A ALTERAÇÃO DA LEI 8.666/93, ATRAVÉS DA MP 896/2019 É APLICÁVEL AO SISTEMA S?

Foi editada a Medida Provisória 896/2019, para o fim de alterar a sistemática de publicação dos atos da administração pública, alcançando as disposições das Leis 8.666/93, 10.520/02, 11.079/04 e 12.462/11, com o específico intuito de simplificar a publicidade dos atos administrativos, em prol da economicidade, substituindo a publicação em jornal de grande circulação por veiculação em sítio eletrônico. Porém, infere-se que a norma não dispensou a publicação em Diário Oficial, mantendo, portanto, a necessidade de divulgação em, pelo menos, um veículo.

Deste modo, sabendo que a Lei de Licitações (8.666/1993) é aplicável ao Sistema S de forma subsidiária, quando o regulamento de licitações e contratos for omisso, ou contiver dispositivo contrário aos princípios e normas gerais, surge a dúvida sobre a aplicabilidade da referida alteração sobre as entidades.

Cabe destacar que as entidades do Sistema S são dotadas de personalidade de direito privado instituídas para fim específico, atuando ao lado do Estado, mediante o desempenho de atividades não lucrativas, não integrando a Administração Pública direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), tampouco a indireta (Autarquias, Fundações Públicas, Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas).[1][2]

Embora não se confundam com o Poder Público, por administrarem contribuições parafiscais e desempenharem atividade de relevante interesse público, em prol de determinada categoria profissional que representam, as entidades devem seguir um procedimento prévio às contratações, regra geral por meio de licitação, e submetem-se à rigorosa fiscalização do Tribunal de Contas da União[3].

No âmbito da Administração Pública, o dever de licitar está previsto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e regulamentado na Lei nº. 8.666/93, que fixa as normas gerais de licitações e contratos.

Apesar do dever de licitar, o Sistema S não se submete à Lei nº. 8.666/93, na medida em que o art. 1º da referida norma não contemplou os Serviços Sociais Autônomos como destinatários. Em virtude disso, e por entender o peculiar regime jurídico de direito privado, que difere do aplicável à Administração Pública, o próprio Tribunal de Contas da União reconheceu em 1997, por meio da Decisão 907[4], que cada Serviço Social Autônomo poderia criar regulamentos próprios sobre licitações e contratos, mais simplificados do que a Lei nº. 8.666/93, desde que respeitados certos princípios. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, ao julgar o Mandado de Segurança nº. 33.442/DF, afastou a aplicação subsidiária da Lei 8.666/93 ao Sistema S:

“Feitas essas considerações, conclui-se que as entidades do “Sistema S” desenvolvem atividades privadas incentivadas e fomentadas pelo Poder Público, não se submetendo ao regramento disciplinado pela Lei 8.666/93. Tendo em vista a autonomia que lhes é conferida, exige-se apenas a realização de um procedimento simplificado de licitação previsto em regulamento próprio, o qual deve observar os princípios gerais que regem a matéria”.

Em que pese o TCU reconheça que o Sistema S possui normas próprias, em alguns julgados recomenda, como dito anteriormente, a aplicação subsidiária da Lei 8.666/93 na hipótese de omissão do regulamento ou dispositivo deste contrário aos princípios e normas gerais[5]. Porém, a jurisprudência do TCU acerca do regime jurídico aplicável ao Sistema “S” tem mudado drasticamente nos últimos tempos, principalmente após o importante julgado do Supremo Tribunal Federal acima colacionado.

Ademais, mesmo quando o TCU recomenda a aplicação subsidiária da legislação federal ao Sistema S, tal se restringe aos princípios e as normas gerais, conforme pacífica jurisprudência desta Corte de Contas:

18. De fato, assiste razão ao recorrente quando afirma que as entidades do “Sistema S” não se sujeitam à estrita observância da Lei 8.666/1993, visto que possuem regulamentos próprios, submetendo-se apenas subsidiariamente aos ditames da Lei de Licitações. Todavia, tais entidades estão sujeitas à observância dos princípios que regem as contratações públicas e devem seguir os postulados gerais relativos à Administração Pública, em especial no que tange à execução de despesas (videAcórdãos 744/2017-Plenário, 7.596/2016-1ª Câmara, 1.584/2016-Plenário, 3.239/2013-Plenário)[6].

