Como assegurar a força preponderante e a integridade do julgamento realizado pelos membros da subcomissão técnica nas hipóteses em que as notas atribuídas às propostas técnicas em vias não-identificadas sejam objeto de questionamento em fase recursal?
É cotidiano em nosso trabalho lidar com a matéria de licitações de agências de comunicação processadas pela Administração Pública e Entidades Estatais e do Sistema “S”, cuja abrangência das melhores práticas procedimentais foi recentemente ampliada para além dos serviços de publicidade previstos na Lei n° 12.232/2010[1]. A nova legislação, Lei n° 14.356/2023[2], adicionou os artigos 20-A e 20-B à referida lei específica, incluindo os serviços de comunicação institucional, englobando assessoria de imprensa e relações públicas, bem como os serviços de comunicação digital, a nosso ver timidamente conceituados.
Ainda, em alusão às reiterações feitas nos apontamentos dos Tribunais de Contas, a nova IN SECOM/PR n° 1/2023[3] insere também os serviços de marketing promocional dentro do rol daqueles conceituados, em síntese nossa, serviços de comunicação — em sentido amplo, de comunicação social, conforme busca qualificar a Portaria MCOM nº 3.948/2021[4].
Os serviços mencionados compartilham uma característica comum: a especificidade do rito licitatório, especialmente no que tange à apresentação das propostas técnicas das agências licitantes em vias não-identificadas, um rito que, até então, é observado apenas nos certames de comunicação.
O rito em questão endossa a impessoalidade e a imparcialidade no julgamento técnico realizado pela subcomissão, conferindo maior rigor e objetividade à avaliação das propostas. Ao centrar a análise no mérito técnico de forma estrita, reduz-se significativamente o risco de ocorrência de vícios procedimentais que possam levar a julgamentos indevidos e/ou odiosos em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, comprometendo a integridade do certame. Essa premissa encontra amparo na legislação geral de licitações, Lei nº 14.133/2021[5], em seu artigo 11, inciso I, que, em conjunto com o inciso II, consagra, como objetivo imperativo do processo licitatório, “assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição”.
Em sede de rito específico, a subcomissão, no pleno exercício de suas funções, atém-se a julgar a criatividade, a perspicácia, a ostensividade técnica e a exequibilidade do plano apresentado, afastando qualquer possibilidade de juízo de valor sobre o autor, ou melhor, sobre a agência licitante responsável pela formulação da proposta.
Os ensinamentos do professor Marçal Justen Filho, expressos em sua obra[6] com comentários precisos acerca da Lei nº 12.232/2010, especialmente no que tange ao disposto no artigo 6º, inciso IV, convalidam a linha de raciocínio aqui sustentada. Veja-se:
“O inc. IV impõe a padronização formal do plano. Isso envolve a determinação no edital das características da apresentação do plano no tocante à forma. Tal se destina, como é evidente, a assegurar que todos os licitantes apresentem planos formalmente idênticos. Desse modo, será inviável que a autoridade julgadora identifique a autoria do plano ou que valore diferentemente os atributos da proposta em vista das características formais do plano. Se assim não o fosse, cada licitante apresentaria o seu plano segundo um modelo formal diverso, o que permitiria a identificação das propostas ou, quando menos, conduzir à valoração mais relevante para um plano com apresentação formal mais atraente, mas destituídos de outras virtudes.” (grifos nossos)
A referida lei específica — e não por acaso, como adentraremos mais adiante — ostenta disposições que convergem para o ponto central e essencial de nossa análise: a garantia do anonimato das propostas técnicas, as quais são submetidas ao crivo de uma subcomissão tecnicamente especializada.
Ao aprofundar-se na análise do artigo 6º, em particular nos seus incisos IX (que estipula o formato padronizado para a apresentação do plano pelas agências licitantes), XII e XIII (que vedam qualquer possibilidade de identificação da proponente na via não-identificada), e XIV (que determina a desclassificação automática da licitante que incluir qualquer conteúdo que permita sua identificação), é possível inferir uma discussão que vai além dos critérios formais destacados pelo professor Marçal no trecho citado, e que posteriormente é pormenorizado.
