Os Serviços Sociais Autônomos são conceituados por Hely Lopes Meirelles como “todos aqueles instituídos por Lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais”.[1](Grifos nossos)
Como se pode observar dos conceitos doutrinários supracitados, os Serviços Sociais Autônomos são criados por lei (ou têm sua criação autorizada por expressa disposição legal[2]), possuem personalidade de direito privado e não têm fins lucrativos. Atuam ao lado do Estado, mediante o desempenho de atividades não lucrativas, não integrando a Administração direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), nem a Indireta (Autarquias, Fundações Públicas, Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas).
Infere-se, portanto, que referidas entidades não se confundem com o Estado, tampouco integram a estrutura deste, atuando em cooperação com o Poder Público para o desempenho de atividades de relevante interesse público e social.
Conforme destacado pela Controladoria Geral da União:
“essas entidades, embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, consideradas de interesse público de determinados beneficiados. Recebem, por isso, oficialização do Poder Público e autorização legal para arrecadarem e utilizarem, na sua manutenção, as contribuições parafiscais”.[3]
Não se pode olvidar que tais entidades desempenham atividades de grande relevância à sociedade, atuando em áreas como educação, cultura, aprendizagem industrial, comercial e rural, cooperativismo, no fomento às microempresas e empresas de pequeno porte, entre outras, contribuindo de forma salutar para o desenvolvimento de vários setores e para a concretização, inclusive, de direitos fundamentais sociais.
Acerca da importante atuação dos Serviços Sociais Autônomos, cumpre colacionar doutrina de Thiago Bueno de Oliveira:
“Em apertada síntese, podemos afirmar que os Serviços Sociais Autônomos (concepção antiga) já tiveram sua justificação fundada no dever assistencial genérico do Estado. Hoje, em sua faceta moderna (como entidades de colaboração governamental), mais do que uma atividade meramente educacional e assistencial, elas se justificam como atividades de fomento público, em que o Estado tenta promover e desenvolver uma plena aptidão técnica, física ou mental do homem para progredir no trabalho.
A lógica está na efetivação dos direitos econômicos e sociais, que ganham evidência e reforço pela instauração de um processo hermenêutico legitimado pelos princípios fundamentais e pelos direitos fundamentais, voltado à sua própria concretização. Com isto resguardam-se os valores juridicizados no texto constitucional, que consubstanciam o aspecto teleológico do Estado Democrático de Direito, e que se confundem com a realização da própria Constituição.
(…)
Nestes termos, os entes de colaboração governamental impactam de sobremaneira na busca do pleno emprego, na medida em que maximizam, por meio de ações concretas estabelecidas em seus objetivos institucionais, as oportunidades de emprego produtivo, seja por meio do comércio, indústria, cooperativismo, micro e pequenas empresas, transporte, agricultura e exportação, visando à justiça social e ao desenvolvimento nacional.
Com efeito, verifica-se que as ações das entidades de colaboração governamental revestem-se, indubitavelmente, de elevados objetivos de ordem pública, podendo ser qualificadas como sendo benemerentes e de assistência social, na medida em que materializam a consecução do ideário consagrado no art. 203, inciso III, da Constituição Federal, ou seja, a promoção da integração ao mercado de trabalho”.[4]
Cumpre alertar, utilizando os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que aludidas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado. Ao revés, exercem atividades privadas de interesse público (serviços que não são exclusivos do Estado) e, justamente por isso – pela relevância pública e social – são incentivadas pelo Poder Público mediante subvenção decorrente de instituição compulsória de contribuições parafiscais incidentes sobre a folha de pagamento dos setores produtivos envolvidos (indústria, comércio, etc.). Portanto, a atuação do Estado é de fomento[5]e não de prestação de serviço público[6]. Em suma, “não se trata de atividade que incumbisse ao Estado, como serviço público, e que ele transferisse para outra pessoa jurídica, por meio do instrumento da descentralização. Trata-se, isto sim, de atividade privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar e subvencionar”.[7]
As contribuições parafiscais repassadas ao Sistema “S” encontram fundamento no art. 240, da Constituição Federal:
“Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical”.
Não obstante, recentemente, veio a tona proposta do Governo Federal com intuito de se apropriar de parcela significativa das contribuições parafiscais que até então são repassadas ao Sistema S, as quais são imprescindíveis, diga-se de passagem, para manutenção e continuidade das atividades desenvolvidas pelos Serviços Sociais Autônomos.
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Já de plano, urge frisar que, do art. 240, da Constituição Federal, é possível extrair que aludidas contribuições têm destinação específica, qual seja, às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, a fim de viabilizar que tais entidades concretizem direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal, razão pela qual, a proposta de destinação diversa desses recursos, vislumbrada pelo Governo Federal, é inconstitucional, por afrontar o art. 240, antes reproduzido e caracterizar um retrocesso social.
Com efeito, não se pode perder de vista que as normas que criaram os Serviços Sociais Autônomos tiveram o condão de viabilizar a concretização de direitos fundamentais como saúde, educação, cultura, segurança do trabalho, assegurando a própria dignidade da pessoa humana. Por evidente, a apropriação desses recursos com o intuito de “cobrir o rombo” da previdência impedirá que muitos Serviços Sociais Autônomos executem as atividades finalísticas para as quais foram criados, representando um retrocesso social, o que, por evidente, induz à inconstitucionalidade da medida.
Sobre o tema, cumpre colacionar artigo de Marco Antônio Guimarães:
“Deste modo, reduzir as contribuições sociais destinadas aos serviços sociais autônomos, e, portanto, prejudicar a sua sustentabilidade e efetividade, com o intuito de que o montante reduzido seja destinado a fazer frente ao rombo produzido na previdência social, estaria a retroceder na implementação dos direitos fundamentais, e, portanto, seria o mesmo que esvaziar o comando constitucional, como se a leu que reduz a forma de contribuição afrontasse contra este comando diretamente”. [8]
Em face do exposto, resta claro que qualquer medida do Governo Federal que vise cortar ou mesmo reduzir o repasse das contribuições fiscais, quando tal medida pode inviabilizar a continuidade das ações destas entidades para a concretização de direitos fundamentais, caracteriza um retrocesso social, é inadmissível na atual concepção de Estado Democrático de Direito e, portanto, flagrantemente inconstitucional.