JURISPRUDÊNCIA COMENTADA: A CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL DO SETOR ARTÍSTICO E O CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO EXCLUSIVA: UMA TEMPERAGEM AO ENTENDIMENTO DO TCU.

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

A contratação de profissional do setor artístico e o contrato de representação exclusiva: uma temperagem ao entendimento do TCU.

Responsabilidade. Licitação. Inexigibilidade de licitação. Exclusividade. Atestado. Artista consagrado.

Na contratação de profissional do setor artístico por inexigibilidade de licitação, a apresentação de atestado de exclusividade restrito ao dia e à localidade do evento, em vez do contrato de exclusividade entre o artista e o empresário contratado, caracteriza grave infração à norma legal, ensejando, ainda que não configurado dano ao erário, aplicação de multa e julgamento pela irregularidade das contas, haja vista que o contrato de exclusividade é imprescindível para caracterizar a inviabilidade de competição de que trata o art. 25, inciso III, da Lei 8.666/1993. (Acórdão 1341/2022 Segunda Câmara. Rel. Min. Augusto Nardes)

Desde que iniciei a série Jurisprudência Comentada, meu objetivo era o de aclarar as decisões dos órgãos de controle externo e de justiça, de maneira a explicitar a extensão e o conteúdo dos entendimentos firmados, mormente para os profissionais que, a despeito de lidarem em seu dia a dia com licitações e contratos com o Poder Público, não são afetos à seara jurídica. No entanto, dessa vez, uso estas linhas com objetivo um pouco afastado desse mister. A decisão objeto destes comentários merece, com todo meu respeito, uma certa dose de crítica. A Corte Federal de Contas precisa refletir sobre duas questões da mais alta relevância quando se trata de contratação de profissional do setor artístico, quais sejam: a) reconhecer que a hipótese é de inviabilidade de competição por impossibilidade de comparação objetiva de propostas; e, b) reconhecer a legalidade da contratação nos casos de exclusividade relativa.

Tratou a hipótese de Tomada de Contas Especial instaurada com o fito de verificar irregularidades cometidas pelo então Prefeito do município de São João do Cariri/PB, tendo em vista a prestação de contas do Convênio 811/2009, celebrado em 7/8/2010 com a edilidade, cujo objetivo seria incentivar o turismo, por meio do apoio à realização do evento intitulado ‘I São João Fest’, previsto para o período de 07 a 09/08/2009.

Dentre as irregularidades apontadas, estava o fato de o Município não ter apresentado os contratos de exclusividade, devidamente registrado em cartório entre a empresa representante e os artistas dos grupos das atrações musicais contratados para o evento.

Concordando com a manifestação do Ministério Público junto ao TCU, o Relator entendeu considerar ter havido grave afronta às leis licitatórias o fato de a empresa que representava os artistas contratados não ser detentora de exclusividade permanente dos profissionais, muito embora constasse dos autos a comprovação de que a empresa contratada detinha a exclusividade para os dias correspondentes à apresentação dos referidos artistas e restrita à localidade do evento. A Corte Federal de Contas entendeu que tal comprovação seria insuficiente para dar causa à contratação por inexigibilidade de licitação na contratação dessa empresa intermediária das atrações artísticas.

Da ementa acima, duas passagens serão alvos principais dos comentários abaixo, quais sejam: “… a apresentação de atestado de exclusividade restrito ao dia e à localidade do evento, em vez do contrato de exclusividade entre o artista e o empresário contratado…”; e, “… o contrato de exclusividade é imprescindível para caracterizar a inviabilidade de competição de que trata o art. 25, inciso III, da Lei 8.666/1993.”

Passemos, pois, aos pontos.

COMENTÁRIOS

Como é sabido, a licitação é regra geral na Administração Pública. Mas a própria Constituição Federal aponta que a lei poderá excetuar o dever geral de licitar nos casos que mencionar. Três são os institutos, divididos em duas categorias, que possibilitam o afastamento do dever geral de licitar, a saber: na categoria não originária, temos a prorrogação do contrato. Classifica-se como “não originária” em razão de que a prorrogação contratual, nos casos permitidos pela lei, afasta o dever geral de licitar apenas para os períodos seguintes ao inicialmente pactuado, que, por regra, foi licitado. Na categoria originária, temos os institutos da licitação dispensável e da licitação inexigível. Constituem as hipóteses chamadas de contratação direta.[1]

Assim, são previstas na Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos, Lei Federal nº. 8.666/93, em seus artigos 24 e 25 (Lei nº 14.133/2021, arts. 74 e 75) as situações em que a Administração poderá deixar de promover o certame licitatório para a contratação de obras, serviços e para as compras, celebrando o contrato de seu interesse por via de adjudicação direta da pessoa do contratado. No primeiro dispositivo, temos os casos de dispensa e, no segundo, o que interessa diretamente a este estudo, os de inexigibilidade de licitação.