A discussão se aprofunda ao buscar entender a razão da ênfase no julgamento “às cegas” das propostas técnicas, uma diretriz reiteradamente destacada na Lei nº 12.232/2010. Nesse contexto, alinhamos nossa posição aos argumentos apresentados pelo advogado especialista no setor econômico da comunicação, Edvaldo Barreto Júnior, em seu artigo[7], que sustenta e consolida muitos dos pontos que aqui reafirmamos, reforçando a força cogente do princípio do julgamento apócrifo e definitividade do julgamento da subcomissão técnica.
A ideia central aqui é a especificidade do julgamento realizado pela subcomissão, com ênfase particular no anonimato das propostas técnicas submetidas em vias não-identificadas, conforme delineado na Lei nº 12.232/2010, em seu artigo 10, §1º, combinado com os incisos I a IV do artigo 7º, quando do tratamento conferido ao julgamento de quesitos como raciocínio básico, estratégia de comunicação, ideia criativa e estratégia de mídia e não mídia (quando em certames de publicidade, não se aplicando esse último quesito aos demais objetos), que foram melhor detalhados, em visão operacional, nos Anexos III e IV da nova IN SECOM/PR n° 1/2023.
É, portanto, uma necessidade precípua da subcomissão assegurar um julgamento mais equânime, conduzido através da avaliação anônima das propostas técnicas, com enfoque na imparcialidade do processo, evitando a identificação das agências licitantes responsáveis pelas propostas e garantindo segurança tanto ao certame quanto aos membros da própria subcomissão.
No entanto, durante as diligências efetuadas em nossas análises de processos licitatórios dessa natureza, processados Brasil afora, uma “novidade” chamou nossa atenção. Cumpre destacar que tais diligências só são possíveis devido à ampla publicização viabilizada pela nova Lei nº 14.133/2021, com a implementação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
Em um artigo publicado no Observatório da Nova Lei de Licitações – ONLL durante a discussão “polêmica” sobre a viabilidade de aplicação (ou não) da Lei nº 14.133/2021, em um momento em que o PNCP ainda não estava plenamente implementado, a professora Monique Rocha Furtado e o professor James Batista Vieira[8] abordam um aspecto significativo relativo ao Portal. Veja-se:
“Ao concentrar e disponibilizar as informações, o PNCP contribui para reduzir a assimetria de informações de duas relações de agência essenciais para o bom funcionamento de um sistema de compras públicas: 1) entre cidadãos e Administração Pública; e 2) entre Administração Pública e fornecedores. ” (grifos nossos)
Através do PNCP, tornou-se possível acessar e examinar, de forma célere e transparente, a íntegra de dois casos específicos de processos de contratação dos serviços de comunicação, notadamente aqueles prestados por agências de propaganda, à luz da íntegra da Lei nº 12.232/2010: um ocorrido em uma Câmara Municipal e outro em um Conselho Profissional. No primeiro caso, observou-se que, no tocante ao julgamento efetuado pela subcomissão técnica, houve a reanálise e posterior modificação das notas técnicas atribuídas às propostas, em decorrência da interposição de recursos por agências participantes no respectivo certame; no segundo caso, entretanto, a análise do mérito do recurso interposto (e das contrarrazões) sustentou a manutenção original das notas atribuídas nas propostas técnicas, apoiando-se na definitividade do julgamento da subcomissão.
As “revisões” das notas técnicas, no primeiro caso mencionado, resultaram na alteração dos resultados da licitação, em que a agência originalmente classificada em primeiro lugar na avaliação técnica sofreu um prejuízo que levou à sua reclassificação, alterando, consequentemente, o resultado final do certame, bem como a posterior adjudicação do objeto licitado, a homologação e a formalização contratual.
Tal caso nos causa apreensão. Buscamos pacificar essas questões a seguir.
