Governança não é um tema muito popular entre quem lida com compras públicas. Inovação, nem se diga. Os dois juntos em uma mesma frase pode causar uma sensação de alheamento e fazer você desistir de ir em frente nesse texto, mas não faça isso, por favor. A relevância do tema é inversamente proporcional a essa reação.
No primeiro post neste blog, eu disse que a inovação nas compras públicas não entra na agenda porque não gera capital político e, por essa razão, precisamos de um movimento bottom up. Em outro, falei em investir nas small wins, pequenas inovações originadas nas bases, como forma de mostrar às lideranças que inovar é possível e necessário. Mas, o fato é que a mudança efetiva de postura da organização e de seus agentes em relação à inovação só ocorrerá top down.
É a governança que define se a organização andará a segunda milha.* Se a inovação é um tema estranho aos agentes públicos, isso precisa ser mudado pela governança. A governança também é responsável por estabelecer um ambiente seguro para a inovação e definir as direções a serem tomadas nesse sentido. Uma governança voltada para inovação potencializa iniciativas e as torna perenes. Então, afinal de contas, estamos falando de implantar uma cultura para a inovação.
Na busca desse objetivo, é preciso considerar algo que também já suscitei aqui: enquanto o mercado privado, impulsionado pela alta competitividade, está voltado para inovações disruptivas, quase sempre ligadas à tecnologia, a Administração pública precisa avançar em construções pautadas na melhoria contínua e nas inovações incrementais. Do lado de cá, ainda vivemos a era analógica. Comecemos, então, pelo começo.
Como implantaremos uma cultura para a inovação dentro da Administração Pública? Qual o “modelo de negócio” que comporta uma entrega e captura de valor pautada na inovação? Como mudar a expectativa do agente público, indivíduo que, a rigor, é chamado a atuar apenas e tão somente em cumprimento a um dever? Como a tecnologia pode auxiliar nesse novo desenho organizacional?
Ética, responsabilidade, gestão de pessoas, inovação, está tudo relacionado. Mas, um aspecto fundamental é, sem dúvida, a meritocracia. Como desafiar o agente público – alguém que, desde que o MUNDO é MUNDO, exercita as mesmas competências e foca na autoproteção – a se transformar, trabalhar em equipe, coletivizar ideias, internalizar a experimentação e o erro enquanto partes de uma nova competência? Como ultrapassar as barreiras do egocentrismo e das pequenas disputas pelo poder, estabelecendo metas, objetivos e virtudes esperadas, que levarão à percepção de que, quanto maior o empenho e a dedicação para o coletivo, maior será o ganho pessoal?
Está muito claro que não se tratam mudanças pequenas e superficiais, mas de transformações. Mudar a cultura de uma organização requer governança equilibrada e líderes dispostos a andar a segunda milha. Alterar as regras formalmente é um passo importante, mas não suficiente, pois é preciso garantir que a mudança não ficará apenas ao nível do discurso. Esse é o desafio da governança para a inovação.
* “Andar a segunda milha” é expressão que, segundo a Bíblia, Jesus utilizou ao dar um conselho aos judeus. Diante de uma Lei do Império Romano que autorizava um cidadão romano a exigir de um cidadão dos povos dominados que carregasse para ele uma carga, por uma milha, Ele teria dito: “Se te pedirem uma milha, ande a segunda”.