Ao contrário das situações de dispensa, em que é possível desenvolver o procedimento licitatório, há casos nos quais, mesmo que se pretendesse realizá-lo, este seria inviável. Essas situações são caracterizadas pela norma licitatória como licitação inexigível. A inexigibilidade de licitação se configura num cenário em que a competição se revela impossível de ser realizada, sendo esta sua marca nodal. Quatro situações provocarão a chamada inviabilidade de competição:

  1. quando não houver outro competidor que possa apresentar proposta para o objeto pretendido pela Administração (exclusividade de fornecimento);
  2. quando, mesmo havendo mais de um possível contratado, for impossível a fixação de parâmetros objetivos de julgamento para seleção da proposta mais vantajosa (serviços singulares e profissionais do setor artístico);
  3. quando a licitação se mostrar desnecessária para demonstrar qual a proposta mais vantajosa (contratação do autor do projeto para auxiliar a fiscalização da obra[2]); e,
  4. quando a licitação se mostrar impertinente ao atendimento da finalidade da contratação, pois a Administração necessita, não apenas de uma proposta (a mais vantajosa), mas sim, de todas as possíveis propostas vantajosas. Nestes casos, o instituto da contratação será o credenciamento, que, muito embora há muito admitido pela doutrina[3] e pela jurisprudência[4], somente recebeu tratamento normativo com a nova lei de licitações e contratos (Lei nº 14.133/2021, art. 78, I).

Nunca é demasiado relembrar como a Lei nº 8.666/1993 tratou das situações de inexigibilidade de licitação:

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Nada obstante o art. 25 tenha listado 3 hipóteses para os casos de inexigibilidade de licitação, percebe-se a olhos vistos, que se trata de rol meramente exemplificativo[5], uma vez que o caput do artigo faz uma afirmação no sentido de que se a licitação se revelar inviável, será considerada inexigível. E, ao final, para apresentar os incisos, os aponta como situações especiais. Ou seja, não se negará que, inexistindo possibilidade de cotejamento de propostas, a contratação direta será a única saída viável.

Do rol acima, pode-se identificar duas situações distintas que provocam o afastamento do dever de licitar. No inciso I, é uma situação fática na qual não há competidores aptos no mercado, em razão da exclusividade garantida ao executor. Nos incisos II e III, a hipótese é diversa. Há vários possíveis executores, porém não é possível estabelecer entre eles uma forma de comparação por meio de critérios objetivos. No caso do inciso II — serviços singulares — o objeto do contrato é um trabalho intelectual e, de fato, não há como se comparar objetivamente o intelecto de indivíduos. Em relação ao inciso III, o objeto da contratação será o talento artístico, o que obviamente é incompatível com a ideia de comparação por critérios objetivos.

Do modo como se acha redigida, a norma causa certa confusão para a hipótese de contratação de profissional do setor artístico. Isto porque, em que pese tratar-se de objeto incomparável, a norma somente admite a contratação por intermediários quando estes forem exclusivos. Logo, sugere uma situação de inviabilidade de competição híbrida, porquanto, a um só tempo, se dará em virtude da incomparabilidade entre os possíveis executores, ao mesmo tempo que, quando contratado por empresários, estes deverão apresentar prova de exclusividade.

Acrescente-se que esta redação foi mantida na Lei nº 14.133/2021, o que é uma lástima, pela perda de oportunidade de afinar o texto, como se verá logo adiante.

A exclusividade, como pressuposto de contratação direta, pode surgir em duas formas: absoluta e relativa. Na primeira, só há um possível executor autorizado a fornecer o bem, produto ou serviço. Na segunda, há outros que o fazem, mas, por questões de ordem contratual, somente um indivíduo estará autorizado a celebrar o ajuste. O caso mais comum de exclusividade relativa é o de exclusividade territorial, em que o detentor dos direitos de comercialização entrega uma região específica para cada um de seus representantes, impedindo que um faça venda na região de outro. Por exemplo, a fabricante de um produto, detentora da patente, indica para cada Estado da Federação um representante exclusivo. Se o cliente for do Rio de Janeiro, o representante de outro Estado estará impedido de realizar a venda, que será nicho exclusivo do representante Fluminense

