Qual o entendimento do TCU exarado no Acórdão 585/2023 acerca da obrigatoriedade das estatais registrarem seus contratos no Portal Nacional de Contratações Pública (PNCP)?

Por Danielle Regina Wobeto de Araujo[1]

Acórdão 585/2023 – Plenário – Rel. Min. Raimundo Carreiro.

O Acórdão 585/2023 discorre sobre a obrigatoriedade de as empresas estatais incluírem informações atualizadas referentes aos seus contratos no Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP).[2]

Resumidamente, os autos são oriundos de Auditoria Especializada em Tecnologia da Informação (AudTI) realizada no Banco do Brasil S.A. (BB), na Caixa Econômica Federal (CAIXA) e no BB Tecnologia e Serviços S.A. (BBTS), com a finalidade de reunir dados das contratações de Tecnologia da Informação (TI) e ter acesso aos respectivos sistemas de contratação e execução financeira, para subsidiar futuros procedimentos/ações de controle.

Como fruto dessa auditoria foi lavrado, pelo Plenário da Corte de Contas, o Acórdão 924/2020, que dentre inúmeras determinações fixou, no item 9.1, às três estatais o dever de, em 180 dias, disponibilizarem dados atualizados dos seus contratos no Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG. Tal determinação se pautou também no fato da pouca adesão das estatais a esse Sistema, consoante pesquisa realizada no Portal da Transparência:

9.1 determinar ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal e à BB Tecnologia e Serviços S.A. que, no prazo de 180 dias, com fulcro no art. 17 da Lei 13.898/2019 e no art. 250, inciso II, do RITCU, disponibilizem informações atualizadas referentes a seus contratos no Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – Siasg;

Inconformado com a retro decisão, o BB interpôs recurso alegando em síntese:

(a) inviabilidade técnica e operacional para disponibilização de informações relativas aos seus contratos no SIASG;

(b) atendimento e cumprimento da legislação pertinente à publicação de seus contratos, em especial à Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) e à Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI),

(c) divulgação da relação mensal de compras e contratações; extratos de contratos e aditivos; e instrumentos contratuais formalizados em seu endereço eletrônico;

(d) por conta de os dados contratuais já estarem inseridos no seu portal oficial, entende o BB estar dispensado de publicá-los também no SIASG, pois configuraria duplicidade de informações.

Examinado as razões acima, a Unidade de Auditoria Especializada em Recursos (AudRecursos) do TCU se manifestou no seguinte sentido:

(a) o BB não apresentou qualquer evidência para comprovar os fatos impeditivos mencionados, nem demonstrou que estes impediriam o cumprimento do item 9.1 do Acórdão;

(b) o cumprimento dessa mesma determinação pelo BBTS evidencia que as dificuldades alegadas pelo BB podem ser superadas;

(c) tal como necessita cumprir à Lei das Estatais (13.303/2016) e à Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), o BB deve observar também o disposto na LDO, registrando os dados solicitados, mesmo que possa ocorrer duplicidade de informações.

(d) apesar dos obstáculos pontuados, que não foram provados, mas se mostraram verossímeis, o TCU conferiu mais prazo adicional de 180 dias para cumprimento da determinação do item 9.1.

Inferimos da análise técnica, então, que a necessidade de inserir e atualizar dados contratuais no SIASG não decorre da Lei das Estatais e da Lei de Acesso à Informação e sim da LDO, que em redações sucessivas, desde 2019, vem impondo o dever do registro nesse sistema:

“A determinação ora examinada se baseou no art. 17 da Lei de Diretrizes Orçamentária de 2020 (Lei 13.898/2019), cujo caput assim dispõe:

Art. 17. Os órgãos e as entidades integrantes dos Orçamentos Fiscal, da Seguridade Social e de Investimento deverão disponibilizar informações atualizadas referentes aos seus contratos no Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – Siasg, e às diversas modalidades de transferências operacionalizadas na Plataforma + Brasil, inclusive com o georreferenciamento das obras e a identificação das categorias de programação e fontes de recursos, observadas as normas estabelecidas pelo Poder Executivo federal.

