O COMPLIANCE E A GOVERNANÇA DAS EMPRESAS ESTATAIS SOB A ÓTICA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A Lei nº 13.303 é uma legislação recente, datada de 30 de junho de 2016, mas que só teve vigência plena a partir de 01 de julho de 2018, e, por ser tão nova, ainda não conta com uma robusta jurisprudência específica.

No entanto, não obstante a sua relativa prematuridade no mundo jurídico, Tribunal de Contas da União já se debruçou sobre a Lei das Estatais em algumas oportunidades, analisando não apenas as questões atinentes às licitações e contratos, mas também questões de governança e compliance e seus elementos modernos de controle que foram trazidos pela Lei nº 13.303/16, inclusive de observância compulsória.

Sob essa perspectiva, trazemos o Acórdão 2008/2019, que versou sobre de Relatório de Levantamento produzido pela então Secretaria de Controle Externo do Estado do Rio Grande do Norte (Secex-RN) acerca da situação financeira, operacional e de governança da Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern).

Apesar de se consubstanciar em Relatório complexo, com vários elementos analisados, destacamos a auditoria realizada nas instâncias referentes ao compliance criadas pela Lei nº 13.303/16 e que são de constituição obrigatória pelas estatais.

Neste Acórdão, o Tribunal verificou que “com exceção da Comissão de Ética, com base nas informações fornecidas sobre a estrutura de governança da Companhia, além de não constarem do organograma da Codern, os mencionados órgãos/áreas ainda não haviam sido efetivamente criados, o que demanda acompanhamento por parte do TCU quando da análise das próximas contas da Companhia, visto que o prazo de adaptação às regras da Lei 13.303/2016 pelas estatais, previsto em seu art. 91, encerrou-se ao final de junho/2018”.

E assim registrou, o TCU, acerca da organização do sistema de compliance e sua definição:

  1. o Comitê de Auditoria: órgão de suporte ao Conselho de Administração no que se refere ao exercício de suas funções de auditoria e de fiscalização sobre a qualidade das demonstrações contábeis e efetividade dos sistemas de controle interno e de auditorias interna e independente;
  2. Comitê de Elegibilidade: instância auxiliar dos acionistas na verificação da conformidade do processo de indicação e de avaliação dos diretores, conselheiros de administração e conselheiros fiscais;
  3. Gerência de Conformidade e Gestão de Riscos: área responsável por opor políticas de Conformidade e Gerenciamento de Riscos para a empresa; verificar a aderência da estrutura organizacional e dos processos, produtos e serviços da empresa às leis, normativos, políticas e diretrizes internas; comunicar à Diretória Executiva, aos Conselhos de Administração e Fiscal e ao Comitê de Auditoria a ocorrência de ato ou conduta em desacordo com as normas aplicáveis à Companhia; verificar o cumprimento do Código de Conduta e Integridade;
  4. Ouvidoria: tem a competência de receber e examinar sugestões e reclamações visando melhorar o atendimento da empresa em relação a demandas de investidores, empregados, fornecedores, clientes, usuários e sociedade em geral.

O Tribunal fez um grande recorrido sobre as disposições da Lei em matéria de controle e, como dissemos em nossa obra[1]

Discutir compliance é compreender a natureza e a dinâmica da corrupção e fraude nas organizações, independentemente da sua área de atuação. Contudo, para as organizações que possuem suas atividades controladas pelo Poder Público, por se tratarem de atividades de prestação de serviço ao público, há uma série de exigências legais que devem cumprir, sob pena de até mesmo serem impedidas de exercerem tais atividades, sofrerem danos à sua imagem, ou ainda, sanções às organizações e aos indivíduos. No centro das ações de compliance, portanto, está a preocupação da quebra da confiança no relacionamento econômico e social das organizações, funcionários e parceiros.

Foi essa toada que diz perseguir o legislador quando insculpiu elementos do compliance para as empresas estatais a partir da edição da Lei nº 13.303/16 e, uma das razões para tal intento, foi, sem dúvida a dimensão social negativa decorrente das operações conhecidas como Lava-Jato e o Mensalão, que envolveram empresas estatais, demandaram ação estatal à medida que o combate à corrupção ingressou ostensivamente na agenda política do país, especialmente envolvendo a administração indireta.

Nesses termos,

A instituição de um programa de integridade pela Lei das Estatais introduziu no ordenamento jurídico uma pluralidade de mecanismos jurídicos, que restringem severamente a autonomia dos governantes e, em especial, dos gestores na condução das atividades das empresas estatais.Para tanto, a Lei das Estatais determinou o prazo de 24 meses43 para a elaboração de normas, regulamentos e estatuto que contemple à sua estrutura organizacional a área de compliance, responsável pelo programa de integridade, monitoramento dos riscos e zonas sensíveis, visando a detecção e prevenção de fraudes.[2]

Destarte, passado muito tempo desde a plena entrada em vigor da Lei nº 13.303/2016, em 01.07.2018, o Tribunal está atento, como já demonstrado pela auditoria realizada através do Acórdão 2008/2019 Plenário, no cumprimento, por parte das estatais, das imposições da Lei no que se refere à elaboração de normas, regulamentos e criação de órgãos e instancias determinadas pela Lei das Estatais.