É sacro, inviolável e de mando superior a questão da tecnicidade a ser julgada em sede de licitações de agências de comunicação. Aparentemente, não há lastro duvidoso quanto a este ponto, visto as constantes ratificações sobre o tema presentes nas legislações e jurisprudências aplicáveis à matéria. Não à toa.
A lei específica em foco (Lei nº 12.232/2010) é, por si só, um instrumento jurídico inserido de forma sensível no ordenamento.
Conforme defende o advogado e pesquisador Lucas Aluísio Scatimburgo Pedroso, em sua obra[9], a legislação surge como uma resposta normativa aos escândalos do Mensalão, sendo fruto, em significativa medida, das repercussões das denúncias que consolidaram diversas auditorias das contratações federais e identificaram questões que necessitavam de endereçamento. Este esforço culminou no Acórdão nº 2.062/2006[10], do Plenário, grande contributo para compreensão da matéria aqui analisada e da própria concepção da lei específica.
É necessário rememorar tal histórico normativo precisamente porque ele ajuda a entender as origens da Lei nº 12.232/2010 que, uma vez promulgada, representou não só um esforço para compreender o setor, mas também para criar balizas que mitigassem os ilícitos frequentemente observados nas manchetes midiáticas que estampam marketeiros e suas agências envolvidos em irregularidades em licitações e contratos de comunicação. Cumpre aqui o alerta e a memória.
Em artigo[11] anterior, que publicamos neste espaço de doutrina especializada, destacamos:
“É válido lembrar que a nova Lei desdobrou-se na oferta de subsídios para o controle e a gestão de riscos das licitações de obras públicas, introduzindo a matriz de riscos e as contratações integrada e semi-integrada. A título exemplificativo, tal feito não foi uma mera coincidência, mas uma resposta ao histórico conhecido de corrupção que envolve essas contratações. Analogamente, era de se esperar um tratamento similar para as licitações de serviços de publicidade, comunicação e marketing promocional, afinal, ambas as áreas — a de obras e de comunicação — confrontam desafios históricos semelhantes relacionados à corrupção. Não é por acaso que agências e construtoras frequentemente se veem envolvidas nos mesmos escândalos, com publicitários/marketeiros e empreiteiros lado a lado nas manchetes Brasil afora. Basta uma rápida e simples pesquisa para constatar essa interseção” (grifos nossos)
Fato é que não é possível — e, mesmo que fosse, não seria recomendável — realizar qualquer análise de uma legislação como a Lei nº 12.232/2010 sem adotar uma visão mais sistematizada. Isso porque a lei abarca, a nosso ver e síntese, quatro questões sensíveis (e basilares): (i) o rito específico em um setor autorregulado, que deu origem a um texto normativo igualmente específico; (ii) a justificativa que sustenta tantas especificidades, fruto de “lobby” do setor; (iii) a questão dos ilícitos identificados e a mitigação desses riscos por meio de um rito específico, que, como exemplo, inclui a seleção técnica de propostas “às cegas”; e (iv) a própria imperiosidade de manter esse rito, sustentado, entre outros fatores, pela força preponderante dos atos da subcomissão técnica.
Mais pragmaticamente, pode-se afirmar que impera nas licitações dos serviços de comunicação, em sentido lato, o princípio do julgamento apócrifo.
Conceituado, o princípio refere-se à situação em que a decisão é tomada sem a devida identificação de quem foi julgado, ou seja, quando não é possível atribuir claramente a decisão a um destinatário específico.
Nas licitações em discussão, que envolvem serviços de comunicação, seja para a contratação de uma agência de propaganda, comunicação institucional, comunicação digital ou marketing promocional, alinhamos nosso raciocínio ao do já mencionado Edvaldo Barreto Júnior quanto à imperiosidade do princípio do julgamento apócrifo, preceituado, em outras palavras, pelo artigo 12 da Lei nº 12.232/2010, quando da previsão das sanções tanto para o certame, com possibilidade de anulação, quanto para os agentes envolvidos, com apuração de eventual responsabilidade administrativa, civil e criminal.