Desde sempre o Tribunal de Contas da União e outros órgãos estaduais de controle externo vem interpretando de forma restritiva este dispositivo, considerando que a expressão empresário exclusivo refere-se à exclusividade absoluta, ou seja, a condição de existência de apenas um empresário para o artista a ser contratado. À guisa de exemplo, cite-se resposta à consulta formulada pelo então Ministro do Turismo acerca da prestação de contas em execução de convênios com recursos federais, firmou o seguinte entendimento:

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão plenária, ante as razões expostas pelo relator, em:
[…] 9.2. responder ao consulente que:
9.2.1. a apresentação apenas de autorização/atesto/carta de exclusividade que confere exclusividade ao empresário do artista somente para o (s) dia (s) correspondente (s) à apresentação deste, sendo ainda restrita à localidade do evento, não atende aos pressupostos do art. 25, inciso III, da Lei 8.666/1993, representando impropriedade na execução do convênio; (TCU, Acórdão nº 1.435/2017, Plenário. Rel. Min. Vital do Rêgo)

Ocorre que justamente em relação ao inciso I, que é específico para o caso de exclusividade de fornecimento (ou de execução, no caso de serviços), o próprio TCU admite sem dificuldade a situação de exclusividade relativa.

Aliás, o Tribunal foi ainda mais longe e julgou regular interessante hipótese de exclusividade pontual, no Acórdão nº 095/2007, Plenário, a cuja relatoria coube ao festejado Min. Benjamin Zymler. No precedente forma analisadas diversas aquisições de medicamentos pela Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba fundada em inexigibilidade de licitação com representantes comerciais locais exclusivos. No caso analisado, a SES/PB se baseou em declarações dos laboratórios fabricantes (detentores das respectivas patentes) que atribuíram exclusividade específica para a contratação pretendida. À guisa de exemplo, veja-se o teor de uma das declarações apresentadas por um dos laboratórios, lavrada em 02.04.2003, constantes dos referidos autos, mas com as devidas omissões:

Declaramos para os devidos fins que, a empresa (omissis), inscrita no CNPJ/MF sob o nº. (omissis), com sede à (sic) (omissis), estará como representante exclusiva do produto Pegasys (Peginterferon alfa 2 A -40 kD 180mcg), de nossa fabricação, na quantidade de 3.000 frascos-ampolas requisitadas pela SES/PB. Validade dessa Declaração: 90 dias.)

Nota-se que a detentora da patente do medicamento entrega a uma determinada empresa a exclusividade para o fornecimento de um específico medicamento e apenas nas quantidades suficientes para o atendimento à necessidade da Secretaria de Saúde da Paraíba. Este mesmo medicamento poderia ser comercializado pelo próprio laboratório ou outros representantes caso o cliente fosse outro, pois a declaração de exclusividade era restrita àquela Secretaria Estadual. A questão sequer era de exclusividade territorial, pois sendo o cliente um órgão de outra esfera de governo na mesma cidade, não haveria que se falar em inviabilidade de competição. Em especial, trago à colação, a manifestação do eminente representante do Ministério Público Federal junto ao TCU, no citado julgado, in verbis:

[…] houve uma autorização que gerou um credenciamento temporário, o qual significou uma espécie de “representação exclusiva”, para determinado período, local e objeto. Isso se nos afigura desinteresse dos laboratórios de efetuarem a venda direta em um caso específico. Não vemos óbice a que os laboratórios estabeleçam uma representação exclusiva pontual (com período, local e objeto, certos). Esse fato denota que o laboratório não quis participar de determinada licitação de um órgão, mas que não afastou o interesse de participação em futuros certames desse mesmo órgão.

Corroborando com a exposição do parquet, para, ao final, reconhecer a legalidade das aquisições, o Ministro Relator asseverou que:

[…] a empresa (omissis) era de fato representante exclusiva desse laboratório. Em que pese ser pouco usual – e talvez questionável a emissão de declarações específicas para a participação em determinado certame -, o ponto é que o gestor se viu em situação na qual não havia competidores aptos a viabilizar a licitação.

