Em 2016 foi publicada a Lei nº 13.303, que disciplina o estatuto jurídico das empresas públicas, da economia econômica de suas subsidiárias, não da União, dois Estados, Distrito Federal e dois Municípios, e um de seus capítulos estipula um regime de licitação para empresas estatais, diferente do regido pela Lei nº 8.666/93 e das demais legislações que versam sobre licitações.
Embora as empresas estatais tenham que normalizar suas próprias regras de licitação com base em regulamentos internos, a Lei das Estatais forneceu princípios básicos para licitação das entidades que dispõe:
Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo.
Em comparação ao regime da Lei nº 8.666/93 e seus princípios do artigo 3º[1], a Lei nº 13.303/16, neste artigo 31, não se referiu ao princípio da legalidade, mas acrescentou, o princípio da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, de modo que em grande parte, o dispositivo confirmou o regime principiológico de licitações do artigo 3º da Lei nº 8.666/93, dado que repetiu os princípios da impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, e julgamento objetivo.
Como muitos desses princípios são repetições do regime já conhecido, vamos nos ater aos princípios específicos e que foram inovações trazidas pela Lei das Estatais, reforçando, ademais, que os preceitos da Lei nº 13.303/16 são compatíveis e também identificados com os princípios gerais que regem a Administração Pública como um todo, principalmente com os previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, inclusive porque a Lei das Estatais faz expressa menção ao princípio da eficiência, que também será analisado.
1. Economicidade
A economicidade é a expressão econômica da eficiência, impondo às empresas estatais, enquanto integrantes da Administração Pública, o dever de buscar o mínimo de oneração em suas escolhas, o que exige que as ações nesse sentido sejam direcionadas à licitação, porém, todo o procedimento deve ser feito com o menor gasto de recursos públicos. A empresa estatal deve obter o melhor e mais satisfatório resultado com o menor gasto possível de dinheiro público.
No entanto, não é um princípio absoluto, pois não deve prevalecer isoladamente de outros princípios existentes, principalmente a legalidade e a isonomia, mas a orientação é que a empresa estatal não entabule compromissos com preços fora da realidade do mercado.
O artigo 31 reflete como garantir a economicidade: a seleção da proposta mais vantajosa deverá considerar o ciclo de vida do objeto, bem como impõe que não sejam realizadas operações nas quais haja sobrepreço e superfaturamento.
2. Desenvolvimento nacional sustentável
Esse princípio significa que as empresas estatais devem conciliar a busca dos contratos mais vantajosos com o desenvolvimento nacional sustentável. Por esse motivo, as licitações promovidas pelas estatais devem conter diretrizes relacionadas à justiça social, promoção da natureza econômica e questões ambientais, sendo, portanto, o procedimento licitatório, também um instrumento de fomento de políticas públicas (NIEBURH e NIEBURH, 2018: 55).
A observância deste princípio implica que qualquer decisão de contratação de empresas estatais também deve objetivar o desenvolvimento nacional sustentável, servindo as licitações e os contratos como instrumentos de desenvolvimento do país, garantindo padrões de produção e consumo, nos termos da Lei nº 12.305/2010[2].
Dessa forma, a produção e o consumo de bens e serviços devem atender às necessidades das gerações atuais, além de permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e atender às necessidades das gerações futuras.
Para o desenvolvimento sustentável nacional, é necessário indicar os parâmetros de mensuração dos critérios de sustentabilidade nas licitações e, também, a necessidade da existência de normas, para que a competitividade seja objetiva, como foi assentado pelo Tribunal de Contas da União[3]:
132. No entanto, apesar da louvável iniciativa, o Instituto peca na forma adotada para implementar tais regras no certame em comento, ao deixar de estabelecer critérios objetivos para mensuração das exigências estabelecidas no Edital a esse respeito, conforme se observa no texto dos itens 10.7.1.4 e 10.7.1.10, literis:
SUBITEM: ‘10.7.1.4 A empresa deve comprovar que adota medidas para evitar o desperdício de água tratada;’.
SUBITEM: ‘10.7.1.10 A empresa deve atender à legislação geral e específica quanto à armazenagem e descarte de refugos para reciclagem, tais como aparas de papel, chapas de alumínio usadas na impressão, solventes, borra de tinta’
133. Conforme se constata, o ICMBio não estabelece qualquer critério para avaliação do atendimento de tais exigências. Por exemplo, o que seria avaliado como ‘medidas para evitar desperdício de água tratada’? A nomenclatura é vaga e dificulta a realização de avaliação objetiva de tal quesito, uma vez que não se estipulou que tipo de medidas seriam consideradas válidas para esse fim.