Trata-se, portanto, da hipótese em que se coloca em cheque a regra sacra de julgamento do plano de comunicação sem que os membros da subcomissão técnica conheçam sua autoria.
O princípio exige uma visão mais ampla: veda a participação dos membros da subcomissão na sessão de recebimento dos invólucros; requer que toda a sessão pública licitatória desses serviços ocorra sem qualquer forma de contato entre a subcomissão técnica e as agências licitantes; prevê consequências para eventuais identificações das propostas dos licitantes; e adota outras medidas, inclusive de responsabilização.
O mandato é claro e quase um mantra, em nossas palavras: “a ciência da subcomissão deve ser inviolável, resguardando seu julgamento para lidar com a matéria técnica, nada mais, até que se conheçam as notas apresentadas pelos membros”.
Contudo, surge um questionamento que, à primeira vista, parece controvertido: como conciliar o direito dos licitantes de interpor recursos administrativos em cada uma das fases do certame ou ao seu final?
Na dúvida analisada, há uma aparente (e constante compreensão quanto a) sobreposição do princípio do julgamento apócrifo em detrimento dos princípios da participação, da boa fé, da motivação, da legitimidade, do contraditório e da ampla defesa, que são inerentes, a título exemplificativo, à interposição de recursos em certames licitatórios, conforme também defende Edvaldo Barreto Júnior.
Analisamos além: o que fazer, em caso concreto, quando uma agência licitante apresenta recurso visando questionar a nota atribuída, especificamente em via não-identificada, à sua proposta técnica ou, até mesmo, à proposta de outra agência participante do certame?
Voltemos um passo e recorramos, para enfrentar tais questões, à mens legis[12] da legislação específica. Em linguagem simples, analisemos o espírito da Lei n° 12.232/2010 quanto às reiteradas positivações sistêmicas do julgamento pela subcomissão técnica. É evidente, por exemplo, que, uma vez revelada a autoria das propostas técnicas, não é mais possível proceder a um rejulgamento.
Por óbvio. Ao se conhecer a identidade da agência autora, compromete-se a equanimidade do próprio julgamento da técnica empregada na proposta.
Façamos exercícios metafóricos para fins didáticos.
Suponhamos que você receba três desenhos para analisar e escolher “o mais bonito”. Um dos desenhos foi feito pelo seu filho, um iniciante na arte de desenhar, mas muito esforçado, de bom gosto criativo e traço preciso; os outros dois desenhos foram feitos por desenhistas profissionais. Se você souber a autoria de cada desenho, como conduziria seu julgamento? Seria razoável desclassificar o desenho do seu filho, sabendo que isso poderia lhe imputar desânimo por falta de “apoio parental” em relação a sua aptidão nata?
A título exemplificativo, eis o ponto crucial da reflexão presente no espírito da Lei: busca-se garantir a imparcialidade no julgamento das propostas técnicas, com a subcomissão atendo-se exclusivamente à tecnicidade empregada pelos proponentes.
Uma vez conhecidas as autorias das propostas técnicas, finda-se as atividades da subcomissão, pelo menos no tocante ao julgamento dos quesitos de raciocínio básico, estratégia de comunicação, ideia criativa e estratégia de mídia e não mídia, conforme já balizado.
Ainda que exista agência licitante que não esteja plenamente conformada com as pontuações atribuídas às propostas técnicas, especificamente nos quesitos narrados, e esta, por direito, interponha recurso administrativo para revisão dessas pontuações, que, por rito, será encaminhado para a subcomissão técnica para apreciação, deve-se, a nosso ver, invocar a força preponderante do princípio do julgamento apócrifo, sob pena de risco ao próprio resultado do certame quanto às vias não-identificadas.
O raciocínio é claro: é antilógico questionar uma nota atribuída “às cegas” após a revelação da autoria, em hipótese de rejulgamento “às claras”. O arcabouço normativo sustenta essa lógica. Mas, vamos um pouco mais adiante.