Não vislumbro razões jurídicas para que nas hipóteses previstas no inciso I, seja admissível a exclusividade relativa (territorial, temporária ou circunstancial) e para os casos do inciso III, somente se admita a exclusividade absoluta. O instituto é o mesmo; o tratamento hermenêutico deve ser o mesmo. E a própria lei de licitações traz o fundamento, na medida em que ao consignar que é dever da Administração Pública adotar, sempre que possível, a sistemática de contratação que é usualmente adotada no mercado privado. Trata-se do comando insculpido no art. 15, III da Lei Federal nº 8.666/1993:

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
[…] III – submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;

A norma faz bastante sentido. Seu conteúdo objetivo é direcionado a evitar a elevação do preço a ser contratado ou mesmo a inviabilização do projeto, provocado pela inovação, pela Administração, no formato de negócio em relação à estruturação para as quais a as empresas já se encontram perfeitamente adaptadas. Destaca-se que, em razão do bem jurídico tutelado pelo dispositivo em tela, a interpretação deve ser extensiva. Não faria sentido lógico que o dever de a Administração observar as práticas do mercado privado fosse restrito às compras, devendo ser aplicada também aos serviços e obras.

De fato, no mercado artístico, o que costuma ser usual é que o profissional, não raro, é contratado pelo empresário local, pois são eles que viabilizam o fechamento de contratos. Os empresários locais funcionam como verdadeiros captadores de negócio, ainda que o artista em tela tenha sua própria empresa de intermediação de contratos. Ademais disso, não se pode negar o fato de que, mesmo podendo ser trazido por variados empresários para se apresentar na localidade, o artista é quem dá a última palavra e escolhe o empresário por quem o mesmo será contrato, o que acaba com a ideia de possibilidade de realização de licitação. Imagine-se que duas ou três empresas de intermediação de shows disputassem a contratação de uma dupla sertaneja para uma apresentação no aniversário da cidade e, após sagrar-se vitoriosa, ao ser procurada pela adjudicatária, a referida dupla se negue a vir pelas mãos do vencedor dessa licitação. A licitação teria sido em vão.

Não por outro motivo, na mesma decisão acima transcrita, em que a Corte de Contas firmou o entendimento sobre a necessidade de a intermediação de contratação de profissional do setor artístico se dar por contrato de exclusividade, o Min. Weder de Oliveira, apresentou declaração de voto, temperando a interpretação do item 9.2.1. daquele aresto, anotando que não se poderia negar aos artistas escolherem os meios pelos quais pretendem celebrar contratos com quem quer que seja, inclusive, com os órgãos públicos. Os apontamentos são muito esclarecedores e vale a transcrição integral, verbis:

Esta declaração de voto tem por objetivo esclarecer e ressaltar alguns pontos da proposta de acórdão/resposta ao consulente, cuja redação final dos subitens 9.2.1 e 9.2.2 ficou assim redigido pelo relator:
[…]

No decorrer da discussão deste processo externei minha preocupação de que a redação do item 9.2.1 do acórdão poderia, mas não deveria, conduzir à intepretação de que o Tribunal teria decidido pela inadmissibilidade de contratação direta de artista/banda (profissional do setor artístico), por inexigibilidade, mediante empresário exclusivo para evento certo.

Na manifestação do relator, em resposta às minhas considerações, ficou clara, a meu ver, que não é essa a interpretação a ser dada ao item 9.2.1 do acórdão. E, de fato, não poderia ser, como passo a explicar.

Um profissional do setor artístico pode optar por conduzir sua atividade empresarial-artística de diferentes formas. Pode decidir celebrar seus respectivos contratos diretamente, seja com a administração pública, seja com o setor privado, sem intermediação de empresário. Pode optar por contratar empresário exclusivo, para eventos e abrangência territorial indeterminados, outorgando-lhe amplos ou restritos poderes e direitos de representação ou de qualquer outra natureza, estabelecendo a remuneração do contratado como melhor lhe aprouver, bem como a possibilidade de subcontratação e substabelecimento de poderes. Pode, ainda, dentre outras tantas possibilidades, optar por celebrar contratos de representação exclusiva apenas para eventos certos, contratos ad hoc[6], como sucede ser normal no mercado de shows pelo interior do País, promovidos pelo setor público e pelo setor privado.

Em outros termos, o disposto na Lei de Licitações, no art. 25, no caput (“é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:”) e no inciso III (“para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”) , estará atendido quando a contratação direta se der mediante contrato celebrado (a) com o próprio artista; (b) com seu empresário exclusivo ad hoc (para evento certo); (c) com seu empresário exclusivo para eventos e abrangência territorial indeterminados; (d) com empresário ad hoc subcontratado pelo empresário exclusivo mencionado na letra ‘c’ anterior.

Em qualquer dos casos referidos no parágrafo anterior a contratação do profissional se daria “diretamente ou através de empresário exclusivo”. Em todos os casos não há possibilidade de competição, sendo inviável (inexigível) a licitação.