Por fim, citamos que, o texto constitucional prevê o direito a um ambiente equilibrado, competindo ao Poder Público e a comunidade, defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e vindouras e, para cumprir esse direito difuso, a Constituição Federal ergueu a defesa do meio ambiente como um dos princípios norteadores da atividade econômica nacional[4], de modo que a Lei nº 13.303/16 alçou o desenvolvimento sustentável nacional à natureza de princípio, pois é possível que o impacto ambiental gerado pela máquina pública seja reduzido por meio de mudanças no setor produtivo, principalmente quando envolvem a contratação da Administração Pública, uma vez que o Estado deverá estabelecer critérios de sustentabilidade em seus editais de licitação.
Tratamos, portanto, com a função regulatória das licitações públicas, na qual os contratos são utilizados para atender a outros propósitos estabelecidos na Constituição Federal, e não apenas adquirir um bem ou serviço essencial à função social da empresa estatal.
3. Competitividade
A competitividade é uma exigência para que Administração Pública incentive e procure agregar à licitação o maior número possível de partes interessadas, para que, com isso, haja mais propostas, devendo escolher a que for mais vantajosa para o interesse público, procurando, sempre, igualdade entre os licitantes e eficiência durante todo o procedimento.
Segundo a doutrina,
É no âmbito do princípio da competitividade que operam em licitação pública os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ocorre que tais princípios oferecem parâmetros para decidir se determinada exigência ou formalidade é compatível ou não com o princípio da competitividade. Sobretudo, deve-se atentar ao bom senso, bem como à proporção entre as exigências para a habilitação e as relacionadas ao objeto da licitação e do futuro contrato (NIEBUHR e NIEBUHR, 2018: 53).
Destarte, a competitividade está relacionada à legalidade, igualdade e impessoalidade, levando em consideração que, quando não são colocadas condições excessivas no edital, dirigindo ou restringindo a natureza competitiva, aumenta-se o número de partes interessadas, o que estimula a disputa entre os licitantes (PEREIRA JUNIOR et al, 2018: 241).
4. Eficiência
A eficiência foi introduzida no sistema jurídico brasileiro como princípio geral da Administração Pública, princípio decorrente da Emenda Constitucional nº 19/98. Foi a consolidação do que o direito italiano conhece como “boa administração”.
A doutrina (MEIRELLES, 2003: 102) que define o que seria eficiência, argumentando que é um dos deveres da Administração Pública:
O que todos os agentes públicos recebam suas atribuições com presteza, perfeição e desempenho funcional. O princípio mais moderno da função administrativa, que não se contenta em ser executado da mesma maneira que legal, exigindo resultados positivos para o serviço público e atendimento satisfatório das necessidades da comunidade de seus membros.
A eficiência também compartilha uma visão dupla: do ponto de vista interno, é o caminho para organizar e estruturar a Administração Pública, a fim de alcançar os melhores resultados na prestação de serviços públicos; de uma visão externa, é o modo de ação do agente público, de quem se espera o melhor desempenho possível, para que também haja melhores resultados na prestação de serviços públicos.
Para Schmidt-Assmann (apud JUSTEN FILHO, 2018: 108),
O direito administrativo há de satisfazer uma dupla finalidade: a ordenação, disciplina e limitação do poder, ao mesmo tempo que a eficácia e a efetividade da ação administrativa. Isso obriga, entre outras consequências, não apenas a utilizar o cânone da proibição do excesso (princípio da proporcionalidade), senão também o da proibição do defeito.
Devemos destacar a ressalva de que há limites para a eficiência, e o mais importante é a própria legalidade, porque, como García de Enterría bem apontou (apud FURTADO, 2016: 104) “la famosa eficacia, si pretendiese hacerse a la costa del Derecho y como una alternativa al mismo no es más que la fuente de la arbitrariedad, como enseña la experiencia humana ya más vieja y hoy vívidamente renovada”.
Esse mesmo princípio tem uma grande interseção com as Ciências Econômicas, pois o objetivo da Economia é justamente obter resultados máximos, mas com a menor quantidade de recursos possível. Assim, para uma visão econômica de ação, é dever do Estado o uso racional e eficiente dos recursos públicos, evitando desperdícios e defeitos.
Foi nessa acepção que a eficiência foi novamente referida no ordenamento jurídico, quando passou a integrar o rol de princípios das licitações realizadas pelas empresas estatais.
Referências
FURTADO, Lucas Rocha. Princípios Gerais do direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters, 2018.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003.
NIEBUHR, Joel de Menezes; NIEBUHR Pedro de Menezes. Licitações e Contratos das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres et al. Comentários à Lei das Empresas Estatais: Lei nº 13.303/2016. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.