PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES À LUZ DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

Conforme já noticiamos em outros artigos, em 01 de abril de 2021 foi sancionada pelo Presidente da República a nova Lei de Licitações e Contratações, sob o nº. 14.133.

Em que pese a sua vigência imediata, a eficácia da Lei 14.133/2021 e consequentemente a sua aplicabilidade plena tem sido questionada, especialmente em face da exigência de divulgação dos atos no Portal Nacional de Contratações Públicas, ainda não implementado.

Assim é que a Advocacia-Geral da União ponderou e concluiu em Parecer 00002/2021/CNMLC/CGU/AGU:

“(…)
19. A referida lei deve ser interpretada, no que tange à implementaca̧ o do PNCP, como uma norma de eficácia limitada, ou seja, aquela que, para que possa produzir todos os seus efeitos, depende de complementaca̧ o normativa.
(…)
25. Assim, a ausência de norma regulamentadora do PNCP faz com que a Lei nº 14.133/2021 seja, em parte, tecnicamente ineficaz.
26. Embora haja vozes dissonantes, entendendo que a ausência de regulamentac a o ou funcionamento do PNCP na o pode servir como obstáculo para a aplicaca̧ o plena da referida legislaca̧ o, na o parece ser essa a melhor interpretaca̧ o normativa.

(…)

42. Em suma, tendo em vista que a) a Lei no 14.133/2021, em seu artigo 94, condiciona a eficácia dos contratos administrativos à sua indispensável publicaca̧ o no PNCP; b) que o PNCP na o se encontra regulamentado e nem em funcionamento; c) que o artigo 94 constitui uma regra jurídica; d) que o legislador na o conferiu outros instrumentos aptos a substituir o PNCP; e) que a lei poderia prever exceco̧ es (como o fez no art. 176, parágrafo único para municípios pequenos) sendo a ausência delas neste caso uma omissa o relevante; f) que, nos termos do artigo 191, é vedada a combinaca̧ o da nova Lei com as Leis no 8.666/93, 10.520/2002 e 12.462/2011; g) que o art. 54, §1o trouxe um requisito cumulativo e na o alternativo de publicidade, de modo que na o afeta a necessidade de divulgac a o no PNCP; h) que a na o aplicac a o da nova Lei na o acarretará nenhum prejuízo ao gestor ou ao interesse público, uma vez que o artigo 193 permite que a contrataca̧ o possa ser efetuada seguindo os trâmites das Leis no 8.666/93, 10.520/2002 e 12.462/2011, conclui-se que, no que tange à realizaca̧ o das licitaco̧ es e consequentes contratos administrativos, enquanto na o estiver em funcionamento o PNCP, a Lei no 14.133/2021 na o possui eficácia técnica, na o sendo possível sua aplicaca̧ o. (grifou-se)

Embora se reconheça a importância do Portal Nacional de Contratações Públicas e
que, de fato, a Lei expressamente vinculou a eficácia dos contratos à publicação no referido Portal, não se pode olvidar que a Administração Pública dispõe de outros meios para a consecução do mesmo fim, a exemplo da divulgação nos portais de compras e no próprio Diário oficial.[1]

De qualquer sorte, a questão da adoção imediata da Lei 14.133/2021 comporta divergências, sendo recomendável que a Administração avalie o posicionamento preponderante em sua esfera de atuação e, em especial, se encontra-se capacitada sob a ótica técnica e operacional, já que a nova norma traz em seu bojo alguns aspectos inovadores que podem demandar certas providências e um certo período de adaptação, a exemplo da necessidade da elaboração de plano anual de contratação, da ênfase dada à fase preparatória do certame, que impõe a tomada de diversas providências, e da exigência da adoção de processos de gestão de riscos e controles interno, dentre outros.

Para garantir o sucesso da contratação é de suma importância o planejamento adequado, o qual exige um levantamento prévio das demandas que serão supridas no exercício financeiro.

Embora sejam fases distintas, não se pode perder de vista que estão interligadas entre si, assim, um equívoco em qualquer etapa pode comprometer todas as demais.

