A responsabilidade da liderança na implantação da Lei nº 14.133/21 considerando a gestão por competência

Por Angelina Leonez[1] e Lais Barros Gonçalves[2]

Com o cenário dos últimos dias leva-se à reflexão de que cada vez mais é necessário um comportamento mais ativo e decisivo da alta administração quanto à governança das contratações.

A necessidade de prorrogação da possibilidade de uso da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 demonstra a incapacidade de planejamento de gestores para a implantação de uma nova sistemática de contratação apresentada pela Lei nº 14.133/21, a qual já está vigente há 02 (dois) anos.

A Medida Provisória nº 1.167, de 31 de março de 2023, altera o artigo 191 da NLL vinculando a publicação do instrumento convocatório (edital ou do ato autorizativo da contratação direta) como marco final da transição, observando inclusive solicitação da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

Diante disso, muitos observam que o cenário de incerteza sempre é transferido ao preço, entretanto, esse cenário também é refletido nas pessoas envolvidas no processo.

Inclusive, considerando esse contexto, a CNM apresentou que 61% dos Municípios afirmaram que algum servidor realizou capacitação sobre a Nova Lei de Licitações e 37% não”, e 92% ainda não houve nem designação de agente de contratação.[3] O que demonstra a não percepção da necessidade da implantação da gestão por competência imposta pela Lei nº 14.133, de 01 de março de 2021.

É bom lembrar que a Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), Lei nº 14.133/2021, no §1º, inc. X do art. 18; §3º, inc. I do art. 169; e no art. 173 referência a um plano de capacitação, impondo ao gestor público o dever de capacitar os agentes que atuarão nos processos de contratações, desenvolvendo assim as habilidades necessárias para o exercício da função atribuída a eles.

Nesse sentido, é compreensível o fato de que os órgãos públicos passam por constantes mudanças estruturantes e dinâmicas internas que exigem do seu corpo funcional alto desempenho, entretanto, faz-se necessário que os conhecimentos adquiridos durante a vida funcional integrem os servidores públicos aos processos e aos sistemas de forma que seja oferecido serviço qualificado e estratégico para a sociedade, para tanto, também é preciso uma capacitação continua em complemento.

Portanto, é preciso entender que, em consonância com essas diretrizes, a NLLC, reforça o dever da alta administração de promover a governança das contratações, implementando processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, e além dessas ações, deve iniciar a implementação da gestão por competência nas organizações, conforme expostos abaixo nos artigos 7° e 11 da NLLC:

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:

§ 1º A autoridade referida no caput deste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

Art. 11.O processo licitatório tem por objetivos:

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.

         Assim, entende-se que os gestores públicos responsáveis pela implantação da Nova Lei de Licitações e Contratos devem desenvolver competências técnicas e comportamentais alinhadas com o perfil gerencial aplicado à administração pública, o modelo busca aperfeiçoamento dos processos, imputando mais eficiência, celeridade, imparcialidade e transparência. 

Observando o exposto, recorre-se ao manual 10 práticas para uma boa governança do Tribunal de Contas da União – TCU[4], o qual afirma que são atividades básicas de gestão: planejar as operações, com base nas prioridades e os objetivos estabelecidos; executar os planos, com vistas a gerar resultados de políticas e serviços; e controlar o desempenho, lidando adequadamente com os riscos.

Nessa perspectiva a literatura técnica apresenta uma infinidade de conceitos para Competências. Uma das definições mais difundidas é a do autor Scott B. Parry[5]. Segundo ele, competência é o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que afetam a maior parte do trabalho de uma pessoa, e que se relacionam com o desempenho no trabalho; a competência pode ser mensurada, quando comparada com padrões estabelecidos, e desenvolvidas por meio de treinamento.