10.29. Comandos com exatamente o mesmo teor foram reeditados nas LDOs de 2021 e 2022 (Lei 14.116/2020, art. 18, caput, e Lei 14.194/2021, art. 17, caput).

Assim, mesmo que as estatais publicizem dados de seus contratos em seus sítios oficiais eletrônicos por força das Leis 13.303/16 e da 12.527/2011, tal dever também se impõe em virtude da Lei de Diretrizes Orçamentária, logo não há que se falar em duplicidade de informações, até porque questionável se tais dados coincidiriam, segundo o TCU.

E, com a desativação do SIASG não se extinguiu tal dever, ao contrário, este continua vigente e obrigatório no PNCP, a teor do que estatui o art. 17 da Lei 14.436/2022:

Art. 17. Os órgãos e as entidades integrantes dos Orçamentos Fiscal, da Seguridade Social e de Investimento deverão disponibilizar informações atualizadas referentes aos seus contratos no Portal Nacional de Contratações Públicas, de que trata a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), e às diversas modalidades de transferências operacionalizadas na Plataforma +Brasil, inclusive com o georreferenciamento das obras e a identificação das categorias de programação e fontes de recursos, observadas as normas estabelecidas pelo Poder Executivo federal.

Para o TCU, inclusive, o PNCP é visto como um avanço na transparência pública.

Nesse compasso, oportuno transcrevermos o disposto no art. 174 da NLLC:

ART. 174.  (…)

I – planos de contratação anuais;

II – catálogos eletrônicos de padronização;

III – editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação e respectivos anexos;

IV – atas de registro de preços;

V – contratos e termos aditivos;

VI – notas fiscais eletrônicas, quando for o caso.

Lembramos que, de acordo com o art. 174 da Lei nº 14.133/2021, o PNCP é o sítio eletrônico oficial destinado, dentre outros, à divulgação centralizada e obrigatória, por parte dos órgãos se entidades a ela subordinados,[3] dos atos exigidos pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. O PNCP, segundo o § 1º do art. 174, é gerido pelo Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas (CGRNCP), um colegiado deliberativo de cunho nacional, cujo funcionamento e atuação são regulamentados pelo Decreto Federal nº 10.764/2021, sendo seu Regimento Interno aprovado por meio da Resolução SEGES/ME nº 1/2022. Além disso, consoante dispõe a NLLC, o uso adequado das informações e dos arquivos relativos às contratações disponibilizadas são de estrita responsabilidade dos órgãos e entidades contratantes. Acerca do PNCP, esclarece a doutrina:

A Lei 14.133/21 instituiu o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). Como regulamenta o artigo 174 da lei, as suas finalidades são a “divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos por esta Lei” (I) e a “realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos” (II). Pelo PNCP centralizam-se as operações relacionadas às compras públicas e contratos administrativos. Ao assim proceder, estabelece uma cadeia completa de informações a ser posta à disposição dos órgãos públicos e dos interessados no tema em geral. [4]

Ainda para fins desses Comentários, oportuno pontuarmos que:

Além da função de banco de dados, projeta-se o PNCP para ferramenta de promoção a participação em licitações e auxílio no acompanhamento da execução contratual, mediante constante alimentação pelos órgãos e entidades de informações correlatas ao tema em procedimentos de sua competência. Dentre as funcionalidades previstas está ainda a disponibilização de sistema eletrônico de licitações – a exemplo de outros regularmente utilizados, como “comprasnet” e “licitacoes-e”. Salienta-se ainda permissão para que as licitações na modalidade eletrônica sigam sendo processada em plataformas distintas no PNCP. Exige-se apenas a integração de informações, a fim de que haja a correta e atualizada alimentação de informações no sítio eletrônico do PNCP.  [5]

Comprovando a sua função de transparência de dados e acesso à informação, o Portal de Compras de Governo Federal, no qual está inserido o PNCP, apresenta dados que indicação um cenário de expansão do uso do sistema, pois, recentemente, em notícia publicada no MGI e replicada no portal do Grupo da JML, informou-se que o PNCP foi recepcionado pela Prefeitura de Florianópolis, e com isso o PNCP já está abrangendo e tendo aderência de 22 capitais no país.