Não há razão para impor ao artista que deseje ser contratado pela administração pública a opção de fazê-lo diretamente ou por meio da constituição de empresário exclusivo para eventos e abrangência territorial indeterminados, tolhendo-lhe a opção de constituir “empresário exclusivo” tão somente para o evento específico. Se o artista pode celebrar tal contrato diretamente, por que não o poderia por representante regularmente constituído para aquele evento? E se tiver empresário exclusivo para todo e qualquer evento, por que se deveria impedir que tal empresário, no pleno exercício dos poderes conferidos em contrato, subcontratasse ou substabelecesse poderes para terceiros em relação a evento específico? Não há razão jurídica para qualquer distinção.

Sendo impossível que mais de uma pessoa física ou jurídica se apresente licitamente como empresário do artista, não há possibilidade de competição, autorizando-se, então, a contratação direta. Para esse fim, por inviabilidade de competição (inexigibilidade) , o que essencialmente deve estar comprovado é que a administração pública não pode contratar o profissional que houver escolhido (e cabe ressaltar que tal escolha deve ser justificada) por outra forma que não seja celebrando o ajuste com o próprio artista ou com o único empresário por ele autorizado, mediante o devido instrumento contratual.

Esse é o ponto que deve fundamentar a interpretação do sentido do item 9.2.1.

Temos observado que os instrumentos jurídicos apresentados pelos representantes do artista (“empresários ad hoc”) , denominados de “autorização, atesto ou carta de exclusividade”, são instrumentos jurídicos precários, que não se configuram propriamente como contratos, por não estarem devidamente definidos os poderes e direitos de representação, os deveres e obrigações das partes, entre eles: a clara especificação do objeto, a remuneração do contratado, os limites negociais (O empresário exclusivo está autorizado, em nome do artista, a cobrar qualquer valor? O valor a ser cobrado da entidade contratante abrange quais custos: hospedagem, alimentação, transporte de equipamentos, montagem do show?) e o valor a ser percebido pelo artista (não se espera que o artista celebre um “contrato de exclusividade” para evento certo em que não especifique o valor que lhe deverá ser repassado em razão de sua apresentação).

É nessa perspectiva que entendo a redação do item 9.2.1 do acórdão: a escorreita contratação direta de profissional do setor artístico, por inviabilidade de competição (inexigibilidade) , “através de empresário exclusivo”, deve ter por base um real “contrato de exclusividade”, ainda que para evento certo, com estipulação de obrigações e deveres, de poderes e direitos de representação, devidamente registrado em cartório, e não apenas instrumentos jurídicos precários, como os “atesto, autorização ou carta de exclusividade”.

Como, de qualquer modo, tais instrumentos jurídicos inadequados não descaracterizam (e na quase totalidade dos casos não descaracterizaram) a inviabilidade de competição, e, portanto, a própria contratação direta, o relator, no mencionado item do acórdão, teve por bem reputar tal ocorrência como “impropriedade” (falando-se aqui evidentemente de casos em não haja dúvidas de que tenham sido assinados pelo próprio artista ou por seu empresário exclusivo regularmente constituído) .

“Impropriedade” é termo correntemente utilizado nesta Corte para qualificar situação de mínimo ou nenhum potencial ofensivo à ordem jurídica, outras vezes também qualificada como falha formal, insuscetível de, por si só, conduzir à aplicação de multa e a um julgamento de irregularidade de contas.

Assim, se detectadas na prestação de contas as situações qualificadas nesta consulta e entendidas como “impropriedades na execução do convênio”, conforme restou assente na resposta firmada no acórdão, disso resultaria tão somente ressalvas nas contas dos respectivos convênios, não cabendo a instauração de tomadas de contas especiais e nem mesmo de representação, ante o inexpressivo dano a ordem jurídica.

O problema e a grande preocupação dos relatores que presidiram diversas tomadas de contas especiais é a possibilidade de ocorrência de superfaturamento na contratação direta de artistas, revelada a posteriori pela desproporção entre o valor recebido pelo empresário e o valor que teria efetivamente sido pago ao artista.

Tal questão deve merecer a abordagem já preconizada na legislação que rege a contratação direta por entidades públicas e por entidades de direito privado conveniada: deve ser demonstrado, antes da celebração do contrato, que o valor pago é compatível com o preço de mercado ou com os valores anteriormente recebidos pelo artista em outros eventos equivalentes.