Considerando isso, apresenta-se a definição de gestão por competências na visão de Hugo Pena Brandão e Carla Patrícia Bahry[6], que indicam ser apontada como modelo gerencial alternativo aos instrumentos tradicionalmente utilizados pelas organizações. Baseado no pressuposto de que o domínio de certos recursos é determinante do desempenho superior de pessoas e organizações, esse modelo propõe-se fundamentalmente a gerenciar o gap ou lacuna de competências. Ou seja, a reduzir ao máximo a discrepância entre as competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais e aquelas já disponíveis na organização.

Além da caracterização e contextualização da importância do modelo gerencial no processo de inovação da administração pública, o gestor deve apresentar um breve apêndice a respeito do surgimento de novas ferramentas de gestão pública que priorizam a melhoria contínua da prestação de serviços. 

Logo, para implantação da NLLC considerando inicialmente a gestão por competência, se faz necessária a elaboração de um projeto robusto que preveja todas as etapas voltadas ao tema, e realize uma gestão de riscos eficiente. Há de se levar em consideração o contexto organizacional, a dinâmica do trabalho e a estrutura das unidades administrativas. 

Um dos pontos essenciais para o sucesso do projeto é o patrocínio político da alta administração. O seu apoio se torna essencial para quebrar resistências ao longo da implantação e dar subsídios para que a liderança dos níveis inferiores da cadeia hierárquica consiga êxito quanto ao desempenho da equipe na execução das tarefas voltadas para a realização das etapas do procedimento de contratação.

 O gestor do projeto, bem como a equipe técnica responsável por sua implantação, deve ter as ferramentas e competências essenciais para minimizar os possíveis impactos ao longo do percurso. 

Outro fator importante é o processo educativo e de sensibilização, pois o engajamento da força de trabalho, em especial da liderança, é fator determinante para a mudança cultural. 

Destaca-se, nesse processo, o papel das lideranças, pois cabe a elas determinar os produtos a serem entregues, as atribuições, funções e competências necessárias para cada posto de trabalho dentro da sua equipe. A liderança ganha com esse processo uma ferramenta de gestão com foco nos resultados. Contudo, para tal, deve estar preparada para encarar a nova dinâmica proposta por esse sistema. 

Berguer, em parceria com a ENAP, em 2019[7], diz que se impõe, portanto, pensar no destaque no papel das lideranças no contexto de um sistema dessa natureza, tanto no momento da implantação da tecnologia quanto nos estágios subsequentes – a prática efetiva e a manutenção do modelo de gestão por competência. Assumindo de forma relevante a postura colaborativa e processual de transformação, que parta do essencial para o periférico, do simples para o complexo e, sobretudo, que tome os conceitos de forma contextualizada.

Carbone[8], por sua vez, afirma que o passo inicial desse processo consiste em identificar as competências organizacionais e profissionais necessárias à consecução dos objetivos da organização. Para essa identificação, geralmente é realizada, primeiro uma pesquisa documental, que inclui a análise do conteúdo da missão, da visão de futuro, dos objetivos e de outros documentos relativos à estratégia organizacional.

            Destaca-se que para o êxito na implantação da Nova Lei de Licitações e Contratos, além de desenvolver as competências necessárias à luz da gestão por competências, é essencial que haja uma postura colaborativa das lideranças, pois uma vez exercendo o papel de “guarda-chuva” da cultura organizacional, elas são capazes de envolver toda a força de trabalho promovendo engajamento e buscando soluções para os desafios que existirão ao longo do processo.

Logo, alinhado à gestão por competência ao modelo de governança atribuído pela NLLC, observa-se que o gestor deve desenvolver competências robustas para aplicar na execução dessa legislação, e isso deve ser observado quando da implantação da lei no âmbito do ente: quais os primeiros passos? quem irá fazer parte? quem será o agente de contratação? essas pessoas estão capacitadas? essas pessoas possuem as competências e habilidades necessárias? …

Referências

BAHRY, Carla Patricia; BRANDÃO, Hugo Pena. Gestão por competências: métodos e técnicas para mapeamento de competências, Escola Nacional de Administração Pública-ENAP. Revista do Setor Público. Brasília, 2014

BERGUER, Sandro Trescastro. Gestão de Pessoas: liderança e competências para o setor público. Escola Nacional de Administração Pública-ENAP. Coleção Gestão Pública. Brasília, 2019.