Na fase preparatória/planejamento são definidas as especificações da demanda (descrição do objeto, prazos, obrigações das partes, etc.), o valor estimado da contratação, o critério de julgamento das propostas, os requisitos de habilitação dos licitantes, dentre outros. Qualquer falha nessa etapa poderá comprometer a escolha satisfatória do fornecedor e, por consequência, conduzir à execução de um contrato desvantajoso.

Basta um exemplo para esclarecer essa relação: se a descrição do objeto, na fase preparatória, fica muito genérica, isso pode resultar na apresentação de propostas discrepantes, posto que cada empresa interpretará o termo de referência de uma forma. E, considerando que os agentes responsáveis pelo processamento da etapa de seleção do fornecedor devem pautar seu julgamento em critérios objetivos, já previstos no edital e no termo de referência, esses profissionais não terão subsídios para excluir eventuais objetos que não atendam a necessidade, o que pode comprometer a etapa de seleção do fornecedor. Do mesmo modo, a área demandante, ao receber o produto na etapa contratual também não terá subsídios jurídicos para recusá-lo, pois a descrição no termo de referência, extremamente genérica, não foi capaz de delimitar o que realmente a área almejava.

Pelos mesmos motivos, equívocos na estimativa de preços (que integra a fase de planejamento) podem resultar em contratações superfaturadas ou inexequíveis, o que traz prejuízos à Administração Pública e pode levar à responsabilização dos profissionais envolvidos no processo, inclusive por erro grosseiro tipificado no art. 28, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Em suma, se o processo não for bem instruído na fase preparatória, acabará por comprometer as subsequentes (seleção do fornecedor e gestão de contratos), podendo acarretar: não atendimento da demanda, prorrogações e acréscimos contratuais desnecessários, prejuízo financeiro e, muitas vezes, a responsabilização dos envolvidos no processo.

A melhor forma de evitar a ocorrência desses problemas é por meio do adequado planejamento, que é fundamental para o sucesso das demais etapas da contratação.
E a nova Lei de Licitações e Contratações dedicou especial atenção ao planejamento que, nos termos do art. 5º[2], passa a ser princípio, ao lado de outros já conhecidos: isonomia, julgamento objetivo, competitividade, etc. O art. 18, por seu turno, exige que o planejamento da contratação esteja alinhado ao planejamento estratégico, às leis orçamentárias e ao plano de contratações anual.

Fica claro, portanto, o intuito do legislador de exigir o planejamento estratégico das contratações, sendo o Plano de Contratações Anual importante ferramenta para esse fim.

O Plano de Contratações Anual visa consolidar todas as contratações que o órgão ou entidade pretende realizar ou prorrogar, no ano seguinte, e contempla bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação[3]. Por meio dele, é possível consolidar as demandas, agrupá-las por natureza de objeto, realizar um cronograma estratégico das licitações e comunicar ao mercado fornecedor o que a Administração Pública pretende contratar no próximo exercício.
Tal plano, ao consolidar as demandas, contribui para reduzir o número de
licitações, para a economia de escala (ao agrupar necessidades afins de diversos setores), e para evitar o fracionamento da despesa, na medida em que permite o levantamento de objetos de mesma natureza que serão contratados no decorrer do exercício. Além disso, com a definição das demandas, o setor de licitações terá condições de estruturar um cronograma estratégico das contratações, sinalizando à área a antecedência necessária para iniciar o processo, o que afasta ou minimiza o risco de contratações emergenciais que decorram da falta de planejamento.
Sobre o tema, cita-se doutrina de Angelina Leonez[4]:

“Nesse contexto, é relevante ressaltar que, um dos objetivos do Plano Anual de Contratações é permitir uma visão sistêmica sobre todas as demandas de compras do Governo, atuando na identificação da fragmentação das contratações/compras. Além disso, possibilita uma maior transparência dos gastos, dando mais publicidade às futuras contratações e buscando uma maior racionalização dos gastos públicos, como é dito pela Corte de Contas em seu Acórdão nº 1524/2019 – Plenário”.