Outro ponto extremamente relevante que foi observado pelo Tribunal foi a interferência política na estatal auditada, haja vista que a governança trazida pela Lei veda detidamente essa prática:

3.1. Influência política

130. Entre os dias 26/7/2018 e 3/8/2018, a equipe de fiscalização aplicou questionários eletrônicos sobre ambiente interno e atividades de controle aos empregados da Codern, a partir da base de e-mail fornecida pela Companhia, garantindo-lhes a confidencialidade das informações fornecidas. Além de questões de múltipla escolha, os questionários possuíam perguntas abertas em que os colaboradores poderiam dispor, livremente, de observações adicionais.

131. Chamou atenção da equipe as recorrentes menções da forte influência política no âmbito da empresa.

132. Assim, tal fato demandou verificações complementares acerca da situação dos administradores da Companhia no que tange a possíveis parentescos ou vínculos com políticos. Realizada a análise, constatou-se o seguinte:
. Diretor Administrativo e Financeiro: filho de Deputado Estadual (2° vice-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte) do Partido Democratas (DEM);
. Diretor Técnico e Comercial: primo de Deputado Federal do Partido Progressista (PP);
. Administrador do Porto de Maceió: exerceu atividades de assistente administrativo no Senado Federal de 10/2/2011 a 8/6/2016; compôs o quadro do pessoal de escritório de apoio de Senador do Estado de Alagoas de 2012 a 2015 (MDB).
133. Assim, a análise permite concluir pela existência de ilegalidade na permanência do Diretor Administrativo e Financeiro da Codern, uma vez que vai de encontro com a proibição constante do art. 17, § 2°, I e § 3°, da Lei 13.303/2016.

Entre muitas inovações trazidas pela Lei das Estatais, uma medida louvável e bastante comemorada foi a profissionalização da gestão da empresa pública e da sociedade de economia mista a partir de critérios técnicos mais rigorosos para nomeação como administrador, visando, por certo, minimizar a influência política na indicação de gestores para as empresas estatais.

Assim, os requisitos e vedações para nomeação dos cargos de membros do Conselho de Administração e da diretoria estão expostos no art. 17 da Lei nº 13.303/2016 e o Decreto nº 8.945/2016, por seu turno, elenca os requisitos para ser administrador de empresas públicas e sociedades de economia mista em seu art. 28, de maneira que, 

Atualmente, para exercer o cargo de administrador em empresa estatal deve ser cumprido um rigoroso padrão de elegibilidade, em razão da Lei n.º 13.303/2016 ter concretizado uma política pública de combate à corrupção através de gestões pautadas em critérios mais técnicos e menos políticos na indicação dos membros da diretoria e do Conselho de Administração[3].

Sobre todo o exposto, o TCU também está fiscalizando a elegibilidade dos dirigentes das empresas estatais, sob a ótica de avaliar se os critérios técnicos dispostos pela Lei estão sendo observados, de modo a afastar a influência meramente política nas nomeações.

Destarte, nessa breve análise sobre o Acórdão 2008/2019, restou assente que o TCU acompanhou o período de transição que a Lei das Estatais instituiu como de adaptação de 24 meses de sua publicação, em 30.06.2016, bem como está acompanhando a efetividade do cumprimento e atendimento de suas disposições, já que está e muito transcorrido todo o prazo de vacatio legis.

Nestes termos, o TCU está atendo não apenas ao cumprimento das normas e da sua jurisprudência consolidada no âmbito de licitações e contratos, mas, de maneira muito positiva, está fiscalizando a efetiva atuação das empresas públicas e sociedades de economia mista no que tange à instituição dos órgãos responsáveis pela governança, gestão de riscos e compliance, que também foram inovações trazidas pela Lei nº 13.303/2016.

REFERÊNCIAS

BRAGAGNOLI, Renila Lacerda. Lei n.º 13.303/2016: reflexões pontuais sobre a lei das estatais [livro eletrônico]. Curitiba: Editora JML, 2019. Disponível em https://editora.jmlgrupo.com.br/

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2008/2019. Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas. Sessão 28/08/2019. Disponível em https://pesquisa.apps.tcu.gov.br


[1] BRAGAGNOLI, Renila Lacerda. Lei n.º 13.303/2016: reflexões pontuais sobre a lei das estatais [livro eletrônico]. Curitiba: Editora JML, 2019. Disponível em https://editora.jmlgrupo.com.br/
[2] Op, cit.
[3]Op, cit.

Renila Lacerda Bragagnoli

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