CARBONE, Pedro Paulo. Gestão por Competências e Gestão do Conhecimento, Fundação Getúlio Vargas, 2006.

Manual TCU 10 práticas para uma boa governança, Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/D5/F2/B0/6B/478F771072725D77E18818A8/10_passos_para_boa_governanca_v4.pdf. Acesso em 02 de abril de 2023.

PARRY, Scott. B. – The quest for competencies – Training, julho 1996


[1] Especialista em Gestão Pública e em Licitações e Contratos. Graduada em Administração pela UFRN. Servidora de órgão federal, atuando como Pregoeira, Presidente de Comissão Permanente de Licitações, e Coordenadora de Licitações, Compras e Contratos. Autora de artigos e e-books sobre Planejamento das Contratações, dentre outros temas, conteudista da Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, e instrutora de treinamentos na área de contratações públicas. Premiada no 17º Congresso Brasileiro de Pregoeiros, com o melhor artigo sobre Pregão escrito em 2021 em conjunto com Victor Amorim e Carmem Boaventura. Colunista do Portal Sollicita da coluna “Discutindo sobre Planejamento”, e do Observatório da Nova Lei de Licitações, e Membra do Instituto Nacional da Contratação Pública – INCP.

[2] Especialista em Gestão Pública. Pós-graduanda em Neurociências e Graduada em Pedagogia pelo IDESB e Geografia pela UnB. Servidora do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações – MCTI. Facilitadora em cursos de desenvolvimento de competências comportamentais e liderança no Setor Público.

[3] Evento on line promovido pelo TCU que teve a participação da CNM por meio do consultor jurídico Mártin Haeberlin que representou o presidente Paulo Ziulkoski. Disponível em https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/nova-lei-de-licitacoes-cnm-fala-sobre-os-desafios-dos-municipios-com-a-legislacao. Acesso em 03 de abril de 2023.

[4] Manual 10 práticas para uma boa governança, Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/D5/F2/B0/6B/478F771072725D77E18818A8/10_passos_para_boa_governanca_v4.pdf, Acesso em 02 de abril de 2023.

[5] PARRY, Scott. B. – The quest for competencies – Training, julho 1996.

[6] BAHRY, Carla Patricia; BRANDÃO, Hugo Pena. Gestão por competências: métodos e técnicas para mapeamento de competências, Escola Nacional de Administração Pública-ENAP. Revista do Setor Público. Brasília, 2014.

[7] BERGUER, Sandro Trescastro. Gestão de Pessoas: liderança e competências para o setor público. Escola Nacional de Administração Pública-ENAP. Coleção Gestão Pública. Brasília, 2019.

[8] CARBONE, Pedro Paulo. Gestão por Competências e Gestão do Conhecimento, Fundação Getúlio Vargas, 2006.

Publicações recentes

Sistema S e o cabimento da adoção dos regimes de execução de contratação integrada e de contratação semi-integrada

Por:

Os Regulamentos de Licitações e Contratos do SESCOOP, SENAC, SESC, SENAR, SENAT e SEST[1]  preveem: “Art. 4.º Para os fins […]

13 de maio de 2024

Sistema “S” e justificativa de preço nas contratações diretas pautadas em inexigibilidade de licitação

Por:

As contratações das entidades integrantes do Sistema “S”, independente de decorrer de licitação ou não, devem respeito aos princípios que […]

30 de abril de 2024

Jurisprudência Comentada: Nova Lei de Licitações. Julgamento das propostas. Exame de inexequibilidade.

Por:

O critério definido no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, […]

22 de abril de 2024