Como havia sugerido, sugestão reportada pelo eminente Ministro Vital do Rego em seu voto, cabe ao Ministério do Turismo, ao aprovar o plano de trabalho em que se informa o artista escolhido e o “cachê” a ser pago (entenda-se o valor a ser despendido com a contratação, que vai além do “cache” em sentido estrito) , cercar-se de todos os elementos que comprovem o que a legislação já existente exige quanto ao valor da contratação direta e que não estão sendo aceitas propostas com risco de superfaturamento.

Cabe ao ministério definir tetos para essas contratações. E mais ainda: cabe ao ministério somente aprovar convênios que efetivamente contribuam para os fins do programa em que se inserem, em geral o fomento ao turismo, descartando eventos com potencial risco de representar apenas a substituição de recursos privados por recursos públicos.

Cabe ao ministério adotar medidas de cautela e prudência para minimizar riscos de desvirtuamento do programa, transformando-o num grande negócio para intermediários.

O funcionamento desse mercado envolve a participação de empresários exclusivos e empresários exclusivos ad hoc. A arbitragem de ganhos internos no relacionamento desses atores entre si e entre eles e os artistas não é função deste Tribunal. Mas é nossa missão indeclinável apontar falhas de seleção, aprovação, gestão, fiscalização e controle dos convênios celebrados para fomento ao turismo mediante aporte de recursos públicos federais para contratação de shows. Falhas que podem revelar decisões antieconômicas ou que não atendam ao princípio da eficiência (contrárias ao interesse público). (GN)

E, ainda que não fossem suficientes os argumentos até aqui expostos, cumpre anotar que em absolutamente nenhum caso de contratação de profissional do setor artístico é passível de cotejamento de propostas. O objeto central do contrato sempre será o talento artístico, que é, conforme dito alhures, incompossível de comparação por critérios objetivos. Logo, não há que se falar em viabilidade de contratação.

Portanto, rendendo minhas homenagens ao Relator do Acórdão ora comentado, não está correta a afirmação de que o contrato de exclusividade é condição “imprescindível para caracterizar a inviabilidade de competição de que trata o art. 25, inciso III, da Lei 8.666/1993”. A inviabilidade de competição está caracterizada ante ao simples fato de que o objeto não comportar comparação objetiva de propostas. Quando a contratação se der em nome de empresário, a exclusividade de representação será condição de formalização do contrato com o Poder Público.

Também discorda-se dos fundamentos expostos na Declaração de Voto acima transcrita no sentido de que seria impróprio a exclusividade ser comprovada por meio de simples declaração ou atestado e que somente seria possível a apresentação de contrato (formal) de exclusividade. A uma, porque o inciso III, do art. 25 não estabelece esse requisito; a duas, porque o inciso I do mesmo artigo, admite que a exclusividade seja comprovada por meio de “atestado”, sendo certo que o Tribunal de Contas da União jamais considerou exigir contrato formal como condição de regularidade da contratação quando o fundamento é justamente o inciso I. Idêntico tratamento deve ser oferecido aos casos do inciso III, por se tratar de institutos idênticos

De todo o exposto, a conclusão a que se chega é que deve ser considerado regular a instrução processual nos casos de contratação de profissional do setor artístico, quando contratado por intermédio de terceiros, a apresentação de declarações ou atestados de exclusividade averbado em cartório ou em entidade do setor artístico em que se averbe esse tipo de documentação, em analogia à parte final do já citado inciso I, admitindo-se a comprovação de exclusividade relativa.

 


[1] Há autores que defendem a existência de um terceiro instituto que seria a licitação dispensada, prevista no art. 17, I e II da Lei nº 8.666/1993. Não comungo desse entendimento, uma vez que a essência da dispensa é justamente envolver objeto licitável e constituir-se em um ato discricionário.
[2] TCU, Ac. 085/1997, Plenário.
[3] Vide: NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 210; FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão, Belo Horizonte, Fórum, 2003, p. 41; e, PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. DOTTI, Marinês Restelatto. Os novos horizontes da contratação de serviços na administração federal (Instrução Normativa nº 5/2017). Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP. Belo Horizonte: ed. Fórum, ano 16, n. 190, p. 51, out. 2017.
[4] Vide: TCU, Ac. nº 5.178/2013, Primeira Câmara; Ac. nº 3.567/2014, Plenário; Ac. nº 784/2018, Plenário; e, Ac. nº 436/2020, Plenário.
[5] Nesse sentido: MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
[6] Expressão latina que significa “para isto” ou “para esta finalidade”.

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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