O julgamento “às cegas”, onde a autoria das propostas técnicas não é conhecida, é uma regra que vai além do julgamento inicial, concordante com o que advoga Edvaldo Barreto Júnior no artigo já citado, em suas palavras: “mesmo após a provocação por meio de recurso administrativo, a pontuação inicialmente atribuída às agências licitantes não poderá ser revista”.
Há, ainda, outra consequência advogada: os efeitos de irrefutabilidade do julgamento feito pelos membros de subcomissão, auxiliar da comissão processante, tecnicamente especializados.
Uma vez que o julgamento é proferido em relação às propostas técnicas das agências licitantes, essa avaliação, feita sem a identificação dos autores, torna-se definitiva e imutável, exceto em situações excepcionalíssimas envolvendo irregularidades objetivamente aferíveis.
A lógica é muito simples: o mando de assegurar isonomia e equanimidade vincula que o julgamento pela subcomissão técnica ocorra de maneira que os membros não conheçam a autoria das propostas. Assim, é inviável, desarrazoado e soa um tanto estranho, que, posteriormente, inclusive na fase de recursos, as notas atribuídas sejam alteradas, tanto em sentido de acréscimo quanto de supressão.
O rejulgamento de notas das propostas técnicas a partir dos recursos administrativos implicaria na análise dessas propostas sem o anonimato exigido pelo legislador, podendo acarretar favorecimentos indevidos e/ou odiosos, ao arrepio do próprio rito sacro desses certames, consoante ao que defendemos.
É neste ponto que estreitamos ainda mais nosso raciocínio, enquanto visão técnica atuante na área de comunicação, com o entendimento jurídico sustentado por Edvaldo Barreto Júnior. Este, de fato, não era o espírito da Lei em sua concepção. Ao estabelecer regras específicas para o julgamento do plano de comunicação por uma subcomissão tecnicamente especializada, o legislador visava, sobretudo, manter a imparcialidade do julgamento e afugentar vieses.
Assim, quando aplicamos o princípio do julgamento apócrifo à fase recursal, não é razoável, viável ou justo a realização de uma nova rodada de apreciação ou revisão das propostas técnicas pela subcomissão técnica.
Portanto, uma vez proferido o julgamento pela subcomissão técnica em relação aos planos apresentados pelas licitantes em suas vias não-identificadas, mesmo que provocado por recurso administrativo, esse posicionamento não deveria ser revisto, a medida que impossibilita a garantia do anonimato das propostas em um novo julgamento.
Mas, como em tudo, há exceções. É também o que argumenta Edvaldo Barreto Júnior.
Nas hipóteses em que os vícios apontados sejam de ordem objetiva, a revisão do julgamento inicial pode ocorrer, pois não estaria pautada em circunstâncias subjetivas da própria materialidade técnica e criativa examinada.
Por exemplo, quando a implementação da ação de comunicação contrariar claramente o próprio orçamento disponível, estaríamos diante de uma inabilidade (diria, incompatibilidade e inexequibilidade) básica do plano proposto pela agência. Suponha que seja de conhecimento geral que o cachê de um grande artista nacional para uma determinada ação de comunicação custe em torno de R$ 1 milhão, e o orçamento total da campanha seja de R$ 500 mil. Este é um caso clássico em que a nota atribuída pode ser questionada, dado o erro evidentemente objetivo por parte do membro e da subcomissão que não verificaram a sustentabilidade orçamentária do plano antes da publicação daquela nota.
Na análise casuística apresentada, questionam-se subquesitos de julgamento como: a pertinência (entendida como a qualidade do que é pertinente, apropriado e relevante) entre causa e efeito; a exequibilidade (característica do que é possível, realizável ou executável) da estratégia apresentada; o alinhamento (sinônimo de “ir ao encontro de”) das ações com a estratégia do plano; e a adequação (compreendida como a conformidade e a relação de compatibilidade entre os elementos) no que se refere aos próprios recursos empregados.