No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, a questão encontra-se regulamentada na Instrução Normativa 01/2019[5], do Ministério da Economia, que, no art. 4º, estabelece a competência dos setores requisitantes para identificar as demandas e, ao setor de licitações, o planejamento, coordenação e acompanhamento das ações destinadas à realização das contratações no âmbito do órgão ou entidade, seguindo-se o seguinte fluxo6:

Imagem 1 – Fluxo (em anexo)

 Portanto, o setor requisitante, ao incluir um item no respectivo Plano, deverá informar[6]: I – o tipo de item, o respectivo código, de acordo com os Sistemas de Catalogação de Material ou de Serviços; II – a unidade de fornecimento do item; III – quantidade a ser adquirida ou contratada; IV – descrição sucinta do objeto; V – justificativa para a aquisição ou contratação; VI – estimativa preliminar do valor; VII – o grau de prioridade da compra ou contratação; VIII – a data desejada para a compra ou contratação; e IX – se há vinculação ou dependência com a contratação de outro item para sua execução, visando a determinar a sequência em que os respectivos procedimentos licitatórios serão realizados.
O setor de licitações, por seu turno, deverá analisar as demandas encaminhadas
pelos setores requisitantes promovendo diligências necessárias para: I – agregação, sempre que possível, de demandas referentes a objetos de mesma natureza; II – adequação e consolidação do PAC; e III – construção do calendário de licitação[7].

A Lei nº. 14.133/2021 (nova Lei de Licitações) em seu no art. 12, inciso VII, prescreve que a partir dos documentos de formalização das demandas e, na forma definida em regulamento, cada ente da federação poderá elaborar o Plano de Contratações Anual, com o objetivo de racionalizar as contratações e assegurar o alinhamento com o planejamento estratégico, além de subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias. O § 1º, do mesmo dispositivo, estabelece que tal plano deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial. Já o art. 18, da Lei 14.133/2021, salienta que o planejamento deve compatibilizar-se com o Plano de Contratações Anual, sempre que elaborado.

Infere-se, portanto, que com a exceção da Administração Federal direta, autárquica e fundacional, cuja obrigatoriedade de realização do PAC decorre da Instrução Normativa 01/2019, do Ministério da Economia, para os demais entes da federação, a nova Lei de Licitações reservou a matéria à regulamentação.

De qualquer sorte, em que pese a literalidade da Lei, se considerarmos que o planejamento passa a ser princípio, cuja concretização é dever de todos os entes da federação e, que sem a elaboração do Plano de Contratações Anual, é difícil a consecução desse objetivo, parece-nos possível defender a obrigatoriedade do referido plano, como corolário do dever de planejamento[9].


[1] SANTOS, José Anacleto Abduch. A aplicação da nova lei de licitações depende da criação do portal nacional de contratações públicas? Disponível em: clique aqui. Acesso em 28/06/2021.
[2] “Art. 5º. Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)”.
[4] LEONEZ, Angelina. O Plano Anual de Contratações e os desafios na sua operacionalização. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 28/06/2021.
[5] Saliente-se que o Ministério da Economia abriu consulta pública para sugestões à minuta da nova Instrução Normativa que visa regular a elaboração do Plano de Contratações Anual, o que se encerrou em 01.06.2021. 6 Disponível em: clique aqui.
[6] Art. 5º, da Instrução Normativa 01/2019, do Ministério da Economia.
[7] Art. 6º, da Instrução Normativa 01/2019, do Ministério da Economia.
[9] Nesse sentido, cita-se a ponderada visão do professor Marçal Justen Filho: “A redação legal induz à facultatividade da elaboração do PCA. Mas essa interpretação exige cautela. A utilização do vocábulo “poderão” não deve ser o critério isolado para a interpretação.
A interpretação mais adequada consiste em reconhecer a existência de um dever de elaborar o PCA, cujo atendimento será vinculado às circunstâncias e características da realidade. Caberá ao regulamento dispor sobre as condições para a elaboração do PCA, inclusive, determinando a sua implantação de modo progressivo e compulsório”. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Nova Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuturs, 2021, p. 273-274.

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