REAJUSTE. DEFLAÇÃO. VALOR NOMINAL DO CONTRATO. CONSIDERAÇÕES.

Como é cediço, o direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é assegurado pela Constituição Federal nos seguintes termos:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (grifou-se)

Assim, a equação econômico-financeira firmada no momento de aceitação dapropostaapresentada pelo particular é “protegida e assegurada pelo Direito”.[1] E para tanto, o ordenamento jurídico prevê instrumentos específicos para que os contratos tenham seus valores atualizados, destacando-se dentre eles o reajuste.

Em síntese, o reajuste de preços[2] é a atualização do valor inicialmente avençado, em face de alterações no mercado econômico que acabam repercutindo no contrato. É a atualização do valor do contrato, em função de elevações previsíveis dos preços dos bens, serviços ou salários (inflação) e deve, para viabilizar sua aplicação, estar disciplinado em instrumento convocatório e contrato, com a indicação do critério (índice, variação efetiva do custo ou outro), periodicidade (anual[3]) e data base (data da proposta ou do orçamento nessa referido).

Nessa linha, dispõe a Lei 8.666/1993:

“Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(…)
XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;
(…)
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
(…)
III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
(…).” (grifou-se)

A respeito, o Tribunal de Contas da União sinaliza:

“(…) o reajuste objetiva compensar os efeitos da desvalorização da moeda nos custos de produção ou dos insumos utilizados, reposicionando os valores reais originais pactuados. Como se relaciona a fatores previstos antecipadamente, as partes estabelecem já nos termos do contrato, o critério para promover esse reequilíbrio (…)”.[4] (grifou-se)

Pode-se dizer, em outras palavras, que o reajuste serve para atualizar o valor nominal do contrato, a fim de que seja pago por sua execução a remuneração real, isto é, condizente com a atualidade de mercado, sem os efeitos inflacionários ou deflacionários, de modo que se preserve a equação econômico-financeira inicialmente estabelecida.

É como leciona Marçal Justen Filho:

“O reajuste de preços consiste na alteração da cláusula monetária em contrato administrativo, decorrente da variação de índices de preços que refletem os custos necessários à execução da prestação contratual.
(…)
O reajuste de preços tem por função assegurar a identidade do valor real da remuneração prevista no contrato. O fenômeno inflacionário (ou deflacionário) produz efeito de desnaturação da relação original pactuada entre as partes. A manutenção do valor nominal da prestação acarretaria uma alteração da remuneração assegurada originalmente à parte.[5] (grifou-se)

Como se observa da lição do renomado autor, entende-se por valor nominal do contrato o valor inicialmente avençado, aquele constante na proposta vencedora do certame e sobre a qual se estabeleceu a equação econômico-financeira da relação.

Outros autores também utilizam essa expressão, como abaixo se observa:

“Não se pode negar, porém, que o Poder Executivo e até mesmo o próprio Tribunal de Contas da União têm exigido a previsão no instrumento convocatório e no contrato administrativo, sob pena de não ser realizada a repactuação. Não há, assim, nenhuma decisão pacífica do Poder Judiciário pátrio a respeito da questão. Todavia, como leciona Renata Faria Silva Lima (2007, p. 160), ‘a previsão no edital apenas reforçaria o direito do particular e o dever de a Administração recompor ou adequar o valor nominal da prestação, em função da inflação incidente’.”[6] (grifou-se)
“Há que se distinguir, inicialmente, três conceitos: valor inicial do contrato, valor atual do contrato e valor atualizado do contrato.
a) valor inicial do contrato: é o valor nominal, que corresponde ao valor da proposta do vencedor;
b) valor atual do contrato: é o valor que já foi despendido até o momento em razão do contrato ou o valor que ainda resta desembolsar, conforme preferir-se convencionar;
c) valor atualizado do contrato: é o valor do contrato para fins de pagamento, resultante das “atualizações” realizadas.
Logo: valor inicial atualizado do contrato é o valor nominal, com a incidência das atualizações.”[7] (grifou-se)

Uma vez presentes os pressupostos para a concessão do reajuste, o qual deve ter sido disciplinado em edital e contrato, cabe à Administração promovê-lo de ofício, a fim de que o contrato continue sendo executado com seu valor inicial (ou nominal) atualizado/reajustado.