Outro exemplo é a proposição de produção e distribuição de peças que não estejam incluídas no cardápio de serviços vinculado à tabela referencial do edital e, portanto, na eventual e futura planilha orçamentária a ser observada na execução contratual, embora saibamos que há uma dicotomia e frequente confusão conceitual entre o plano julgado no certame, que deve ser apresentado como resposta fidedigna ao briefing[13], e sua correlação com a futura execução da agência vencedora no âmbito contratual, tema que demanda melhor aprofundamento em outra ocasião de discussão temática.
Há ainda uma hipótese exemplificativa complementar ao exemplo anterior: quando uma agência, ao apresentar seu plano, propõe situações em que delega à Administração providências extemporâneas ao provisionamento de recursos dentro do próprio plano, em sentido estrito. Ou seja, quando a agência inclui diversas ações e até mesmo contratações que exigem que a Administração recorra a recursos orçamentários, materiais e humanos que estão além do alcance do plano fatidicamente julgado. Um exemplo disso seria a previsão de uma lista de itens para eventos que deveriam ser contratados pela Administração “por fora”, exigindo a utilização de recursos externos ao plano orçamentário inicialmente previsto. É o famigerado “budget que demandará tanto forecast, que inviabilizará o plano inicial”. Em síntese simplificada, trata-se de uma situação em que o plano se revela notoriamente inexequível.
Hipoteticamente, são essas as raríssimas situações em que o questionamento e a revisão se tornam viáveis, em razão da natureza objetivamente estimáveis das irregularidades que possam ter sido desconsideradas ou negligenciadas pela subcomissão técnica. No entanto, tais situações precisariam ser bem fundamentadas, a ponto de “saltarem aos olhos”, sob pena de deslegitimar o conhecimento técnico da materialidade envolvida e lançar dúvidas sobre a própria lucidez e competência da subcomissão ao julgar as propostas, o que, em verdade, seria inadmissível, considerando o rigor do rito e dos critérios estabelecidos na Lei nº 12.232/2010, em seu artigo 10, § 1º, e ratificados pela IN SECOM/PR n° 1/2023, em seu artigo 41, especialmente no que se refere à vinculação da qualificação técnica prevista no inciso I.
Que os agentes condutores desses certames, especialmente os que atuarão como membros de subcomissão técnica, estejam inclinados a essa reflexão, fortalecendo a preponderância do trabalho delegado pela norma específica ao julgamento “às cegas” das propostas técnicas, igualmente específicas no que se refere aos quesitos relacionados às vias não-identificadas. Esse é, ao menos, o nosso apelo e defesa técnica, alinhados, conforme delineamos, ao entendimento jurídico sustentado por Edvaldo Barreto Júnior.
[1] BRASIL. Lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010. Dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências.
[2] BRASIL. Lei nº 14.356, de 31 de maio de 2022. Altera a Lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010, para dispor sobre as contratações de serviços de comunicação institucional, e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para dispor sobre gastos com publicidade dos órgãos públicos no primeiro semestre do ano de eleição.
[3] BRASIL. Instrução Normativa SECOM/PR nº 1, de 19 de Junho de 2023. Dispõe sobre as licitações e os contratos de serviços de publicidade, promoção, comunicação institucional e comunicação digital, prestados a órgão ou entidade do Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo federal – SICOM.
[4] Assim é que o art. 2º, parágrafo único da Portaria MCOM nº 3.948/2021, aqui citada a título elucidativo, conceitua: “Parágrafo único. A COMUNICAÇÃO SOCIAL (…) será realizada por meio da integração e da sinergia das áreas de comunicação, que constituem ferramentas capazes de promover e de valorizar o interesse público e de disseminar, esclarecer e de fomentar conteúdos e temas relacionados à atuação do Governo Federal e de interesse da sociedade”. (grifou-se)
[5] BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Contratos de Publicidade da Administração: Lei nº 12.232/2010. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 267-268.
[7] BARRETO JÚNIOR, Edvaldo. O princípio do julgamento apócrifo e a definitividade do julgamento da subcomissão técnica nas licitações públicas do serviço de publicidade. Migalhas, 2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/368896/o-principio-do-julgamento-apocrifo-e-a-definitividade-do-julgamento/>. Acesso em: 8 ago. 2024.
