A Lei 14.133/2021 define, no inciso XX de seu art. 6º, o Estudo Técnico Preliminar como o “documento constitutivo da primeira etapa de planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação”.
Pode-se dizer, então, que o ETP integra a fase preparatória da contratação e se constitui em documento preambular, que fornece subsídios para a confecção do Termo de Referência etc., onde as soluções existentes no mercado para atendimento da demanda são avaliadas e a opção pela mais adequada é feita de forma justificada.
Em face de sua importância, em especial pelo fato de subsidiar o documento que define o objeto da contratação e as condições de sua execução (anteprojeto, termo de referência e projeto básico), a atual Lei Geral de Licitações e Contratações detalha, inclusive, no § 1° de seu art. 18 os elementos que o ETP deve conter:
“Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;
II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso;
(…)
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
II – demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;
III – requisitos da contratação;
IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;
V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;
VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
VII – descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;
VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação;
IX – demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;
XI – contratações correlatas e/ou interdependentes;
XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.
§ 2º O estudo técnico preliminar deverá conter ao menos os elementos previstos nos incisos I, IV, VI, VIII e XIII do § 1º deste artigo e, quando não contemplar os demais elementos previstos no referido parágrafo, apresentar as devidas justificativas.
§ 3º Em se tratando de estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns de engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, a especificação do objeto poderá ser realizada apenas em termo de referência ou em projeto básico, dispensada a elaboração de projetos.” (grifou-se)
A norma não indica, no entanto, a quem compete a elaboração do ETP, até porque se trata de questão de organização administrativa, que deve ser definida em vista da realidade e das peculiaridades de cada ente.
Assim é que caberá a autoridade competente de cada esfera disciplinar a matéria, respeitadas as diretrizes que a Lei 14.133/2021 impõe em seu art. 7°, a saber:
“Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
I – sejam, preferencialmente,[1] servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;
II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e
III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
§ 1º A autoridade referida no caput deste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.
§ 2º O disposto no caput e no § 1º deste artigo, inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.”
A designação deve recair, dessa forma, sobre servidor (es) efetivo (s) ou empregado (s) público (s) dos quadros permanentes da Administração, que possua (m) qualificação, capacidade e conhecimento necessário para bem realizar as atividades e que não se encontre (m) em situação de impedimento ou suspeição, seja por conta de questões pessoais ou profissionais.
Usualmente recai sobre o setor técnico interessado na contratação ou, se existente, a depender da estrutura da Administração, sobre o setor de planejamento de contratações, nada impedindo, também, que seja atribuído a ambos, em conjunto.
Válida, a propósito, a previsão constante na IN SEGES 58/2022, que regulamenta o tema no âmbito da Administração Pública Federal e aqui é citada a título de exemplo:
“Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital.
Art. 2º Os órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, deverão observar as regras e os procedimentos de que dispõe esta Instrução Normativa.
Art. 3º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
(…)
V – requisitante: agente ou unidade responsável por identificar a necessidade de contratação de bens, serviços e obras e requerê-la;
VI – área técnica: agente ou unidade com conhecimento técnico-operacional sobre o objeto demandado, responsável por analisar o documento de formalização de demanda, e promover a agregação de valor e a compilação de necessidades de mesma natureza; e
VII – equipe de planejamento da contratação: conjunto de agentes que reúnem as competências necessárias à completa execução das etapas de planejamento da contratação, o que inclui conhecimentos sobre aspectos técnicos-operacionais e de uso do objeto, licitações e contratos, dentre outros.
§ 1º Os papéis de requisitante e de área técnica poderão ser exercidos pelo mesmo agente público ou unidade, desde que, no exercício dessas atribuições, detenha conhecimento técnico-operacional sobre o objeto demandado, observado o disposto no inciso VI do caput.
§ 2º A definição dos requisitantes, das áreas técnicas e da equipe de planejamento da contratação não ensejará, obrigatoriamente, a criação de novas estruturas nas unidades organizacionais dos órgãos e das entidades.
(…)
Art. 8º O ETP será elaborado conjuntamente por servidores da área técnica e requisitante ou, quando houver, pela equipe de planejamento da contratação, observado o § 1º do art. 3º.” (grifou-se)
O relevante, enfim, é que a elaboração do ETP seja atribuída a agente (s) qualificado (s) e que detenha (m) capacidade de bem realizá-la, respeitadas as determinações que a Lei 14.133/2021 impõe em seu art. 7°.
Cautela cabe, portanto, à autoridade competente, posto que escolhas inadequadas, que gerem irregularidades, podem lhe imputar responsabilidades.
Esse o alerta feito por Marçal Justen Filho ao comentar o texto da Lei, que salienta a gestão por competência, a qual o autor define como “uma concepção organizacional quanto a gestão de pessoas, caracterizada por privilegiar a adequação entre atribuições e qualificações do sujeito”:[2]
“A obrigatoriedade da adoção da gestão por competências acarreta a redução da autonomia reconhecida à autoridade superior, especialmente no tocante à designação dos subordinados para desempenho de atividades em licitação e contratação.
Ou seja, cabe à autoridade superior a competência (em sentido jurídico) para escolher e determinar os agentes públicos encarregados de competências (em sentido jurídico) para conduzir licitações e contratações.
Mas as decisões adotadas somente serão válidas na medida em que observem padrões mínimos de gestão de competência (em sentido técnico).
O dispositivo reconhece, de modo implícito, que o resultado proveitoso em licitações e contratações administrativas depende das soluções de gestão consagradas pela autoridade máxima.
Os defeitos e as falhas verificados em situações concretas podem ser prevenidos e evitados mediante a adoção das melhores práticas por parte da autoridade máxima.
As exigências consagradas no art. 7° devem ser obrigatoriamente observadas pela autoridade máxima. Falhas, defeitos e infrações às determinações desse dispositivo, ainda, que decorrentes da atuação individual e concreta de um agente público subordinado, podem acarretar responsabilidade pessoal da autoridade máxima.
A ausência da implantação da gestão por competências no âmbito do órgão ou da entidade, a inobservância da separação de funções e a designação de agentes sem a observância das imposições do art. 7° configuram infração a dever legal expresso. A configuração dessa infração independe da consumação de dano ao patrimônio da Administração, eis que se trata de ilícito formal. A consumação de algum dano patrimonial impõe o agravamento do sancionamento, mas não se constitui em requisito para tanto.”[3]
[1] A respeito Marçal Justen Filho aduz: “A expressão “preferencialmente” não significa a liberação da autoridade máxima (ou quem lhe fizer as vezes) para indicar agentes públicos que não preencham os requisitos do inc. I. A Lei impõe uma preferência, a ser observada de modo objetivo e rigoroso. Ou seja, somente caberá indicar sujeito que não atenda aos requisitos do inc. I quando se verificar a inviabilidade ou a frustração da solução consagrada no dispositivo”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 201)
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 196.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 195.