Embora a referida Medida Provisória altere o texto da Lei de Licitações (8.666/93), esta, conforme ponderado, só possui aplicabilidade ao Sistema S, quando o regulamento for omisso ou contrariar as normas gerais e princípios aplicáveis à licitação, o que não é o caso, pois o regulamento das entidades disciplina a matéria inerente à publicação do edital em conformidade às normas gerais (art. 5º, § 1º).

Assim, sabendo que as entidades devem seguir seus Regulamentos próprios de Licitações e Contratos, bem como os princípios gerais aplicáveis às despesas públicas (conforme jurisprudência majoritária do TCU colacionada anteriormente), conclui-se que elas não se submetem a aplicabilidade da Medida Provisória 896/2019, pois, como visto, ela altera disciplina da Lei de Licitações (8.666/93) tratando sobre a publicação de atos da Administração Pública, ao passo que o Regulamento do Sistema S não é omisso, nem ao menos contrário aos princípios que regem a licitação quando dispôs de forma específica como seria o procedimento de publicação de seus atos.

Portanto, reconhece-se, como dito incialmente, que o intuito da Medida Provisória foi simplificar a publicidade dos atos administrativos, mormente no que tange à economicidade, substituindo a publicação em jornal de grande circulação por veiculação em sítio eletrônico. Porém, infere-se que a norma não dispensou a publicação em Diário Oficial. Assim, manteve a Lei a necessidade de divulgação em, pelo menos, um veículo. E nesse sentido, inclusive, é a previsão do Regulamento de Licitações e Contratos das entidades do Sistema S, que prescreve a necessidade de divulgação em, pelo menos, um veículo, que pode ser o Diário Oficial da União ou jornal de grande circulação, de sorte que as normas acabam por ser equivalentes neste aspecto.

De qualquer sorte, compreendido que a alteração da Lei de Licitações não será aplicável ao Sistema S, para que o cenário das publicações realizadas pelo Sistema S seja alterado, deverá primeiramente ser realizada uma alteração no regulamento de licitações e contratos, para que se aplique igual modelo à Entidade, ou então alguma outra mais aperfeiçoada a sua necessidade.


[1]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 346.
[2]BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). Entendimentos do Controle Interno Federal sobre a Gestão dos Recursos das Entidades do Sistema “S”. Perguntas e Respostas. Ed. Revisada. Brasília, 2013, p. 4.
[3]TCU. Acórdão nº 7/2002 – Plenário. Rel.: Min. Lincoln Magalhães da Rocha.
[4]Cita-se, nesse sentido, trecho da Decisão: “1.1 – improcedente, tanto no que se refere à questão da ‘adoção’ pelo SENAC/RS, da praça pública Daltro Filho, em Porto Alegre – RS, quanto no que tange aos processos licitatórios, visto que, por não estarem incluídos na lista de entidades enumeradas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.666/1993, os Serviços Sociais Autônomos não estão sujeitos à observância dos estritos procedimentos na referida Lei, e sim aos seus regulamentos próprios devidamente publicados;”. TCU. Decisão nº 907/1997 – Plenário. Rel.: Min. Lincoln Magalhães da Rocha.[4]
[5]A exemplo do decidido no Acórdão 3454/2007 – Primeira Câmara: “A exigência de que o Estatuto das Licitações e Contratos seja observado por entidades do Sistema ‘S’ pode ser justificada em duas hipóteses: ausência de regra específica no regulamento próprio da entidade ou dispositivo, do mesmo regulamento, que contrarie os princípios gerais da Administração Pública e os específicos relativos às licitações e os que norteiam a execução da despesa pública”.
[6]TCU. Acórdão nº. 10312/2017 – 1ª Câmara.

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