[8] FURTADO, Monique Rocha; VIEIRA, James Batista. Portal Nacional de Contratações Públicas: uma nova lógica jurídica, gerencial e econômica para a Lei de Licitações e Contratos. ONLL, 2022. Disponível em: <https://www.novaleilicitacao.com.br/2021/05/13/portal-nacional-de-contratacoes-publicas-uma-nova-logica-juridica-gerencial-e-economica-para-a-lei-de-licitacoes-e-contratos/>. Acesso em: 9 ago. 2024.
[9] PEDROSO, Lucas Aluísio Scatimburgo. Contratos Administrativos de Serviços de Publicidade: A Remuneração das Agências. Belo Horizonte: Fórum, 2022.
[10] BRASIL. Tribunal de Contas da União. ACÓRDÃO 2062/2006. RELATÓRIO DE AUDITORIA. LICITAÇÃO. PUBLICIDADE E PROPAGANDA EM ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. COMPETÊNCIA DO TCU PARA NEGAR EFICÁCIA DE ATO NORMATIVO. 1. Ao estabelecer como referência para a remuneração das agências de publicidade as Normas-Padrão da Atividade Publicitária, os comandos do Decreto 4.563/02 tornam-se ilegais quando extrapola os dispositivos da Lei 4.680/65. 2. Constatada a ilegalidade do Decreto, determina-se aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal que se abstenham de aplicá-lo, sob pena de responsabilização pessoal dos agentes que lhes derem causa. 3. Constatada a ilegalidade de Instrução Normativa, cabe ao Tribunal, no exercício da função jurisdicional, negar eficácia ao disposto no normativo, bem como determinar a sua adequação. Relator: Min. Ubiratan Aguiar. 8 de novembro de 2006. Disponível em: <https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/acordao-completo/ACORDAO-COMPLETO-27676>. Acesso em: 10 ago. 2024.
[11] CÂNDIDO, Max Müller; FURTADO, Monique Rocha. O SISTEMA S E A NOVA LEI DE LICITAÇÕES: REPERCUSSÕES EM MATÉRIA DE LICITAÇÕES DE PUBLICIDADE, COMUNICAÇÃO E MARKETING PROMOCIONAL. Blog JML, 2024. Disponível em: <https://blog.jmlgrupo.com.br/o-sistema-s-e-a-nova-lei-de-licitacoes-repercussoes-em-materia-de-licitacoes-de-publicidade-comunicacao-e-marketing-promocional/>. Acesso em: 10 ago. 2024.
[12] Conforme explica Moacir Leopoldo Haeser: “Na aplicação da lei deve o intérprete buscar a mens legis, o significado do texto jurídico ou o espírito da lei. Pode coincidir, ou não, com a intenção do legislador. Sabe-se como as leis são aprovadas… quem está a favor fique como está”. HAESER, Moacir Leopoldo. Mens Legis. O Espírito do Legislador. Lex, 2022. Disponível em: <https://www.lex.com.br/mens-legis-o-espirito-do-legislador/>. Acesso em: 10 ago. 2024.
[13] Documento elaborado na fase de planejamento, que integra o edital de licitação, resumindo e centralizando as informações necessárias para que as agências licitantes possam elaborar suas propostas técnicas, conforme a conjugação dos incisos II e III do artigo 6º da Lei nº 12.232/2010, sendo melhor detalhado, a título elucidativo, nos artigos 26 e 27 da IN SECOM/PR n° 1/2023:
“Art. 26. Os licitantes apresentarão sua proposta técnica com base nos desafios e objetivos de comunicação estabelecidos pelo órgão ou entidade no Briefing e considerarão, exceto no caso dos serviços de publicidade, os itens constantes do catálogo de produtos e serviços previstos no projeto básico.
Art. 27. O Briefing é parte integrante do edital de licitação e estabelece as informações para que os licitantes elaborem suas propostas, seguindo as diretrizes do Anexo II.”(grifou-se)