E aqui se destaca que a aplicação do reajuste, no intuito de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pode ocorrer de forma positiva ou negativa, de acordo com a variação do índice estipulado, na linha dos ensinamentos de Diogenes Gasparini que expõe que “o reequilíbrio do contrato administrativo não é via de mão única, ao contrário, é mecanismo que tanto majora como reduz os valores contratualmente ajustados, tendendo, sempre, ao reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato”.[8]

Da mesma forma, posicionou-se a Advocacia-Geral da União, ao tratar do tema no Parecer nº 04/2013/CPLC/DEPCOSU/PGF/AGU:

“9. Por outro lado, equilíbrio econômico poderá ser afetado pela oscilação dos preços no mercado. Com passar do tempo, as flutuações tendem se consolidar com um aumento relevante do nível geral dos preços (inflação) ou com um decréscimo relevante desse nível (deflação). Em ambos os caso, há um desequilíbrio na relação contratual.
10. Quando os preços aumentam, os custos da contratação tendem aumentar e a margem de lucro do contratado diminui, pois, embora seus custos tenham aumentado, receberá pagamentos em valor fixado em momento anterior ao aumento geral dos preços. raciocínio inverso aplica-se à Administração: quando nível geral dos preços cai, os custos da contratação diminuem, mas particular continuará receber um pagamento fixo, despeito da queda em seus custos. No contrato administrativo, ambas as situações são indesejáveis.
11. Juridicamente, contudo, não são situações imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, razão pela qual não se pode considerá-las manifestações da álea econômica. Muito pelo contrário, com alta frequência, indicadores macroeconômicos índices de preços permitem que expectativas de inflação ou de deflação sejam previstas com pequena margem de erro. Isso suscita uma questão: como restabelecer equilíbrio do contrato sem valer-se da teoria da imprevisão? 12. resposta está na própria legislação. reequilíbrio contratual para corrigir distorções provocadas pela inflação ou deflação está previsto no próprio contrato administrativo, por meio da previsão de critério de reajuste (arts. 40, XI, 55, III, da Lei n° 8.666/93).3 Por esse meio, Administração obrigada rever os valores do pagamento periodicamente.”[9] (grifou-se)

Destarte, não havendo disposição contratual em contrário, em regra, havendo deflação no índice adotado, deve a Administração realizar o reajuste do contrato, reduzindo seus valores. Na situação em apreço, portanto, correto o entendimento da Administração, não assistindo razão à contratada, posto que, na prática, não se está alterando o valor nominal/inicial do contrato, mas tão somente aplicando o índice devido no período, para ajustar a sua remuneração real e manter o equilíbrio econômico-financeiro da relação.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 17 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1180.
[2] Sobre o tema, confira a Síntese Jurídica “O REAJUSTE DE PREÇOS COMO CLÁUSULA NECESSÁRIA DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS”, elaborada por esta Consultoria e publicada na Revista JML de Licitações e Contratos nº 41/DEZ/2016/p. 58.
[3] Lei nº 10.192/2001, que dispõe sobre o Plano Real: “Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
§1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.
§ 2º Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido.
§ 3º Ressalvado o disposto no § 7º do art. 28 da Lei no 9.069, de 29 de junho de 1995, e no parágrafo seguinte, são nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste e periodicidade inferior à anual.
§ 4º Nos contratos de prazo de duração igual ou superiora três anos, cujo objeto seja a produção de bens para entrega futura ou a aquisição de bens ou direitos a eles relativos, as partes poderão pactuar a atualização das obrigações, a cada período de um ano, contado a partir da contratação, e no seu vencimento final, considerada a periodicidade de pagamento das prestações, e abatidos os pagamentos, atualizados da mesma forma, efetuados no período.
§ 5º O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos contratos celebrados a partir de 28 de outubro de 1995 até 11 de outubro de 1997.
§ 6º O prazo a que alude o parágrafo anterior poderá ser prorrogado mediante ato do Poder Executivo.
Art. 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei n 8.666/93, de 21 de junho de 1993.
§ 1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.”
[4] TCU. Acórdão 1246/2012. Primeira Câmara.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários, p. 1206.
[6] Fonte: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12217>. Acesso em 01.03.2018.
[7] Fonte: <http://gestaopublica-gabrielapercio.blogspot.com.br/2011/10/modificacao-contratual-e-aplicacao-dos.html>. Acesso em 01.03.2018.
[8] GASPARINI, Diógenes. Reajuste, revisão e repactuação. ILC, Seção Doutrina, MAI/2004, p. 416.
[9] Disponível em <www.agu.gov.br/page/download/index/id/16132906>. Acesso em 13.10.2017.

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