Dessa forma, tendo em vista a promulgação da NLCC durante o trâmite do Recurso em exame, aproveitou o Ministro Relator para atualizar a determinação recorrida (item 9.1 do Acordão 924/20) de forma a adequá-la ao novo sistema, in verbis:

“9.1 determinar ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal e à BB Tecnologia e Serviços S.A. que, no prazo de 180 dias, com fulcro no art. 17 da Lei 14.436/2022 e no art. 250, inciso II, do RITCU, disponibilizem informações atualizadas referentes a seus contratos no Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP).”

Entretanto, considerando que a adesão a esse novo sistema (PNCP) ainda está pendente para as instituições financeiras estatais, visto que os procedimentos necessários ainda aguardam definições do Ministério da Economia; e levando em conta que o SIASG foi desativado para inclusão de novos dados contratuais em dezembro de 2020, o TCU deu provimento parcial ao recurso.

Desse modo, foi conferido mais um novo prazo de 180 dias para o BB se adequar e inserir os dados relativos aos contratos vigentes até a desativação do SIASG, e “realização de um novo monitoramento em uma próxima etapa quando há expectativa de estar disponível essa função no novo sistema.” Para reforçar sua decisão, o Ministro Relator destacou que as outras instituições financeiras auditadas – CAIXA e BBTS – não só cumpriram o determinado no item 9.1 do Acórdão ora questionado, como uma delas também elaborou Manuais  com orientações para inclusão dos contratos no aludido sistema.

Em resumo, no Acórdão em análise o TCU firmou o entendimento de que empresas estatais devem cadastrar informações atualizadas relativas aos seus contratos não só em seus endereços eletrônicos oficiais, mas também no PNCP, de modo a dar efetividade ao princípio da transparência, facilitar ações/procedimentos de controle de modo cumprir também toda legislação pertinente, incluindo aí, a LDO.


[1] Doutora, com período de sanduíche na Scuola Normale Superiore di Pisa (SNS), e mestre pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Possui estágio pós-doutoral em Direito na UFPR. Possui pós-graduação em Direitos Fundamentais pela Universidade de Burgos da Espanha e em Teoria do Direito e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Professora e pesquisadora em História do Direito e Direito Público. Consultora jurídica com mais de 10 anos de experiência e atuação na área de licitações e contratos administrativos. Colaboradora da Revista RJML de Licitações e Contratos e da Consultoria Jurídica da JML.

[2] Acerca da implementação do PNCP e a eficácia da Lei 14.133/21, ver: RJML PÁG. 66 | ED. 60 | SET | 2021

[3] Aí não inclusas as estatais, que são regidas por um regime próprio. Nessa linha a previsão constante na própria Lei 14.133/2021: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange: I – os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa; II – os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública. § 1º Não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ressalvado o disposto no art. 178 desta Lei.” (grifou-se)

[4] MEERHOLZ, André. 48. Portal Nacional de Compras Públicas. In: DOTTI, Rogeria Fagundes. Licitações e contratos administrativos [livro eletrônico]. Curitiba: Centro de Estudos Dotti, 2023. Pdf. p. 313 -314.

[5] Meerholz, André. 48. Portal Nacional de Compras Públicas. In: DOTTI, Rogeria Fagundes. Licitações e contratos administrativos [livro eletrônico]. Curitiba: Centro de Estudos Dotti, 2023. Pdf. p. 313 -314.

Danielle Regina Wobeto de Araujo

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