCIADO

Na contratação de serviços advocatícios, a regra geral do dever de licitar é afastada na hipótese de estarem presentes, simultaneamente, a notória especialização do contratado e a singularidade do objeto. Singular é o objeto que impede que a Administração escolha o prestador do serviço a partir de critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

TEXTO

Pedido de Reexame interposto pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) questionara deliberação do TCU pela qual foram expedidas determinações que, no entendimento da recorrente, eram incabíveis. Dentre elas, opôs-se a recorrente a “determinações relacionadas à necessidade de observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, isonomia e publicidade e de realização de pesquisas de preços nas contratações de serviços advocatícios”. No entendimento da SPDM, seria “impossível aferir o trabalho intelectual do advogado em processo licitatório, impondo-se a contratação desse serviço pela via da inexigibilidade de licitação”. Analisando o ponto, o relator relembrou ser firme “a jurisprudência do Tribunal no sentido de que a regra para contratação de serviços técnicos especializados, entre os quais os advocatícios, é a licitação”. A regra geral só é afastada “na hipótese de estarem presentes, simultaneamente, a notória especialização do contratado e a singularidade do objeto”. Continuou o relator: “singular é o objeto que impede que a Administração escolha o prestador do serviço a partir de critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação (verbete 39 da Súmula da jurisprudência predominante no Tribunal, na redação aprovada na Sessão Plenária de 1/6/2011)”. Assim, e com alicerce na própria jurisprudência colacionada pelo recorrente, o relator afastou a tese da impossibilidade jurídica de contratação de serviços advocatícios mediante licitação. Nesse passo, o Plenário acolheu a tese da relatoria, negando, no ponto, os argumentos da recorrente e julgando parcialmente procedente o recurso, em face de outros elementos colacionados na peça recursal. Acórdão 2832/2014-Plenário, TC 021.606/2010-2, relator Ministro Walton Alencar Rodrigues, 22/10/2014.” (grifou-se)

PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 109/2012

COLEGIADO

Segunda Câmara

ACÓRDÃO

Acórdão 3924/2012-TCU-Segunda Câmara, TC Processo 012.314/2005-6, rel. Min. José Jorge, 5.6.2012

ENUNCIADO

A contratação direta de serviço de advocacia, por inexigibilidade de licitação, com suporte no permissivo contido no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, demanda não só a demonstração da notória especialização do profissional ou escritório escolhido, mas também a comprovação da singularidade do objeto da avença, caracterizada pela natureza “excepcional, incomum à praxe jurídica” do respectivo serviço

TEXTO

Recurso de reconsideração interposto por ex-Administrador do Porto de Maceió pleiteou a reforma do Acórdão nº 1774/2011-2ª Câmara, por meio do qual o Tribunal julgou irregulares suas contas do exercício de 2004 e aplicou-lhe multa do art. 58, I, da Lei nº 8.443/92, no valor de R$ 10.000,00, em decorrência de haver promovido a contração direta, por inexigibilidade de licitação, do escritório de advocacia Galloti e Advogados Associados, sem que restassem caracterizados os pressupostos especificados no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.443/1992. O objeto do contrato abrangia: I) análise de títulos de imóveis da área do Porto de Maceió; II) consultoria em concorrências de arrendamentos de instalações portuárias; III) elaboração de minutas de editais de licitações e assistência à comissão de licitação; IV) adaptação de contratos de arrendamento e operacionais a Resoluções da ANTAQ; V) consultoria em assuntos jurídico-portuários; VI) acompanhamento de processos judiciais decorrentes dos certames licitatórios de arrendamento das instalações portuárias. O Relator, em linha de consonância com a unidade técnica e com o Ministério Público/TCU, ao refutar os argumentos do recorrente, ressaltou “que a jurisprudência deste Tribunal está há muito consolidada no sentido de que o serviço de advocacia só pode ser contratado sem licitação se o for junto a um profissional (ou escritório) de notória especialização e desde que se trate de serviço de natureza singular”. E mais: a contratação direta só pode ser admitida, conforme consignado no Voto condutor da Decisão nº 314/1994 – 1ª Câmara, em “ocasiões e condições excepcionalíssimas, quando o serviço a ser contratado detenha inequívocas características de inédito e incomum, jamais rotineiro e duradouro”. Valeu-se, também, de ensinamentos de Marçal Justen Filho (in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 12ª edição), segundo os quais a natureza singular configura “situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional ‘especializado’…” – grifos do relator. Concluiu, então que, a despeito de restar demonstrada a notória especialização do escritório contratado, “(…) o recorrente não conseguiu comprovar a singularidade do objeto contratado, eis que não se identificou, entre as atividades acima listadas, ‘qualquer serviço excepcional, incomum à praxe jurídica‘ (…)”. O Tribunal, ao acolher proposta do relator, decidiu conhecer o recurso do citado responsável, mas negar provimento a esse recurso. Precedente mencionado: Decisão nº 906/97 – Plenário. Acórdão n.º 3924/2012-Segunda Câmara, TC 012.314/2005-6, rel. Min. José Jorge, 5.6.2012.” (grifou-se)

A singularidade para fins de licitação, no entanto, muito embora esteja relacionada a objeto incomum, específico ou complexo não requer que esse seja único, raro, ou mesmo que exista um único prestador, conforme também já externou o Tribunal de Contas da União:

PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 439/2022

COLEGIADO

Plenário

ACÓRDÃO

Acórdão 1397/2022-TCU-Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler

ENUNCIADO

Nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento.”

PUBLICAÇÃO

Boletim de Jurisprudência 104/2015

ACÓRDÃO

Acórdão 2616/2015-TCU-Plenário (Solicitação do Congresso Nacional, Relator Ministro Benjamin Zymler)

INDEXAÇÃO

Licitação. Inexigibilidade de licitação. Singularidade do objeto. 

ENUNCIADO

Nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art.25, inciso II, da Lei 8.666/93. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento.” 

PUBLICAÇÃO

Boletim de Jurisprudência 16/2013

ACÓRDÃO

Acórdão 7840/2013-TCU-Primeira Câmara

INDEXAÇÃO

Contratação Direta. Pedido de Reexame. Singularidade do objeto. 

ENUNCIADO

O conceito de singularidade de que trata o art.25, inciso II, da Lei 8.666/93 não está vinculado à ideia de unicidade, mas de complexidade e especificidade. Dessa forma, a natureza singular não deve ser compreendida como ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado.” (grifou-se)


[1] https://www.significados.com.br/singular/

[2] GASPARINI, Diogenes, Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 492.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, pg. 981.

Grupo JML - Consultoria

Publicações recentes

DAS IMPUGNAÇÕES, DOS PEDIDOS DE ESCLARECIMENTO E DOS RECURSOS NAS DISPENSAS DE LICITAÇÃO

Por: , , e

Jamil Manasfi da Cruz[1] César Augusto Wanderley Oliveira[2] Felipe Dalenogare Alves[3] Hermes Alencar de Lima[4] RESUMO O artigo analisa a […]

4 de dezembro de 2024

Margem de Preferência nas Compras Públicas: A Nova Regulamentação pelo Decreto nº 12.218/2024 

Por:

Introdução  O Decreto nº 12.218, de 11 de outubro de 2024, estabelece novas diretrizes para a aplicação da margem de […]

25 de novembro de 2024

Discricionariedade e Transparência nas Contratações das Entidades do Sistema S: Lições do Acórdão 1998/2024 do TCU 

Por:

A discricionariedade administrativa é um princípio fundamental no Direito Administrativo, permitindo ao agente um espaço para tomar decisões que atendam […]

18 de novembro de 2024